Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco

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e esperam ser incluídas na moderna síntese” (apud PARÍS, 00 : 4 ). Nessa “ciência unificada do comportamento”, como assinala Michael Rose, “o comportamento humano deveria passar a ser estudado como o comportamento da mosca das frutas e dos gansos, num esforço sistemático de resolver ou revelar todas as motivações darwinianas inerentes a ele” (ROSE, 000: 9 ). Tese que, de lá para cá, tem ganhado cada vez mais força e adeptos, mesmo no interior das ciências humanas nas universidades. A sociobiologia pretende explicar as sociedades humanas (instituições sociais, padrões culturais) a partir de uma teoria evolucionista que se pretende baseada nas conclusões da biologia sobre origem e evolução das espécies animais. Uma espécie de neodarwinismo, aceito por certos darwinianos, contestado por outros. Os sociobiólogos sugerem, com pequenas variações de ênfases entre eles, que os comportamentos sociais humanos, de algum modo, são determinados geneticamente e sua manutenção deve-se à seleção natural no processo da evolução da espécie (WINSTON, 00 ; WRIGHT, 99 ; PINKER, 004). Nas últimas décadas, a sociobiologia e a psicologia evolucionista têm se fortalecido com a expansão da biologia molecular e com os desdobramentos do Projeto Genoma. Igualmente, sem que seja estranho à episteme de nossa época, a neurociência tem assumido a dianteira das explicações sobre comportamento humano centradas somente na biologia, na genética. No tocante às orientações sexuais e à homossexualidade, em particular, as teses do determinismo biológico vão variando mais ou menos conforme o tempo e os “avanços” que estabelecem. Já se falou de comparecimento de algum gene (ou grupo de genes) no zigoto do indivíduo, levando-o a apresentar um traço correspondente de comportamento sexual, sem relação com o ambiente (relações sociais, padrões culturais) no qual se desenvolve. Já se atribuiu aos hormônios funções determinantes na orientação sexual: testosterona, progesterona e estrógenos concorreriam para definir as tendências sexuais dos indivíduos. Homens homossexuais seriam “feminilizados” e mulheres homossexuais seriam “masculinizadas” pelos hormônios, estes conformando suas tendências sexuais. Por fim, mais recentemente, seguidores das ciências que estudam o cérebro acreditam que os genes, alterando a estrutura cerebral, gerariam a orientação sexual correspondente. O exemplo mais conhecido é a tentativa de reputar aos genes de certa região cerebral a responsabilidade pelas diferenças no hipotálamo e de se concluir que este fenômeno determinaria a orientação sexual. No cérebro, estaria definido se somos homossexuais ou heterossexuais. 3 Michael Rose, em O Espectro de Darwin, traz alguns dos problemas que aplicações do darwinismo têm acarretado. E como demonstra o autor, embora alguns chamados neodarwinistas adotem posições claramente reacionárias e de direita, o darwinismo, como concepção da origem e evolução das espécies e do ser humano, é crítico e revolucionário. Não é por outra razão que é violentamente combatido pelas diversas religiões (ROSE, 2000). 110

Diversas críticas podem ser feitas ao determinismo biológico e não apenas quanto à sua tentativa de definir a “causa” da homossexualidade. Destacaremos rapidamente algumas delas. Como discurso científico, o determinismo biológico é uma reificação reducionista de processos e realidades (mesmo biológicas), em termos de uma natureza humana biológica fixa, que não podem ser compreendidos se não se consideram suas relações com práticas culturais, históricas e sociais, que são dinâmicas e diversas. Constitui um procedimento igualmente reducionista por pretender a existência de “genes” ou “hormônios” específicos para cada gesto, emoção, atitude, desejo, eliminando a complexidade de fatores envolvida na produção dos atos humano-sociais. O mais curioso de observar, tratando-se de trabalhos no campo científico, é a inversão na ordem das coisas: o efeito torna-se a causa. É comum a descrição de fenômenos tomados como desencadeados por “ações do cérebro”, à simples vista fenômenos que são reflexos ou reações fisiológicas provocadas por situações emocionais, subjetivas, sociais. O uso das imagens feitas com ressonância magnética talvez seja, hoje, o melhor exemplo dessa inversão (a edição de /0 /07 da revista Veja traz matéria sobre as “bases cerebrais” da atitude de compradores compulsivos, atestadas por imagens produzidas com a técnica da ressonância: são o nucleus accumbens, o córtex insular e o córtex pré-frontal médio que nos fazem comprar o carro da propaganda na TV, a camisa que está na vitrine ou o perfume que adoramos!). O determinismo biológico é também uma extrapolação questionável à esfera da realidade humano-social de estudos realizados com animais, tornando-se uma ampliação de modelos que se mostram válidos apenas para certos tipos de fenômenos e não para todos. Um exemplo dessa extrapolação é Gunther Dörner que, trabalhando na Universidade Humboldt, em Berlim, e estudando cérebros de ratos, concluiu que a identidade de gênero dos bichinhos podia ser modificada quando se interferia em partes de seu cérebro. Gunther Dörner partiu daí para fazer afirmações sobre a homossexualidade humana... Outro exemplo de extrapolação é Simon Le Vay, a quem já nos referimos: estudando cérebros de cadáveres, com tecidos naturalmente modificados pela morte, afirma ter encontrado uma diferença estrutural de tamanho nos hipotálamos de gays e lésbicas: nos homossexuais, seria de menor tamanho. O neuroespecialista estudou os cérebros de 4 cadáveres, incluindo mulheres, 9 homens homossexuais e outros que supôs serem heterossexuais. No seu estudo, afirma ter encontrado uma pequena área do cérebro, o INAH- , que era de medida menor e similar em mulheres e homens homossexuais e maior em homens que supôs serem heterossexuais. Para o determinismo biológico, ratos e cadáveres servem para definir aspectos da subjetividade humana, o desejo, a gênese da homossexualidade. 111

