Sohn-Rethel - Trabalho manual e espiritual
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essência da própria sociedade - que seja para seu bem, como estava<br />
convenido Adam Smith, ou para sua desgraça, como Ricardo começou a<br />
desconfiar. Sabemos que a análise da mercadoria da Marx serve a demolir<br />
até mesmo este suposição básica da economia política em seu conjunto e,<br />
a partir daí, a abrir os olhos para a verdadeira dialética da sociedade<br />
burguesa. Esse é o assunto da marxiana Crítica da economia política.<br />
A obra de Kant não tem por suposição (mas chega à conclusão) de que<br />
está na natureza do espírito humano de fazer seu trabalho separado e<br />
independente do trabalho corporal. Certo, em Kant só raramente há<br />
menção do trabalho <strong>manual</strong> e das "mãos trabalhadoras", embora seu papel<br />
social indispensável nunca esteja em dúvida. Esse papel, porém, não se<br />
estende nem à possibilidade de um conhecimento exato da natureza. A<br />
teoria da "matemática pura" e da "ciência pura da natureza" triunfa no fato<br />
de que nela não há necessidade nenhuma sequer de mencionar o trabalho<br />
corporal. Ela é conhecimento em base puramente <strong>espiritual</strong> e a própria<br />
possibilidade disso é a tarefa explicativa de sua teoria. Para Kant, as visões<br />
empiristas de Hume eram um escândalo, porque nelas se abalava a<br />
qualidade apodíctica de juízo dos conceitos puros da razão, e esta<br />
qualidade justifica a separação entre princípios a priori e princípios a<br />
posteriori do conhecimento, portanto o isolamento de uma parte de nosso<br />
ser não deduzível da natureza corporal e sensível, uma parte que ao<br />
mesmo tempo fundamenta a autonomia da pessoa <strong>espiritual</strong> com a<br />
possibilidade do conhecimento teorético da natureza. De acordo com esta<br />
autonomia, para assegurar a ordem social não são necessários nem<br />
privilégios externos, nem restrições artificiais da "maioridade", por outro<br />
lado. Quanto mais vem assegurado aos homens um "uso desimpedido de<br />
sua razão", tanto melhor se serve às necessidades sociais, ou seja à moral,<br />
ao direito e ao progresso <strong>espiritual</strong>.9 É o único caminho fundamentado na<br />
natureza de nosso próprio poder <strong>espiritual</strong>, portanto caminho justo, aquele<br />
no qual à sociedade pode caber a ordem conforme a ela. Que esta ordem<br />
traga em si a separação de classes perante as categorias trabalhadoras,<br />
isso se dissimulou a Kant tal como aos outros filósofos do iluminismo<br />
burguês. "A filosofia da revolução francesa" - assim denominou Marx a<br />
kantiana: esta ilusão não era o último motivo para isso. Mas a separação<br />
entre as classes "formadas" e as "trabalhadoras", esse era o conceito sob o<br />
qual na Alemanha economicamente subdesenvolvida a sociedade burguesa<br />
tomou forma mais e mais, à distinção dos conceitos de capital e trabalho no<br />
ocidente, onde a economia política dominava o pensamento burguês. - Ora,<br />
onde está aqui a questão da "crítica da teoria do conhecimento" que<br />
visamos realizar?<br />
As suposições da teoria kantiana do conhecimento são corretas na medida<br />
em que as ciências exatas são de fato tarefa do trabalho <strong>espiritual</strong>, que se<br />
realiza em completa independência do trabalho <strong>manual</strong> nas fábricas. Isso