Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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Homofobia nas Escolas: um problema de todos Escola e reprodução da heteronormatividade Introdução Rogério Diniz Junqueira* ** Todo preconceito impede a autonomia do [ser humano], ou seja, diminui sua liberdade relativa diante do ato de escolha, ao deformar e, conseqüentemente, estreitar a margem real de alternativa do indivíduo. Agnes Heller (1992: 59) Diante do anseio de construirmos uma sociedade e uma escola mais justas, solidárias, livres de preconceito e discriminação, é necessário identificar e enfrentar as dificuldades que temos tido para promover os direitos humanos e, especialmente, problematizar, desestabilizar e subverter a homofobia. São dificuldades que se tramam e se alimentam, radicadas em nossas realidades sociais, culturais, institucionais, históricas e em cada nível da experiência cotidiana. Elas, inclusive, se referem a incompreensões acerca da homofobia e de seus efeitos e produzem ulteriores obstáculos para a sua compreensão como problema merecedor da atenção das políticas públicas. Ao mesmo tempo em que nós, profissionais da educação, estamos conscientes de que nosso trabalho se relaciona com o quadro dos direitos humanos e pode contribuir para ampliar os seus horizontes, precisamos também reter que estamos envolvidos na tessitura de uma trama em que sexismo, homofobia e racismo produzem efeitos e que, apesar de nossas intenções, terminamos muitas vezes por promover sua perpetuação. Teríamos que nos perguntar como nós que clamamos por justiça, pelo fim de preconceitos e violência estamos, mesmo sem saber, envolvidos com aquilo contra * Doutor em Sociologia das Instituições Jurídicas e Políticas (Universidades de Milão e Macerata - Itália). Pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). ** Agradeço a leitura preliminar de Alípio de Sousa Filho, Marco Aurélio Prado, Sérgio Carrara, Marco Antônio Coutinho Jorge, Sílvia Ramos, Eliane Maio, Maria Eulina Pessoa de Carvalho, Paula Regina da Costa Ribeiro, Cláudia Vianna, Jeane Félix da Silva, Rosana Oliveira, Rachel Diniz Junqueira e Leonardo Villares de Almeida Affonso e o apoio, a confiança e o empenho de pessoas preciosas de meu convívio, felizes e generosos encontros que fazem da vida invenções de liberdade. 13

o que procuramos lutar. Não podemos perder de vista que intervenções centradas, única ou principalmente, em nossas boas intenções pedagógicas ou no poder genericamente redentor da educação costumam contribuir para reproduzir o quadro de opressão contra o qual nos batemos. Em outras palavras, com freqüência, colocamos nossas boas intenções e nossa confiança em uma educação a serviço de um sistema sexista e heterossexista de dominação que deve justamente a essas intenções e confiança uma parte significativa de seu poder de conservação. Ora, desde os estudos de Bourdieu e Passeron e uma numerosa série de outros, as visões encantadas acerca do papel transformador e redentor da escola têm sido fortemente desmistificadas. Temos visto consolidar-se uma visão segundo a qual a escola não apenas transmite ou constrói conhecimento, mas o faz reproduzindo padrões sociais, perpetuando concepções, valores e clivagens sociais, fabricando sujeitos (seus corpos e suas identidades), legitimando relações de poder, hierarquias e processos de acumulação. Dar-se conta de que o campo da educação se constituiu historicamente como um espaço disciplinador e normalizador é um passo decisivo para se caminhar rumo à desestabilização de suas lógicas e compromissos. Ao longo de sua história, a escola brasileira estruturou-se a partir de pressupostos fortemente tributários de um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças responsável por reduzir à figura do “outro” (considerado “estranho”, “inferior”, “pecador”, “doente”, “pervertido”, “criminoso” ou “contagioso”) todos aqueles e aquelas que não se sintonizassem com o único componente valorizado pela heteronormatividade e pelos arsenais multifariamente a ela ligados – centrados no adulto, masculino, branco, heterossexual, burguês, física e mentalmente “normal”. Não por acaso, conforme aquilata Guacira Lopes Louro, no espaço da educação escolar, 14 [...] os sujeitos que, por alguma razão ou circunstância, escapam da norma e promovem uma descontinuidade na seqüência sexo/ gênero/sexualidade serão tomados como minoria e serão colocados à margem das preocupações de um currículo ou de uma educação que se pretenda para a maioria. Paradoxalmente, esses sujeitos marginalizados continuam necessários, pois servem para circunscrever os contornos daqueles que são normais e que, de fato, se constituem nos sujeitos que importam (LOURO, 004b: 7, grifos nossos). 1 Para uma reflexão sobre a fabricação dos sujeitos, vide: FOUCAULT, 1975 [1997: 143-161]; FONSECA, 1995: 130-131 e, especialmente na educação: SILVA, 1994, 1996. 2 Por meio da heteronormatividade, a heterossexualidade é instituída e vivenciada como única possibilidade legítima de expressão identitária e sexual (WARNER, 1993).

