Sohn-Rethel - Trabalho manual e espiritual

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14.04.2013 Views

Não se pode duvidar do efeito transformador da economia mercantil e da circulação do dinheiro sobre a sociedade grega no período em questão. A descrição de Engels e sua apreciação é confirmada em todos os aspectos essenciais por George Thomson (The first philosophers, Londres, 1955, p. 196). Ambos indicam a circunstância decisiva que a sociedade perdeu o domínio sobre sua produção e que por isso o comércio de mercadorias e o dinheiro "tornou-se a única potência comum, perante a qual toda a sociedade [devia] curvar-se". Lenta mas inevitavelmente a economia mercantil ganhou a prevalência sobre ligações de estirpe, que no decorrer do quarto século foram levadas à sua dissolução definitiva. Mesmo sem que a produção antiga de mercadorias fosse produção de mais valia no sentido capitalista, ela era a base de uma "sociedade sintética" em meu sentido, ou seja de uma formação social, na qual a síntese social é mediada pelo processo de troca dos produtos como mercadorias, e não repousa mais sobre um modo de produção comunitário. E isso é tudo o que precisa para que a abstração real se torne elemento dominante para a forma de pensar e nos autoriza a reconduzir as características conceituais da filosofia e da matemática grega e a profunda separação entre trabalho intelectual e corporal, que com isso nasceu, reconduzi-las a esta raiz como sua origem determinante. Eu traço uma linha de divisão essencial entre troca primitiva e a troca de mercadorias no sentido próprio. Troca primitiva, dar e receber doações, "potlach" cerimonial, alguns usos de dotes matrimoniais, etc., difundem-se em um processo diferenciador de comunidades gentis e na troca entre as mesmas. Elas conhecem uma reciprocidade dos oferecimentos, mas nenhuma equivalência dos objetos oferecidos em si e por si. Os objetos têm o caráter de excedentes, mas não surgem de relações de exploração, pelo menos não em sua origem, embora no desenvolvimento ulterior se formem fases de transição à exploração. Os mesmos contudo não apontam rumo à produção de mercadorias, mas levam ao surgimento de relações diretas de senhorio e servidão, como foram descritas no item anterior. Mas lá, onde após a dissolução da idade do bronze pela idade do ferro a troca de mercadorias se difundiu e se introduziu mais e mais na estrutura interna da comunidade antiga, ela é troca de produtos equivalentes de trabalho explorado e é accionada para a finalidade da formação unilateral de riqueza. No impulso dessa troca de equivalentes já em épocas longínquas pré-capitalistas alguns tornam-se ricos, outros pobres. Ela tem como conteúdo e como base a exploração. Isso significa que ela tem o mesmo conteúdo que a apropriação unilateral nas ordens de dominação da idade do bronze. Mas o conteúdo muda de forma. Pelo fato de que ele assume a reciprocidade da forma da troca, completa-se a apropriação em uma relação auto-suficiente de circulação social, uma forma de circulação conforme com as normas puras e recíprocas da propriedade. Nesta

capacidade autoreguladora e formadora de mercado a troca de mercadorias torna-se uma forma que suporta a socialização, na qual um ninho de puras relações de propriedade pode subsumir a si a produção e o consumo da sociedade, quer como produção com trabalho de escravos, quer mais adiante através do trabalho assalariado. Trabalho e socialização estão aqui de antemão em pólos separados. Sob o influxo da troca de mercadorias desse conteúdo funcional desenvolveu-se o antigo estado-cidade em pura sociedade de proprietários ou em "sociedade de apropriação" em sua forma clássica, ou seja sem participação nela dos produtores, pois estes prestavam seu trabalho aos apropriadores como escravos no subterrâneo da sociedade. A circulação de mercadorias aqui dominante, desenvolvida, poder-se-ia distinguir como reflexa em comparação com a troca primitiva, simples. Só na forma reflexa ela tem o caráter de circulação privada com propriedade privada de mercadorias e na conta de privados, e só nesta determinação ela se torna forma de circulação interna à sociedade. Daqui compreende-se que toda a análise da forma da abstração da mercadoria e da troca, que foi desenvolvida na primeira parte, vale somente para a troca de mercadorias em sua forma reflexa, pois a análise da troca de mercadorias era dirigida como modo de socialização, como modo da síntese social. É uma síntese da apropriação e uma síntese falsa: nela a sociedade perde sua soberania sobre seu processo vital, e a potência produtiva humana, ou seja a potência da autoprodução dos homens, se cinde em trabalho unilateralmente manual dos explorados e em atividade intelectual (igualmente unilateral) a serviço inconsciente da exploração. "Valor", na significação deste conceito de riqueza acoplada com o dinheiro, é certamente produto do trabalho, ma não originado por motivos de subsistência, e sim produto do trabalho social e soberanamente forçado, poder-se-ia dizer: produto classista do trabalho. Esta significação de riqueza do valor das mercadorias e a significação classista do trabalho que a gera como trabalho explorado nunca voltaram a desaparecer da história ulterior, embora não faltaram estouros de crises nem estados de necessidade, nos quais essas significações foram temporariamente esquecidas e necessitaram de uma "Renascença" para ser revitalizadas. A mais profunda dessas crises foi mesmo a dos clássicos antigos. A síntese da apropriação falhou na hora de se completar. Pelo fato de que o produtor está fora do nexo social, este nexo se rouba a possibilidade de sua reprodução econômica e é dependente das contingências da captura de produtores sempre precisando de ser renovada. Considerado ao nível da consciência, isso se mostra na falta dos problemas de sua constituição na filosofia grega, em contraste com a moderna. Com justeza observa George Thompson que na filosofia grega o desenvolvimento começa com o materialismo e depois tende em grau sempre maior ao idealismo, enquanto

