Diversidade sexual na educação ... - unesdoc - Unesco
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passado no nível da referenciação da crise psíquica que provocaria ordinariamente o abandono dos objetos do amor de si (homós) em proveito dos objetos do amor do outro (héteros). Conforme esse argumento, a homossexualidade seria o caso de indivíduos que não alcançariam, na sexualidade, o amor do objeto culturalizado – nem instintual, nem narcísico – permanecendo no amor (primário) do igual, do mesmo (hómos). Por outro lado, a heterossexualidade seria o caso bem-sucedido da passagem de um estado a outro da escolha objetal no psiquismo, em que sairia ganhando a reprodução da espécie e a organização social humana, baseada na diferença entre os sexos. Daí porque a heterossexualidade corresponderia a uma sexualidade perfeitamente cultural, civilizatória, própria do ser da linguagem, e resultado de uma intervenção humana (na forma do Édipo, do complexo de castração e quejandos), assinalando o acesso do indivíduo à cultura, sob o império da Lei (do Pai) da diferença sexual. Para a ideologia (no discurso freudiano e no de seus seguidores), a homossexualidade estaria para a natureza assim como a heterossexualidade estaria para a cultura? Ainda no modelo teórico das psicologias, a homossexualidade (masculina) seria efeito de uma mensagem da mãe, recebida pelo filho, na rivalidade com o marido. Tratar-se-ia, assim, de um lado, da figura do pai que, desde a aurora dos tempos freudianos, é identificado com a lei, e, de outro, da figura da mãe, que seria uma mulher que nutriria uma queixa essencial em relação a essa lei, pois lei que parece dispensá-la da castração e do seu reconhecimento. Mãe, ela espera do seu filho uma vingança decisiva contra a instância demasiada injusta para fazê-la submissa e demasiado absurda para separar uma mãe de seu produto. Ora, como se sabe que esse pai não está aí senão por procuração – ele é o pai simbólico –, a mãe (do homossexual), nessa fábula, o que tem é um problema com a lei (do pai) e oferece ao filho uma alternativa de ser a outra versão – (per)versão? (sub)versão? – da lei do pai. A mãe, transferindo – inconsciente – o desejo de ser uma outra versão da lei do pai, deixa ao filho o combate a uma lei patriarcal que, introduzindo o pai no centro de tudo, também a subjuga e a oprime: “A mãe faz lei no lugar do pai”, “a mãe dita a lei ao pai” (LACAN, 9 7- 9 8 [ 999]). O homossexual seria aquele que, levado a negar a castração, terminaria riscando do seu programa a diferença entre os sexos (observar que Freud já concluía pela mesma curiosa idéia em 9 – FREUD, 9 [ 97 : ]). Nos termos propostos por Jacques Lacan, em um de seus célebres Seminários, o homossexual seria aquele que conservaria uma “relação profunda e perpétua com a mãe”, manteria “identificação com a posição da mãe”, mãe diretiva, “que cuidou mais do filho que o pai” etc. 106
A mãe que mostra ter sido a lei para o pai num momento decisivo... no momento que a intervenção proibidora do pai deveria ter introduzido o sujeito na fase de dissolução de sua relação com o objeto do desejo da mãe, e cortado pela raiz qualquer possibilidade de ele se identificar com o falo, o sujeito encontra na estrutura da mãe, ao contrário, o suporte, o reforço... que faz com que essa crise não ocorra (LACAN, 9 7- 9 8 [ 999: ]). Não identificados com a posição do pai, os homossexuais conservariam para sempre – “não são curados” (ibid.: 4) – um “medo pavoroso de ver o órgão da mulher [...], pela suposição de que a vagina [perigosa] ingeriu o falo do pai: [...] o que é temido na penetração [homem/homossexual – mulher] é justamente o encontro com esse falo” (ibid.: 8). Mais ainda: [...] a exigência do homossexual de encontrar em seu parceiro o órgão peniano corresponde precisamente a que, na posição primitiva, aquela ocupada pela mãe que dita a lei ao pai, o que é questionado – não resolvido, mas posto em questão – é saber se, na verdade, o pai tem ou não tem, e é exatamente [o homossexual exige] a seu parceiro, acima de qualquer outra coisa, e de um modo preponderante em relação às outras coisas (ibid.: 7). Tais eventos psíquicos constituem o homossexual como aquele que “agarra-se extremante à sua posição homossexual”, como aquele que tem “dificuldade de