Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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A escola configura-se um lugar de opressão, discriminação e preconceitos, no qual e em torno do qual existe um preocupante quadro de violência a que estão submetidos milhões de jovens e adultos LGBT – muitos/as dos/as quais vivem, de maneiras distintas, 4 situações delicadas e vulneradoras de internalização da homofobia, negação, autoculpabilização, auto-aversão. E isso se faz com a participação ou a omissão da família, da comunidade escolar, da sociedade e do Estado. Diante disso, em 998, as autoridades britânicas instituíram o School Standards and Framework Act, que obriga os dirigentes escolares a adotarem medidas para evitar toda forma de intimidação entre estudantes. Em 007, foi aprovada a regulamentação do Equality Act voltada a eliminar discriminações por orientação sexual no acesso, no fornecimento e na utilização de bens e serviços públicos e privados, e o governo determinou que até mesmo as escolas religiosas deverão ensinar o respeito à livre expressão sexual. Nos Estados Unidos, onde três em cada quatro estudantes LGBT da high school declaram viver rotinas de assédio e violência verbal, física ou sexual, há uma crescente mobilização para fazer das escolas ambientes seguros, livres e educativos para estudantes, profissionais e familiares, independentemente de suas identidades sexuais e de gênero (JENNINGS, 00 : xiv; PERROTTI e WESTHEIMER, 00 ). No Brasil, em 004, o governo federal lançou, em conjunto com a sociedade civil, o “Programa Brasil sem Homofobia”, voltado a formular e a implementar políticas integradas e de caráter nacional de enfrentamento ao fenômeno. 7 O programa traz, no seu cerne, a compreensão de que a democracia não pode prescindir do pluralismo e de políticas de eqüidade e que, para isso, é indispensável interromper a longa seqüência de cumplicidade e indiferença em relação à homofobia e promover 3 Sigla cada vez mais empregada a partir da metade dos anos 1990 e fortemente ligada às políticas de identidade, LGBT possui muitas variantes, inclusive com ordens diferentes das letras. Em algumas delas, acrescenta-se um ou dois T (para distinguir travestis, transexuais e transgêneros). Em outras, um ou dois Q para “queer” e “questioning”, às vezes abreviado com um ponto de interrogação; U para “unsure” (incerto) e I para “intersexo”. No Brasil, empregam-se também o S (“simpatizantes”) e o F (“familiares”). Nos EUA: outro T (ou TS ou o número 2: “two-spirit”) e A (“aliados/as hetero”). A revista Anything That Moves (publicada entre 1990 e 2002) cunhou a sigla FABGLITTER (fetish, aliado/a, bissexual, gay, lésbica, intersexo, transgênero, transexual engendering revolution), que não entrou no uso comum. 4 Vivências de jovens e adultos/as LGBT podem ser muito distintas, inclusive em função de gênero, cor, condição econômica etc. Vide.: RYAN e FRAPPIER, 1994; SIMÕES, 2004; ABRAMOVAY et al., 2004.. 5 Em um levantamento entre mais de 4 mil homens e mulheres homossexuais no Reino Unido, constatou-se que, nos cinco anos anteriores, um terço dos gays e um quarto das lésbicas foram vítimas de, ao menos, um ataque violento. Um terço sofreu algum assédio (incluindo ameaças ou vandalismo) e 73% sofreram abusos verbais em público (RICHARDSON e MAY, 1999). 6 Nos EUA, segundo a Anistia Internacional, estudantes LGBT recebem em média 26 insultos por dia, 80% sofrem “grave isolamento social”, 53% ouvem comentários homofóbicos por parte de professores e da administração, 28% deixam a escola antes de obter o diploma (a evasão entre heterossexuais é de 11%), 19% são vítimas de agressão física na escola. Em 97% dos casos, não se registram intervenções por parte do corpo docente e, em 40 estados, professores/as podem ser demitidos/as por serem LGBT. 7 Integravam o BSH os Ministérios da Educação, Cultura, Saúde, Justiça, Trabalho e Emprego, Relações Exteriores, as Secretarias Especiais dos Direitos Humanos, Políticas para Mulheres, Políticas de Promoção da Igualdade Racial. No final de 2007, por ocasião da preparação da I Conferência Nacional GLBT, eram 16 os Ministérios envolvidos. 15

