Sohn-Rethel - Trabalho manual e espiritual

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14.04.2013 Views

em todos os tempos, a que mais tem prazer na produção? De que maneira ela supera a contradição entre a lógica da apropriação de todas as relações sociais de troca e a lógica da produção de objetos de apropriação como mercadorias? A resposta a esta questão exige a combinação de dois passos: primeiro, a formulação de uma hipótese teorética matematicamente expressa e, segundo, a comprovação experimental da mesma. A hipótese é a tradução do fenômeno em questão nos termos da pura lógica de apropriação na forma de um sistema mecanístico. Ernst Cassirer mencionou o parentesco da natureza exacta com o mecanismo, mas não o explicou. A explicação está em que o mecanismo tem origem da fisicalidade do negócio da troca, da qual se podem deduzir as categorias do pensamento abstrato da razão. A hipótese como formulação do fenômeno em questão nos conceitos puros da lógica da apropriação efectua a homologização do fenômeno com a constituição geral da sociedade. Mas ela guarda distância dessa lógica social com respeito à realidade fatual do fenômeno. Esta distância exige uma passagem pelo experimento. O experimento é vinculado ao princípio do isolamento experimental, ou seja à eliminação de todos os fatores de estorvo não estritamente pertencentes à natureza do fenômeno, que poderiam afecta-lo só acidental e temporariamente, de modo que o fenômeno se sujeita à comprovação experimental só em sua natureza essencial e o resultado do experimento possui portanto a imutabilidade, repetibilidade e confiabilidade, que um empresário pode exigir de um estabelecimento no qual ele deve investir seu capital. O resultado experimental é agora o estado de coisas consolidado, com o qual engenheiros com sua preparação tecnológica podem contar, a fim de que se obtenham as máquinas úteis e aparelhos a ser colocados nas mãos dos trabalhadores, que deles precisam para os fins da produção. Este é o ciclo no qual a questão inicialmente colocada encontra sua resposta, a qual aliás não poderia ser levada até sua solução com base em uma teoria idealista do conhecimento, como aquela a que também Cassirer aderiu. E é por isso que Cassirer pode ter razão, quando ele não promete uma explicação da ciência exacta. 8. A matemática como limite entre cabeça e mão A novidade marcante da realização de Galileu é que nela se abriu o campo para a aplicação da matemática aos fenômenos naturais. Ora, nossa análise das formas afirma duas coisas a respeito da matemática: primeiro, que ela é uma propriedade do pensamento em sua forma de socialização; segundo, que ela caracteriza o trabalho mental em sua separação do trabalho manual. A interconexão dessas duas propriedades essenciais é objeto de particular interesse. Em que sentido pensamos aqui em "matemática"? Há distintas formas, distintos instumentários de matemática. Na forma que nos é familiar a

matemática constitui uma disciplina sem contradições, rigorosamente dedutiva, a qual, com base em determinados axiomas e postulados, promete resultados inequívocos. Seu ofício é a diferenciação das grandezas, que se pode definir em números. Esta modalidade de matemática é criação dos gregos e remonta aos séculos sétimo e sexto antes de Cristo. Os primeiros nomes a ela associados são Tales e Pitágoras. O primeiro, é de cerca de duas gerações após a primeira cunhagem de moeda acontecida na Lídia e no Iônio ao redor do ano 630, pelos milesianos que actuavam no Iônio, fato com o qual tem seu começo geral o pensamento conceitualmente reflexo; o segundo, foi natural de Samos, mas por volta do ano 540 emigrou de lá para a Itália do Sul, onde ele mesmo foi provavelmente responsável pela criação de uma moeda. Ele pôs números diretamente iguais à natureza das coisas. Mileto e Samos tinham crescido até formar, no Egeu da época, os dois principais centros rivais de atividades comerciais. Como testemunha a cunhagem de moeda (evidentemente uma economia mercantil desenvolvida e avançada), a manifestação lógico-dedutiva da matemática pode-se considerar como coetânea da produção mercantil como um todo, independentemente de suas mutações. Hoje, conforme a atual transformação de sua instrumentação por sua mecanização eletrônica, esta matemática não se torna certamente a última forma de suas manifestações. Muito menos foi ela a primeira. A criação grega foi precedida principalmente no Egito por uma forma distinta de "matemática". Em quase toda a atividade de construção, alguma arte de medir prestava uma ajuda indispensável: a essa arte Heródoto deu o nome de geometria, por seu uso em medir o terreno. Ela se servia porém da corda como instrumento principal e constituía a profissão pessoal de gente que o grego, traduzindo conforme sua denominação industrial egípcia, denomina de "harpedonaptes" (literalmente: "esticador de corda"). Nesse nome, conforme nota já Burnet, expressa-se mais semelhança com nossa jardinagem que com nossa matemática. Do livro de ensino ou de exercícios de Ahmes, encontrado no papiro Rhind, bem como de outras representações egípcias em relevo, torna-se claro que esses estendedores de corda, em geral trabalhando em pares, eram agregados dos mais altos oficiais faraónicos para a finalidade da construção de templos e pirâmides, do departamento da pavimentação de diques de irrigação, da construção e controle de armazéns, da redistribuição de terrenos reemersos das inundações do Nilo para estabelecer as tarefas de fornecimento do ano seguinte e outras funções semelhantes. Se o uso e manejo da corda eram exercidos com a correspondente virtuosidade e com os conhecimentos de longa experiência, pode-se pensar que não haja muitos problemas geométricos, que não se possam superar procedendo a medi-los com tais instrumentos. Entre esses encontravam-se também problemas como a tripartição dos ângulos, a ampliação e redução de volumes, inclusive a