o que procuramos lutar. Não podemos perder de vista que intervenções centradas,<br />

única ou principalmente, em nossas boas intenções pedagógicas ou no poder genericamente<br />

redentor da <strong>educação</strong> costumam contribuir para reproduzir o quadro de<br />

opressão contra o qual nos batemos. Em outras palavras, com freqüência, colocamos<br />

nossas boas intenções e nossa confiança em uma <strong>educação</strong> a serviço de um sistema<br />

sexista e heterossexista de domi<strong>na</strong>ção que deve justamente a essas intenções e confiança<br />

uma parte significativa de seu poder de conservação.<br />

Ora, desde os estudos de Bourdieu e Passeron e uma numerosa série de outros,<br />

as visões encantadas acerca do papel transformador e redentor da escola têm<br />

sido fortemente desmistificadas. Temos visto consolidar-se uma visão segundo a<br />

qual a escola não ape<strong>na</strong>s transmite ou constrói conhecimento, mas o faz reproduzindo<br />

padrões sociais, perpetuando concepções, valores e clivagens sociais, fabricando<br />

sujeitos (seus corpos e suas identidades), legitimando relações de poder, hierarquias<br />

e processos de acumulação. Dar-se conta de que o campo da <strong>educação</strong> se constituiu<br />

historicamente como um espaço discipli<strong>na</strong>dor e normalizador é um passo decisivo<br />

para se caminhar rumo à desestabilização de suas lógicas e compromissos.<br />

Ao longo de sua história, a escola brasileira estruturou-se a partir de pressupostos<br />

fortemente tributários de um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças<br />

responsável por reduzir à figura do “outro” (considerado “estranho”, “inferior”,<br />

“pecador”, “doente”, “pervertido”, “criminoso” ou “contagioso”) todos aqueles e aquelas<br />

que não se sintonizassem com o único componente valorizado pela heteronormatividade<br />

e pelos arse<strong>na</strong>is multifariamente a ela ligados – centrados no adulto,<br />

masculino, branco, heteros<strong>sexual</strong>, burguês, física e mentalmente “normal”. Não por<br />

acaso, conforme aquilata Guacira Lopes Louro, no espaço da <strong>educação</strong> escolar,<br />

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[...] os sujeitos que, por alguma razão ou circunstância, escapam<br />

da norma e promovem uma descontinuidade <strong>na</strong> seqüência sexo/<br />

gênero/<strong>sexual</strong>idade serão tomados como minoria e serão colocados<br />

à margem das preocupações de um currículo ou de uma<br />

<strong>educação</strong> que se pretenda para a maioria. Paradoxalmente, esses<br />

sujeitos margi<strong>na</strong>lizados continuam necessários, pois servem<br />

para circunscrever os contornos daqueles que são normais e que,<br />

de fato, se constituem nos sujeitos que importam (LOURO,<br />

004b: 7, grifos nossos).<br />

1 Para uma reflexão sobre a fabricação dos sujeitos, vide: FOUCAULT, 1975 [1997: 143-161]; FONSECA,<br />

1995: 130-131 e, especialmente <strong>na</strong> <strong>educação</strong>: SILVA, 1994, 1996.<br />

2 Por meio da heteronormatividade, a heteros<strong>sexual</strong>idade é instituída e vivenciada como única possibilidade<br />

legítima de expressão identitária e <strong>sexual</strong> (WARNER, 1993).

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