Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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te sua repulsa aos “bichinhas”, “gays”, “boiolas”. De certa forma, esses meninos desenvolvem um comportamento que poderíamos chamar de esboço “homofóbico”, inclusive contra eles mesmos, passando a exercer uma auto-regulação constante sobre seus corpos e sobre seus desejos. Cabe aqui citar um exemplo observado por Guerra ( 00 ) em sua pesquisa sobre gênero e sexualidade na infância. Um dos meninos da turma de Educação Infantil estava brincando com uma pulseira. De repente, ele pareceu ter se lembrado que aquele objeto era “de menina”, retirando-o do braço com violência e, atirando a pulseira longe, comentou numa espécie de censura a si mesmo: “– Besteira!”. Tal situação demonstra ainda o quanto a construção das masculinidades vai se delineando também a partir de um comportamento misógino, isto é, uma repulsa e uma desvalorização a tudo aquilo que possa parecer feminino (FELIPE, 999). É interessante observar que em muitas famílias especialmente os pais (homens) se sentem extremamente ameaçados na sua própria masculinidade quando seus filhos, embora pequenos, não dão sinais claros de masculinidade. Por exemplo, meninos que têm a voz fina ou que mostram interesse por objetos e brincadeiras de meninas, ou que têm uma postura corporal mais afeminada são vistos como homossexuais em potencial, despertando assim um excesso de preocupação por parte dos pais. Estes chegam mesmo a pedir às professoras que não permitam que seus filhos brinquem com coisas de meninas, tais como utilizar os objetos do “Canto da Fantasia”, 4 experimentar maquiagem, sapato alto, bolsas, colares, fantasias diversas (bailarinas, princesas, bruxas etc). Também é comum que os pais (e a família em geral) usem de violência física para que os meninos tenham um comportamento esperado de “macho” (BELLO, 00 ). Os pais costumam ainda pedir às professoras que controlem e proíbam os meninos de se sentarem dessa ou daquela forma. Quanto ao papel das educadoras que atuam no âmbito da Educação Infantil, é possível perceber o quanto elas desempenham várias funções, ao mesmo tempo, no trato com as crianças: auxiliam na higiene, na alimentação e na sua educação, elaboram e aplicam projetos pedagógicos, são figuras centrais nas contações de histórias, formam rodas de conversas (as famosas “rodinhas”), lidam com a insegurança de pais e mães em relação ao seu trabalho, dentre tantas outras atribuições. No entanto, muitas delas se colocam ainda como vigilantes incansáveis da sexualidade infantil. Alguns exemplos podem ser aqui mencionados: é possível observar que as relações de amizade entre as meninas em idade pré-escolar são 4 O “Canto da Beleza” e o “Canto da Fantasia” são espaços muito utilizados nas escolas infantis, destinados ao encontro das crianças com o lúdico, à fantasia, ao embelezamento. Nesses “cantinhos” há fantasias, adornos variados, como perucas, espelhos, chapéus, gravatas, colares etc. 148

permeadas por uma série de “liberdades” que umas podem ter em relação às outras. As manifestações de carinho, em certa medida, são autorizadas, em alguns casos, até estimuladas. Não nos causa estranheza ver meninas passeando de mãos dadas, trocando afagos, beijando-se no rosto. Essas manifestações parecem nos indicar que a sua feminilidade está sendo “garantida”, pois se espera das meninas que sejam carinhosas, meigas, cuidadoras, que se mantenham distantes das brincadeiras violentas, barulhentas, que elas prescindam de movimentos amplos. Às meninas é imposta uma série de regulações, não há dúvida disso, porém cabe aqui ressaltar que se esses comportamentos partissem dos meninos, seriam considerados um claro “afastamento” da matriz heterossexual. Rapidamente seriam acionados uma série de mecanismos para tentar colocar esse menino na órbita certa. Bello ( 00 ), em sua pesquisa, observou a seguinte situação: [...] [Ana] havia me “alertado” que o menino Sílvio costumava ter comportamentos “estranhos”, fazendo uma alusão ao cruzamento das fronteiras de gênero [...] Sílvio brinca com uma boneca Barbie que está à disposição na sala, penteando-a cuidadosa e longamente, o que não causa nenhum estranhamento nos colegas; a educadora parece sentir-se incomodada com tal situação e sugere que o menino largue a boneca e vá brincar com os demais colegas (Diário de campo, /08/0 ). As educadoras, quando buscam de forma insistente conduzir as crianças para um determinado tipo de brincadeira, estão transformando o brincar e o brinquedo em poderosos “instrumentos pedagógicos”. Neste sentido, é importante lembrar que não só a escola, mas várias outras instâncias sociais, tais como a família, a igreja, a mídia, costumam, por meio de seus discursos, aprisionar, controlar, regular os sujeitos, subjetivando-os a partir de disciplinamentos que são próprios da cultura na qual estão inseridos (BUJES, 000). Caso o sujeito não dê conta desse conjunto de ditames e disciplinamentos, poderá vir a ser desconsiderado como indivíduo, destacando-se assim dos ditos “normais”. Ao ser categorizado como um ser diferente dos demais, prescindirá de tratamento individualizado. Essa individualização nos parece crítica, pois se passa da condição de sujeito – submetido às regras da cultura – para uma condição anterior, uma condição em que uma ressocialização se faz necessária na tentativa de impor ao sujeito novas regras disciplinares. 5 Os nomes aqui citados são fictícios para preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa. 149