abalar sua posição” – é ler Lacan... e conferir (para todas as citações: LACAN, 9 7- 9 8 [ 999: 4- 0]). Generalizações como estas ignoram a diversidade das culturas, a variabilidade das famílias, mesmo que apenas no interior das sociedades ocidentais, assim como a amplitude, a variabilidade e o dinamismo das relações humanas que engendram a biografia de cada indivíduo, incluindo aí a sua sexualidade – esta seguramente não sendo construída apenas pelas relações que se produzem no microcosmo familiar e na infância. Acrescente-se, igualmente: as generalizações de um tal modelo teórico (que se pretende validado pela clínica) tornam-se responsáveis pela reificação do preconceito, ao traduzirem, mais uma vez, a homossexualidade como “problema” 2 Já Malinowski (1927 [1973]) apontava críticas a Freud sobre as generalizações de sua teoria, embora críticas consideradas ingênuas por estudos posteriores – entre outros, Duvereux (1972), Ortigues e Ortigues (1989). 107
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do outro (héteros). Conforme esse argumento, a homos<strong>sexual</strong>idade seria o caso de<br />
indivíduos que não alcançariam, <strong>na</strong> <strong>sexual</strong>idade, o amor do objeto culturalizado<br />
– nem instintual, nem <strong>na</strong>rcísico – permanecendo no amor (primário) do igual, do<br />
mesmo (hómos). Por outro lado, a heteros<strong>sexual</strong>idade seria o caso bem-sucedido<br />
da passagem de um estado a outro da escolha objetal no psiquismo, em que sairia<br />
ganhando a reprodução da espécie e a organização social huma<strong>na</strong>, baseada <strong>na</strong><br />
diferença entre os sexos. Daí porque a heteros<strong>sexual</strong>idade corresponderia a uma<br />
<strong>sexual</strong>idade perfeitamente cultural, civilizatória, própria do ser da linguagem, e<br />
resultado de uma intervenção huma<strong>na</strong> (<strong>na</strong> forma do Édipo, do complexo de castração<br />
e quejandos), assi<strong>na</strong>lando o acesso do indivíduo à cultura, sob o império<br />
da Lei (do Pai) da diferença <strong>sexual</strong>. Para a ideologia (no discurso freudiano e<br />
no de seus seguidores), a homos<strong>sexual</strong>idade estaria para a <strong>na</strong>tureza assim como a<br />
heteros<strong>sexual</strong>idade estaria para a cultura?<br />
Ainda no modelo teórico das psicologias, a homos<strong>sexual</strong>idade (masculi<strong>na</strong>)<br />
seria efeito de uma mensagem da mãe, recebida pelo filho, <strong>na</strong> rivalidade com o<br />
marido. Tratar-se-ia, assim, de um lado, da figura do pai que, desde a aurora dos<br />
tempos freudianos, é identificado com a lei, e, de outro, da figura da mãe, que<br />
seria uma mulher que nutriria uma queixa essencial em relação a essa lei, pois lei<br />
que parece dispensá-la da castração e do seu reconhecimento. Mãe, ela espera do<br />
seu filho uma vingança decisiva contra a instância demasiada injusta para fazê-la<br />
submissa e demasiado absurda para separar uma mãe de seu produto. Ora, como<br />
se sabe que esse pai não está aí senão por procuração – ele é o pai simbólico –, a<br />
mãe (do homos<strong>sexual</strong>), nessa fábula, o que tem é um problema com a lei (do pai)<br />
e oferece ao filho uma alter<strong>na</strong>tiva de ser a outra versão – (per)versão? (sub)versão?<br />
– da lei do pai. A mãe, transferindo – inconsciente – o desejo de ser uma outra<br />
versão da lei do pai, deixa ao filho o combate a uma lei patriarcal que, introduzindo<br />
o pai no centro de tudo, também a subjuga e a oprime: “A mãe faz lei no lugar<br />
do pai”, “a mãe dita a lei ao pai” (LACAN, 9 7- 9 8 [ 999]). O homos<strong>sexual</strong><br />
seria aquele que, levado a negar a castração, termi<strong>na</strong>ria riscando do seu programa<br />
a diferença entre os sexos (observar que Freud já concluía pela mesma curiosa<br />
idéia em 9 – FREUD, 9 [ 97 : ]).<br />
Nos termos propostos por Jacques Lacan, em um de seus célebres Seminários,<br />
o homos<strong>sexual</strong> seria aquele que conservaria uma “relação profunda e perpétua<br />
com a mãe”, manteria “identificação com a posição da mãe”, mãe diretiva, “que<br />
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