o reconhecimento da diversidade sexual e da pluralidade de identidade de gênero, garantindo e promovendo a cidadania de todos/as. 8 Ao envolver autoridades, profissionais da educação, membros da comunidade escolar e da sociedade em geral em esforços de desestabilização da homofobia, também será necessário não esquecer que o poder e as instituições (entre elas, a escola) funcionam produtivamente em termos de interdições e de estímulos. 9 A repressão sexual (enquanto prática institucional, da qual a homofobia é uma de suas expressões, embora a transcenda) opera não só pelo conjunto explícito de interdições, censuras ou por um código negativo e excludente, mas se efetiva, sobretudo, por meio de discursos, idéias, representações, práticas e instituições que definem e regulam o permitido, distinguindo o legítimo do ilegítimo, o dizível do indizível, delimitando, construindo e hierarquizando seus campos. 0 Guacira Lopes Louro observa que, embora não se possa atribuir à escola o poder e a responsabilidade de explicar identidades sociais ou de determiná-las de forma definitiva, é necessário reconhecer que “suas proposições, suas imposições e proibições fazem sentido, têm ‘efeitos de verdade’, constituem parte significativa das histórias pessoais” (LOURO, 999: ). Sobre a homofobia, acrescenta: “Consentida e ensinada na escola, a homofobia expressa-se pelo desprezo, pelo afastamento, pela imposição do ridículo” (ibid.: 9). Ao ser não apenas consentida, mas também ensinada, a homofobia adquire nítidos contornos institucionais, tornando indispensáveis pesquisas que nos permitam conhecer a fundo as dinâmicas de sua produção e reprodução nas escolas, bem como os seus efeitos nas trajetórias escolares e nas vidas de todas as pessoas. Somos também desafiados a construir indicadores sociais de homofobia nos sistemas escolares para, entre outras coisas, formularmos, implementarmos e executarmos políticas educacionais inclusivas. 8 São compromissos na área da Educação: elaborar diretrizes que orientem os sistemas de ensino na implementação de ações voltadas ao respeito e à não-discriminação por orientação sexual e identidade de gênero; fomentar e apoiar cursos de formação inicial e continuada de professores sobre sexualidade; formar equipes para avaliar livros didáticos e eliminar aspectos discriminatórios por orientação sexual e identidade de gênero; estimular a produção de materiais educativos sobre orientação sexual e identidade de gênero e superação da homofobia; apoiar e divulgar a produção de materiais específicos para a formação de professores; divulgar informações científicas sobre sexualidade; estimular a pesquisa e a difusão de conhecimentos que contribuam para o enfrentamento da violência e da discriminação de LGBT; instituir um subcomitê, com participação do movimento LGBT, para acompanhar e avaliar a implementação do BSH. Para um relatório das ações do MEC no biênio 2005-2006 no âmbito do BSH, vide: JUNQUEIRA et al., 2007. 9 FOUCAULT, 1976 [1988]. Vide também: BUTLER, 2003: 101-102. 10 “A linguagem, as táticas de organização e de classificação, os distintos procedimentos das disciplinas escolares são, todos, campos de um exercício (desigual) de poder. Currículos, regulamentos, instrumentos de avaliação e ordenamento dividem, hierarquizam, subordinam, legitimam ou desqualificam os sujeitos” (LOURO, 2004a: 84-85). Vide também: SILVA, 1996. 11 A inexistência de um arsenal consistente de dados acerca da homofobia nas escolas brasileiras não é índice da inexistência do problema. Pelo contrário, a homofobia institucional tem alimentado, entre muitos 16

o reconhecimento da diversidade <strong>sexual</strong> e da pluralidade de identidade de gênero,<br />

garantindo e promovendo a cidadania de todos/as. 8<br />

Ao envolver autoridades, profissio<strong>na</strong>is da <strong>educação</strong>, membros da comunidade<br />

escolar e da sociedade em geral em esforços de desestabilização da homofobia, também<br />

será necessário não esquecer que o poder e as instituições (entre elas, a escola)<br />

funcio<strong>na</strong>m produtivamente em termos de interdições e de estímulos. 9 A repressão<br />