permeadas por uma série de “liberdades” que umas podem ter em relação às outras.<br />

As manifestações de carinho, em certa medida, são autorizadas, em alguns casos,<br />

até estimuladas. Não nos causa estranheza ver meni<strong>na</strong>s passeando de mãos dadas,<br />

trocando afagos, beijando-se no rosto. Essas manifestações parecem nos indicar<br />

que a sua feminilidade está sendo “garantida”, pois se espera das meni<strong>na</strong>s que sejam<br />

carinhosas, meigas, cuidadoras, que se mantenham distantes das brincadeiras<br />

violentas, barulhentas, que elas prescindam de movimentos amplos. Às meni<strong>na</strong>s é<br />

imposta uma série de regulações, não há dúvida disso, porém cabe aqui ressaltar<br />

que se esses comportamentos partissem dos meninos, seriam considerados um<br />

claro “afastamento” da matriz heteros<strong>sexual</strong>. Rapidamente seriam acio<strong>na</strong>dos uma<br />

série de mecanismos para tentar colocar esse menino <strong>na</strong> órbita certa. Bello ( 00 ),<br />

em sua pesquisa, observou a seguinte situação:<br />

[...] [A<strong>na</strong>] havia me “alertado” que o menino Sílvio costumava<br />

ter comportamentos “estranhos”, fazendo uma alusão ao cruzamento<br />

das fronteiras de gênero [...]<br />

Sílvio brinca com uma boneca Barbie que está à disposição<br />

<strong>na</strong> sala, penteando-a cuidadosa e longamente, o que não<br />

causa nenhum estranhamento nos colegas; a educadora parece<br />

sentir-se incomodada com tal situação e sugere que o<br />

menino largue a boneca e vá brincar com os demais colegas<br />

(Diário de campo, /08/0 ).<br />

As educadoras, quando buscam de forma insistente conduzir as crianças para<br />

um determi<strong>na</strong>do tipo de brincadeira, estão transformando o brincar e o brinquedo<br />

em poderosos “instrumentos pedagógicos”. Neste sentido, é importante lembrar que<br />

não só a escola, mas várias outras instâncias sociais, tais como a família, a igreja, a<br />

mídia, costumam, por meio de seus discursos, aprisio<strong>na</strong>r, controlar, regular os sujeitos,<br />

subjetivando-os a partir de discipli<strong>na</strong>mentos que são próprios da cultura <strong>na</strong><br />

qual estão inseridos (BUJES, 000). Caso o sujeito não dê conta desse conjunto de<br />

ditames e discipli<strong>na</strong>mentos, poderá vir a ser desconsiderado como indivíduo, destacando-se<br />

assim dos ditos “normais”. Ao ser categorizado como um ser diferente dos<br />

demais, prescindirá de tratamento individualizado. Essa individualização nos parece<br />

crítica, pois se passa da condição de sujeito – submetido às regras da cultura – para<br />

uma condição anterior, uma condição em que uma ressocialização se faz necessária<br />

<strong>na</strong> tentativa de impor ao sujeito novas regras discipli<strong>na</strong>res.<br />

5 Os nomes aqui citados são fictícios para preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa.<br />

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