e esperam ser incluídas <strong>na</strong> moder<strong>na</strong> síntese” (apud PARÍS, 00 : 4 ). Nessa “ciência<br />

unificada do comportamento”, como assi<strong>na</strong>la Michael Rose, “o comportamento humano<br />

deveria passar a ser estudado como o comportamento da mosca das frutas e dos<br />

gansos, num esforço sistemático de resolver ou revelar todas as motivações darwinia<strong>na</strong>s<br />

inerentes a ele” (ROSE, 000: 9 ). Tese que, de lá para cá, tem ganhado cada vez<br />

mais força e adeptos, mesmo no interior das ciências huma<strong>na</strong>s <strong>na</strong>s universidades.<br />

A sociobiologia pretende explicar as sociedades huma<strong>na</strong>s (instituições sociais,<br />

padrões culturais) a partir de uma teoria evolucionista que se pretende baseada <strong>na</strong>s<br />

conclusões da biologia sobre origem e evolução das espécies animais. Uma espécie de<br />

neodarwinismo, aceito por certos darwinianos, contestado por outros. Os sociobiólogos<br />

sugerem, com peque<strong>na</strong>s variações de ênfases entre eles, que os comportamentos<br />

sociais humanos, de algum modo, são determi<strong>na</strong>dos geneticamente e sua manutenção<br />

deve-se à seleção <strong>na</strong>tural no processo da evolução da espécie (WINSTON,<br />

00 ; WRIGHT, 99 ; PINKER, 004). Nas últimas décadas, a sociobiologia e a<br />

psicologia evolucionista têm se fortalecido com a expansão da biologia molecular<br />

e com os desdobramentos do Projeto Genoma. Igualmente, sem que seja estranho<br />

à episteme de nossa época, a neurociência tem assumido a dianteira das explicações<br />

sobre comportamento humano centradas somente <strong>na</strong> biologia, <strong>na</strong> genética.<br />

No tocante às orientações sexuais e à homos<strong>sexual</strong>idade, em particular, as teses<br />

do determinismo biológico vão variando mais ou menos conforme o tempo e os<br />

“avanços” que estabelecem. Já se falou de comparecimento de algum gene (ou grupo<br />

de genes) no zigoto do indivíduo, levando-o a apresentar um traço correspondente<br />

de comportamento <strong>sexual</strong>, sem relação com o ambiente (relações sociais, padrões<br />

culturais) no qual se desenvolve. Já se atribuiu aos hormônios funções determi<strong>na</strong>ntes<br />

<strong>na</strong> orientação <strong>sexual</strong>: testostero<strong>na</strong>, progestero<strong>na</strong> e estrógenos concorreriam para<br />

definir as tendências sexuais dos indivíduos. Homens homossexuais seriam “feminilizados”<br />

e mulheres homossexuais seriam “masculinizadas” pelos hormônios, estes<br />

conformando suas tendências sexuais. Por fim, mais recentemente, seguidores das<br />

ciências que estudam o cérebro acreditam que os genes, alterando a estrutura cerebral,<br />

gerariam a orientação <strong>sexual</strong> correspondente. O exemplo mais conhecido é a<br />

tentativa de reputar aos genes de certa região cerebral a responsabilidade pelas diferenças<br />

no hipotálamo e de se concluir que este fenômeno determi<strong>na</strong>ria a orientação<br />

<strong>sexual</strong>. No cérebro, estaria definido se somos homossexuais ou heterossexuais.<br />

3 Michael Rose, em O Espectro de Darwin, traz alguns dos problemas que aplicações do darwinismo têm<br />

acarretado. E como demonstra o autor, embora alguns chamados neodarwinistas adotem posições claramente<br />

reacionárias e de direita, o darwinismo, como concepção da origem e evolução das espécies e do<br />

ser humano, é crítico e revolucionário. Não é por outra razão que é violentamente combatido pelas diversas<br />

religiões (ROSE, 2000).<br />

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