em todos os tempos, a que mais tem prazer na produção? De que maneira<br />

ela supera a contradição entre a lógica da apropriação de todas as relações<br />

sociais de troca e a lógica da produção de objetos de apropriação como<br />

mercadorias? A resposta a esta questão exige a combinação de dois<br />

passos: primeiro, a formulação de uma hipótese teorética matematicamente<br />

expressa e, segundo, a comprovação experimental da mesma. A hipótese é<br />

a tradução do fenômeno em questão nos termos da pura lógica de<br />

apropriação na forma de um sistema mecanístico. Ernst Cassirer<br />

mencionou o parentesco da natureza exacta com o mecanismo, mas não o<br />

explicou. A explicação está em que o mecanismo tem origem da fisicalidade<br />

do negócio da troca, da qual se podem deduzir as categorias do<br />

pensamento abstrato da razão. A hipótese como formulação do fenômeno<br />

em questão nos conceitos puros da lógica da apropriação efectua a<br />

homologização do fenômeno com a constituição geral da sociedade. Mas<br />

ela guarda distância dessa lógica social com respeito à realidade fatual do<br />

fenômeno. Esta distância exige uma passagem pelo experimento. O<br />

experimento é vinculado ao princípio do isolamento experimental, ou seja à<br />

eliminação de todos os fatores de estorvo não estritamente pertencentes à<br />

natureza do fenômeno, que poderiam afecta-lo só acidental e<br />

temporariamente, de modo que o fenômeno se sujeita à comprovação<br />

experimental só em sua natureza essencial e o resultado do experimento<br />

possui portanto a imutabilidade, repetibilidade e confiabilidade, que um<br />

empresário pode exigir de um estabelecimento no qual ele deve investir seu<br />

capital. O resultado experimental é agora o estado de coisas consolidado,<br />

com o qual engenheiros com sua preparação tecnológica podem contar, a<br />

fim de que se obtenham as máquinas úteis e aparelhos a ser colocados nas<br />

mãos dos trabalhadores, que deles precisam para os fins da produção.<br />

Este é o ciclo no qual a questão inicialmente colocada encontra sua<br />

resposta, a qual aliás não poderia ser levada até sua solução com base em<br />

uma teoria idealista do conhecimento, como aquela a que também Cassirer<br />

aderiu. E é por isso que Cassirer pode ter razão, quando ele não promete<br />

uma explicação da ciência exacta.<br />

8. A matemática como limite entre cabeça e mão<br />

A novidade marcante da realização de Galileu é que nela se abriu o campo<br />

para a aplicação da matemática aos fenômenos naturais. Ora, nossa<br />

análise das formas afirma duas coisas a respeito da matemática: primeiro,<br />

que ela é uma propriedade do pensamento em sua forma de socialização;<br />

segundo, que ela caracteriza o trabalho mental em sua separação do<br />

trabalho <strong>manual</strong>. A interconexão dessas duas propriedades essenciais é<br />

objeto de particular interesse.<br />

Em que sentido pensamos aqui em "matemática"? Há distintas formas,<br />

distintos instumentários de matemática. Na forma que nos é familiar a

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