Sohn-Rethel - Trabalho manual e espiritual

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14.04.2013 Views

ser uma realidade, na qual o real tenha sentido e o sentido se torne realidade, onde portanto a sociedade humana sai de sua "pré-história", na qual a humanidade é bola de jogo das necessidades naturais. A serviço dessa finalidade, a história humana deve ser entendida em seu conjunto sob um postulado metodológico, pelo qual a possibilidade dessa finalidade, a possibilidade real de sua realização, é concebida já como o propriamente determinante, a lei natural dominando completamente a história humana, portanto como a verdade que está por toda parte já por baixo de seu acontecer. Esse postulado metodológico é o materialismo histórico. Com tal expressão, "materialismo histórico", entende-se que a história humana é parte da história natural, ou seja dominada em última instância por necessidades naturais. Estas necessidades naturais tornam-se humanas, ou seja a natureza experimenta sua continuação na forma de história humana lá onde começa o trabalho. Que os homens não vivem em um país das delícias, ou seja que não vivem de graça, mas nem são nutridos cegamente pela natureza como os animais, e sim vivem na medida de seu trabalho, portanto em força da sua produção, por eles mesmos gerada, empreendida e levada a termo, aqui está a base natural dos homens e o "materialismo" da história humana. "Na produção de sua vida...", assim soam as primeiras palavras, com as quais Marx começa sua exposição dos axiomas do enfoque materialista da história. Poder-se-ia também dizer que a lei fundamental do materialismo histórico é a lei do valor. Mas a lei do valor começa seu caminho só quando o produto do trabalho humano ultrapassa a pura necessidade natural e se torna "valor" inter-humano: e esse é o limiar onde começam a troca de mercadorias e a exploração, portanto onde, dito de modo não marxista, começa o "pecado original" ou, dito marxisticamente, onde se introduzem a "reificação" e a "autoalienação" dos homens, sua perversão ou danação, seu deslumbramento ou cegamento, a causalidade natural historicamente gerada da "economia" e a dominação de uma naturalidade, que é deixado aos homens superar, quando o tempo chegar. A lei do valor torna-se, em outras palavras, lei fundamental do materialismo histórico no decurso das épocas da dominação da sociedade de classe. Como, portanto, pertence a dialética às instâncias marxísticas: materialismo histórico, lei do valor, sociedade de classes, economia, autolibertação dos homens de sua pré-história? De acordo com o enfoque aqui defendido, a dialética está no pensamento marxista tal como a dialética hegeliana na lógica de Hegel. Ela está, porém, também não na história como parte de sua facticidade. Se alguém for positivista, e portanto registra a "verdade" como pedra e pedras, fato e fatos, a ele nunca a dialética daria sequer uma ensinadela. Contudo a dialética encontra-se na história, mas ela se mostra só àquele que considera a história sob o postulado metodológico do materialismo histórico. A ele ela se mostra porque a dialética é aquilo, que dela Hegel desenvolveu, unidade de pensar e de ser, de sentido e de realidade, e porque essa unidade, entendida materialisticamente, desde o começo

forma a essência da história humana, mesmo para aquele que não sabe de nada melhor que das aparências e não costuma sequer começar a entender qualquer coisa dessa essência. Quem foi então que batizou Marx: Hegel ou Kant? A resposta é menos simples que comumente se supõe. Em toda a concepção, regada a dialética, do materialismo histórico, domina uma perigosa tentação de ignorar o problema do conhecimento em vista da natureza. A natureza aparece por meio do trabalho, de sua matéria, forças, instrumentos, máquinas aparecem já como fator dado introduzido na história humana e dominado. Ela não exerce sua causalidade sobre a história como constante, e sim através do grau de desenvolvimento das forças produtivas; por isso, bem ocorrem perdas, mas no essencial as épocas se seguem uma sobre as costas das outras, porquanto as consequências possam atuar sem progresso de acordo com as significações nas relações sociais de produção. A natureza aparece portanto como uma matéria contida na história, sempre digerida através da práxis da produção. O conhecimento e a ciência da natureza exigido com isso é tratado por Marx, correspondentemente, com uma aparente naturalidade, na medida em que há algum aceno especial a ele. Parece portanto não oferecer-se nenhuma oportunidade de fazer disso um problema do conhecimento conforme a maneira kantiana. Contudo tal problema se põe. Obviamente ele não se coloca no fundamento da filosofia como em Kant, como questão a-histórica "do conhecimento como tal" nem sequer da "possibilidade da experiência". Ele se põe como fenômeno histórico específico pela separação entre trabalho espiritual e manual, que cresce no terreno da divisão de classes na produção mercantil desenvolvida, e de maneira completamente desenvolvida pela primeira vez entre os antigos clássicos e depois por sua vez sobretudo na época moderna européia. Aqui coloca-se um problema teórico do conhecimento pelo fato histórico de que as formas do conhecimento da natureza se separam da produção manual, se autonomizam perante ela e, portanto, fluem abertamente de outras fontes que aquelas das quais flui o trabalho manual. Quais fontes possam ser essas, isso não é por sua vez nada evidente, mesmo que se partilhe a crença da teoria tradicional do conhecimento em uma capacidade humana inata de "entendimento". O fenômeno em si, pelo menos em sua forma moderna européia, é aquele mesmo, para o qual valem as questões de Kant: como é possível a pura matemática? Como é possível a pura ciência da natureza? A teoria, com a qual ele respondeu apoiava-se em análises, desenvolvidas por mais de dez anos, do método galileano e da física newtoniana, complementadas e comprovadas por trabalhos próprios em ciência natural, e em partes essenciais a teoria se constituía de conclusões dos resultados, que ele tinha alcançado. Que a "pura ciência natural" é possível, disso não há dúvida, pois ela é um dado de fato;

