Sohn-Rethel - Trabalho manual e espiritual

Sohn-Rethel - Trabalho manual e espiritual Sohn-Rethel - Trabalho manual e espiritual

ideiaeideologia.com
from ideiaeideologia.com More from this publisher
14.04.2013 Views

apresentação do concurso. A coroa foi parar no tesouro da catedral, e a tentativa resultou em um novo fortalecimento do monopólio do latim par escritos oficiais e culturais em Florença até bem adentro no século xvi. Para abranger o que foi fundamental em uma época, devemos aborda-la em suas relações de produção. Já mencionei meu interesse dominante pelo status vigente do "producente", ou, digamos, o status daquele, que em sua época está acreditado como producente. Na renascença era o trabalhador quem, por sua libertação da servidão do feudalismo, se tinha tornado proprietário de sua casa e do lugar de trabalho e se juntou em uma corporação com os outros de sua arte para garantia de seu status de producente. Ele passou por seu período de treinamento, a fim de aprender a ler, escrever e calcular e levantar-se de seu analfabetismo, no qual antes de sua emancipação ele estava preso perante o monopólio latinofalante do trabalhador espiritual medieval. Olschki dirige-se ao producente da Renascença como "mestre experimentador", porque ele se desenvolveu na unidade de trabalho corporal e intelectual, o que o deixava desimpedido para a iniciativa artística em sua praxe manual e dava-lhe uma abertura perante a pressão corporativa. Em todo caso, em Florença este era o caso da maneira mais expressiva. E sempre de novo mostra-se a grande utilidade da matemática para a formação espiritual e para a arte desses Mestres. Um exemplo destacado disso é Piero della Francesca, o artista que deve ser sobretudo mencionado depois de Brunelleschi e Alberti. "Il monarca della pittura dei nostri tempi", assim o denomina Luca Pacioli. Ele é o pintor que se aproxima ao máximo a Leonardo da Vinci em profundidade e nível espiritual. Pela metade do Quattrocento ele apresentou um tratado sobre a perspectiva. Eu sei de meu pai, que ele ainda aprendeu perspectiva na Academia de arte de Düsseldorf no livro do grande Piero. Em seu Tratado, Piero procedeu por um método de dedução matemática, com o qual ele, como salienta Olschki, prenuncia a geometria prospectiva e o "more geométrico" de Descartes. Poucos anos antes de sua morte, 1492, ele, quase cego, ainda redigiu um pequeno escrito de corporibus regularibus, sobre os poliedros regulares, que ele extraiu do Timeu. Podese portanto dizer que na lista doa artistas da Renascença Piero foi o primeiro, que dominou a matemática em si mesma, mas a entendeu mais como especulação platónica. Um outro seguidor importante de Alberti, Francesco di Giorgio Martini (1438-1502), reparou isso. Em seu Trattato di Architettura civile e militare ele usa seu não pequeno entendimento da matemática para problemas da fortificação contra armas de fogo da artilharia, que se tinham desenvolvido

e difundido a partir de meados do século anterior. Também a frota dos Turcos era uma ameaça perigosa com sua dotação de canhões. Daí a significação muito atual do Tratado de Giorgio Martini. Ele entra em pesquisas detalhadas sobre as relações qualitativas entre comprido, largura, e espessura dos tubos de todo tipo de canhões, entre o peso das bombas e a quantidade da pólvora, entre a força explosiva e a linha de projecção sob vários ângulos, entre o afastamento e o impacto das bombas, entre a força de resistência dos muros das fortalezas e a força do impacto da bomba e como a arte de construção das fortificações devesse ser arranjada de acordo com isso, qual a altura e a espessura dos muros, se rectos ou poligonais, etc. Mas ele sublinha que sobre todas essas particularidades não se pode fazer nada de definitivo até que se determine a balística dos projécteis da artilharia, e isso ocorreu, como se sabe, só mais de cem anos mais tarde pela definição galileiana da curva dos projécteis como parábola. Toda a Itália estava tomada pela ameaça dos turcos desde a queda de Bisâncio em 1453 e de Otranto em 1480, na entrada para Adria. E não somente a Itália. Em certos aspectos Giorgio Martini lembra Dürer e seus ensinamentos sobre fortificações para Nürnberg, de 1527. Ainda assim os turcos avançaram em 1528 até Viena. Na Itália a corte de Urbino era um centro especial desses temores, mas também da preocupação com a resistência. Federigo da Montefeltro era o marechal da liga italiana e possuía uma biblioteca especial de matemática, que ele mesmo organizou: ela se tornou na segunda metade do Quattrocento um forte ponto de atração para os eminentes mestres, mesmo aqueles de Florença, quando lá o exagero do humanismo, após a fundação da Academia por Lorenzo de Medici (1460), estragava a não poucos a permanência em Florença. Martini aliás foi chamado já antes por Federigo para a sua corte, mas depois encontraram-se lá sobretudo Leon Battista Alberti e sua escola, mais adiante Piero della Francesca, Luca Pacioli, Mantegna, Bramante, Michelozzo, Leonardo e outros. Leonardo sobressaiu dentre os mestres que tinham adquirido o conhecimento do pensamento matemático. Mas seu caso é original e complexo. Ele não era um mestre, e sim um e meio ou dois mestres em uma pessoa. Por seu lado, ele era pintor, portanto animado em sua personalidade sensível a uma sensibilidade elevadíssima, pelo outro lado, ele era ocupado nos milhares de seus folhos manuscritos, como engenheiro civil e militar, em uma inspiração puramente intelectual na procura de leis da natureza, que pressupõem uma abstração perfeita do mundo sensível da percepção. Como pintor ele usa um instrumento manual como outros