<strong>sexual</strong> (enquanto prática institucio<strong>na</strong>l, da qual a homofobia é uma de suas expressões,<br />

embora a transcenda) opera não só pelo conjunto explícito de interdições, censuras<br />

ou por um código negativo e excludente, mas se efetiva, sobretudo, por meio<br />

de discursos, idéias, representações, práticas e instituições que definem e regulam o<br />

permitido, distinguindo o legítimo do ilegítimo, o dizível do indizível, delimitando,<br />

construindo e hierarquizando seus campos. 0<br />

Guacira Lopes Louro observa que, embora não se possa atribuir à escola o<br />

poder e a responsabilidade de explicar identidades sociais ou de determiná-las de<br />

forma definitiva, é necessário reconhecer que “suas proposições, suas imposições e<br />

proibições fazem sentido, têm ‘efeitos de verdade’, constituem parte significativa das<br />

histórias pessoais” (LOURO, 999: ). Sobre a homofobia, acrescenta: “Consentida<br />

e ensi<strong>na</strong>da <strong>na</strong> escola, a homofobia expressa-se pelo desprezo, pelo afastamento,<br />

pela imposição do ridículo” (ibid.: 9).<br />

Ao ser não ape<strong>na</strong>s consentida, mas também ensi<strong>na</strong>da, a homofobia adquire<br />

nítidos contornos institucio<strong>na</strong>is, tor<strong>na</strong>ndo indispensáveis pesquisas que nos permitam<br />

conhecer a fundo as dinâmicas de sua produção e reprodução <strong>na</strong>s escolas, bem<br />

como os seus efeitos <strong>na</strong>s trajetórias escolares e <strong>na</strong>s vidas de todas as pessoas. Somos<br />

também desafiados a construir indicadores sociais de homofobia nos sistemas<br />

escolares para, entre outras coisas, formularmos, implementarmos e executarmos<br />

políticas educacio<strong>na</strong>is inclusivas.<br />

8 São compromissos <strong>na</strong> área da Educação: elaborar diretrizes que orientem os sistemas de ensino <strong>na</strong> implementação<br />

de ações voltadas ao respeito e à não-discrimi<strong>na</strong>ção por orientação <strong>sexual</strong> e identidade de<br />

gênero; fomentar e apoiar cursos de formação inicial e continuada de professores sobre <strong>sexual</strong>idade; formar<br />

equipes para avaliar livros didáticos e elimi<strong>na</strong>r aspectos discrimi<strong>na</strong>tórios por orientação <strong>sexual</strong> e identidade<br />

de gênero; estimular a produção de materiais educativos sobre orientação <strong>sexual</strong> e identidade de gênero e<br />

superação da homofobia; apoiar e divulgar a produção de materiais específicos para a formação de professores;<br />

divulgar informações científicas sobre <strong>sexual</strong>idade; estimular a pesquisa e a difusão de conhecimentos<br />

que contribuam para o enfrentamento da violência e da discrimi<strong>na</strong>ção de LGBT; instituir um subcomitê,<br />

com participação do movimento LGBT, para acompanhar e avaliar a implementação do BSH. Para um<br />

relatório das ações do MEC no biênio 2005-2006 no âmbito do BSH, vide: JUNQUEIRA et al., 2007.<br />

9 FOUCAULT, 1976 [1988]. Vide também: BUTLER, 2003: 101-102.<br />

10 “A linguagem, as táticas de organização e de classificação, os distintos procedimentos das discipli<strong>na</strong>s<br />

escolares são, todos, campos de um exercício (desigual) de poder. Currículos, regulamentos, instrumentos<br />

de avaliação e orde<strong>na</strong>mento dividem, hierarquizam, subordi<strong>na</strong>m, legitimam ou desqualificam os sujeitos”<br />

(LOURO, 2004a: 84-85). Vide também: SILVA, 1996.<br />

11 A inexistência de um arse<strong>na</strong>l consistente de dados acerca da homofobia <strong>na</strong>s escolas brasileiras não é<br />

índice da inexistência do problema. Pelo contrário, a homofobia institucio<strong>na</strong>l tem alimentado, entre muitos<br />

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