capacidade autoreguladora e formadora de mercado a troca de<br />

mercadorias torna-se uma forma que suporta a socialização, na qual um<br />

ninho de puras relações de propriedade pode subsumir a si a produção e o<br />

consumo da sociedade, quer como produção com trabalho de escravos,<br />

quer mais adiante através do trabalho assalariado. <strong>Trabalho</strong> e socialização<br />

estão aqui de antemão em pólos separados.<br />

Sob o influxo da troca de mercadorias desse conteúdo funcional<br />

desenvolveu-se o antigo estado-cidade em pura sociedade de proprietários<br />

ou em "sociedade de apropriação" em sua forma clássica, ou seja sem<br />

participação nela dos produtores, pois estes prestavam seu trabalho aos<br />

apropriadores como escravos no subterrâneo da sociedade. A circulação de<br />

mercadorias aqui dominante, desenvolvida, poder-se-ia distinguir como<br />

reflexa em comparação com a troca primitiva, simples. Só na forma reflexa<br />

ela tem o caráter de circulação privada com propriedade privada de<br />

mercadorias e na conta de privados, e só nesta determinação ela se torna<br />

forma de circulação interna à sociedade. Daqui compreende-se que toda a<br />

análise da forma da abstração da mercadoria e da troca, que foi<br />

desenvolvida na primeira parte, vale somente para a troca de mercadorias<br />

em sua forma reflexa, pois a análise da troca de mercadorias era dirigida<br />

como modo de socialização, como modo da síntese social. É uma síntese<br />

da apropriação e uma síntese falsa: nela a sociedade perde sua soberania<br />

sobre seu processo vital, e a potência produtiva humana, ou seja a potência<br />

da autoprodução dos homens, se cinde em trabalho unilateralmente <strong>manual</strong><br />

dos explorados e em atividade intelectual (igualmente unilateral) a serviço<br />

inconsciente da exploração. "Valor", na significação deste conceito de<br />

riqueza acoplada com o dinheiro, é certamente produto do trabalho, ma não<br />

originado por motivos de subsistência, e sim produto do trabalho social e<br />

soberanamente forçado, poder-se-ia dizer: produto classista do trabalho.<br />

Esta significação de riqueza do valor das mercadorias e a significação<br />

classista do trabalho que a gera como trabalho explorado nunca voltaram a<br />

desaparecer da história ulterior, embora não faltaram estouros de crises<br />

nem estados de necessidade, nos quais essas significações foram<br />

temporariamente esquecidas e necessitaram de uma "Renascença" para<br />

ser revitalizadas.<br />

A mais profunda dessas crises foi mesmo a dos clássicos antigos. A síntese<br />

da apropriação falhou na hora de se completar. Pelo fato de que o produtor<br />

está fora do nexo social, este nexo se rouba a possibilidade de sua<br />

reprodução econômica e é dependente das contingências da captura de<br />

produtores sempre precisando de ser renovada. Considerado ao nível da<br />

consciência, isso se mostra na falta dos problemas de sua constituição na<br />

filosofia grega, em contraste com a moderna. Com justeza observa George<br />

Thompson que na filosofia grega o desenvolvimento começa com o<br />

materialismo e depois tende em grau sempre maior ao idealismo, enquanto

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