apresentação do concurso. A coroa foi parar no tesouro da catedral, e a<br />

tentativa resultou em um novo fortalecimento do monopólio do latim par<br />

escritos oficiais e culturais em Florença até bem adentro no século xvi.<br />

Para abranger o que foi fundamental em uma época, devemos aborda-la<br />

em suas relações de produção. Já mencionei meu interesse dominante pelo<br />

status vigente do "producente", ou, digamos, o status daquele, que em sua<br />

época está acreditado como producente. Na renascença era o trabalhador<br />

quem, por sua libertação da servidão do feudalismo, se tinha tornado<br />

proprietário de sua casa e do lugar de trabalho e se juntou em uma<br />

corporação com os outros de sua arte para garantia de seu status de<br />

producente.<br />

Ele passou por seu período de treinamento, a fim de aprender a ler,<br />

escrever e calcular e levantar-se de seu analfabetismo, no qual antes de<br />

sua emancipação ele estava preso perante o monopólio latinofalante do<br />

trabalhador <strong>espiritual</strong> medieval. Olschki dirige-se ao producente da<br />

Renascença como "mestre experimentador", porque ele se desenvolveu na<br />

unidade de trabalho corporal e intelectual, o que o deixava desimpedido<br />

para a iniciativa artística em sua praxe <strong>manual</strong> e dava-lhe uma abertura<br />

perante a pressão corporativa.<br />

Em todo caso, em Florença este era o caso da maneira mais expressiva. E<br />

sempre de novo mostra-se a grande utilidade da matemática para a<br />

formação <strong>espiritual</strong> e para a arte desses Mestres. Um exemplo destacado<br />

disso é Piero della Francesca, o artista que deve ser sobretudo mencionado<br />

depois de Brunelleschi e Alberti. "Il monarca della pittura dei nostri tempi",<br />

assim o denomina Luca Pacioli. Ele é o pintor que se aproxima ao máximo<br />

a Leonardo da Vinci em profundidade e nível <strong>espiritual</strong>. Pela metade do<br />

Quattrocento ele apresentou um tratado sobre a perspectiva. Eu sei de meu<br />

pai, que ele ainda aprendeu perspectiva na Academia de arte de Düsseldorf<br />

no livro do grande Piero.<br />

Em seu Tratado, Piero procedeu por um método de dedução matemática,<br />

com o qual ele, como salienta Olschki, prenuncia a geometria prospectiva e<br />

o "more geométrico" de Descartes. Poucos anos antes de sua morte, 1492,<br />

ele, quase cego, ainda redigiu um pequeno escrito de corporibus<br />

regularibus, sobre os poliedros regulares, que ele extraiu do Timeu. Podese<br />

portanto dizer que na lista doa artistas da Renascença Piero foi o<br />

primeiro, que dominou a matemática em si mesma, mas a entendeu mais<br />

como especulação platónica.<br />

Um outro seguidor importante de Alberti, Francesco di Giorgio Martini<br />

(1438-1502), reparou isso. Em seu Trattato di Architettura civile e militare<br />

ele usa seu não pequeno entendimento da matemática para problemas da<br />

fortificação contra armas de fogo da artilharia, que se tinham desenvolvido

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!