ser uma realidade, na qual o real tenha sentido e o sentido se torne<br />

realidade, onde portanto a sociedade humana sai de sua "pré-história", na<br />

qual a humanidade é bola de jogo das necessidades naturais. A serviço<br />

dessa finalidade, a história humana deve ser entendida em seu conjunto<br />

sob um postulado metodológico, pelo qual a possibilidade dessa finalidade,<br />

a possibilidade real de sua realização, é concebida já como o propriamente<br />

determinante, a lei natural dominando completamente a história humana,<br />

portanto como a verdade que está por toda parte já por baixo de seu<br />

acontecer. Esse postulado metodológico é o materialismo histórico. Com tal<br />

expressão, "materialismo histórico", entende-se que a história humana é<br />

parte da história natural, ou seja dominada em última instância por<br />

necessidades naturais. Estas necessidades naturais tornam-se humanas,<br />

ou seja a natureza experimenta sua continuação na forma de história<br />

humana lá onde começa o trabalho. Que os homens não vivem em um país<br />

das delícias, ou seja que não vivem de graça, mas nem são nutridos<br />

cegamente pela natureza como os animais, e sim vivem na medida de seu<br />

trabalho, portanto em força da sua produção, por eles mesmos gerada,<br />

empreendida e levada a termo, aqui está a base natural dos homens e o<br />

"materialismo" da história humana. "Na produção de sua vida...", assim<br />

soam as primeiras palavras, com as quais Marx começa sua exposição dos<br />

axiomas do enfoque materialista da história. Poder-se-ia também dizer que<br />

a lei fundamental do materialismo histórico é a lei do valor. Mas a lei do<br />

valor começa seu caminho só quando o produto do trabalho humano<br />

ultrapassa a pura necessidade natural e se torna "valor" inter-humano: e<br />

esse é o limiar onde começam a troca de mercadorias e a exploração,<br />

portanto onde, dito de modo não marxista, começa o "pecado original" ou,<br />

dito marxisticamente, onde se introduzem a "reificação" e a "autoalienação"<br />

dos homens, sua perversão ou danação, seu deslumbramento ou<br />

cegamento, a causalidade natural historicamente gerada da "economia" e a<br />

dominação de uma naturalidade, que é deixado aos homens superar,<br />

quando o tempo chegar. A lei do valor torna-se, em outras palavras, lei<br />

fundamental do materialismo histórico no decurso das épocas da<br />

dominação da sociedade de classe. Como, portanto, pertence a dialética às<br />

instâncias marxísticas: materialismo histórico, lei do valor, sociedade de<br />

classes, economia, autolibertação dos homens de sua pré-história? De<br />

acordo com o enfoque aqui defendido, a dialética está no pensamento<br />

marxista tal como a dialética hegeliana na lógica de Hegel. Ela está, porém,<br />

também não na história como parte de sua facticidade. Se alguém for<br />

positivista, e portanto registra a "verdade" como pedra e pedras, fato e<br />

fatos, a ele nunca a dialética daria sequer uma ensinadela. Contudo a<br />

dialética encontra-se na história, mas ela se mostra só àquele que<br />

considera a história sob o postulado metodológico do materialismo<br />

histórico. A ele ela se mostra porque a dialética é aquilo, que dela Hegel<br />

desenvolveu, unidade de pensar e de ser, de sentido e de realidade, e<br />

porque essa unidade, entendida materialisticamente, desde o começo

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