14.04.2013 Views

Patologia Patologia - Revista Onco

Patologia Patologia - Revista Onco

Patologia Patologia - Revista Onco

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.revistaonco.com.br<br />

Junho/Julho 2011<br />

Ano 1 • no 6<br />

Emergências<br />

oncológicas<br />

Neutropenia febril e câncer<br />

Transplante<br />

de medula<br />

O transplante de células-tronco<br />

hematopoéticas e a crescente<br />

disponibilidade de doadores<br />

Do bem<br />

Hospices: mais um recurso para<br />

os cuidados paliativos no Brasil<br />

<strong>Onco</strong>logia para todas as especialidades<br />

entrevista | abdômen | curtas | calendário<br />

<strong>Patologia</strong><br />

Entenda o papel cada vez mais central<br />

do patologista no âmbito do câncer


entrevista<br />

capa<br />

transplante de medula<br />

abdômen<br />

emergências oncológicas<br />

do bem<br />

curtas<br />

calendário<br />

6<br />

10<br />

16<br />

26<br />

36<br />

40<br />

44<br />

46<br />

À frente do Hospital de Câncer de Barretos, Henrique Prata<br />

fala sobre excelência, compromisso e parcerias em câncer<br />

<strong>Patologia</strong><br />

Antes restritos à bancada, patologistas se tornam figuras<br />

cada vez mais centrais no diagnóstico e no tratamento do câncer<br />

O transplante de células-tronco hematopoéticas e a crescente<br />

disponibilidade de doadores Luis Fernando S. Bouzas<br />

Cirurgia citorredutora e quimioterapia intraperitoneal hipertérmica<br />

(QtIPH) no tratamento da carcinomatose peritoneal<br />

Ademar Lopes e Adriano Carneiro<br />

Neutropenia febril e câncer – Parte 1<br />

Luiz Gustavo Torres e Daniel Tabak<br />

Hospices: cuidado e consolo até o fim<br />

Notícias da indústria, iniciativas, parcerias:<br />

um giro pelo mundo da oncologia<br />

Programe-se: eventos e congressos para anotar na agenda<br />

sumário


Conselho<br />

editorial<br />

Editor clínico:<br />

Sergio D. Simon<br />

Editorial Lilian Liang<br />

lilian@iasoeditora.com.br<br />

Comercial Simone Simon<br />

simone@iasoeditora.com.br<br />

Direção de arte Luciana Cury<br />

luciana@iasoeditora.com.br<br />

Pré-impressão Ione Gomes Franco<br />

Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva<br />

4 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

Ano 1 • número 6<br />

junho/julho 2011<br />

I – Cancerologia clínica<br />

<strong>Onco</strong>logia clínica:<br />

André Moraes (SP)<br />

Anelisa Coutinho (BA)<br />

Auro Del Giglio (SP)<br />

Carlos Sampaio (BA)<br />

Claudio Petrilli (SP)<br />

Clarissa Mathias (BA)<br />

Daniel Herchenhorn (RJ)<br />

Fernando Medina (SP)<br />

Gothardo Lima (CE)<br />

Igor Morbeck (DF)<br />

João Nunes (SP)<br />

José Bines (RJ)<br />

Karla Emerenciano (RN)<br />

Marcelo Aisen (SP)<br />

Marcelo Collaço Paulo (SC)<br />

Maria de Fátima Dias Gaui (RJ)<br />

Nise Yamaguchi (SP)<br />

Oren Smaletz (SP)<br />

Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP)<br />

Roberto Gil (RJ)<br />

Sebastião Cabral Filho (MG)<br />

Sérgio Azevedo (RS)<br />

Sergio Lago (RS)<br />

<strong>Onco</strong>-hematologia:<br />

Carlos Chiattone (SP)<br />

Carmino de Souza (SP)<br />

Daniel Tabak (RJ)<br />

Jane Dobbin (RJ)<br />

Nelson Spector (RJ)<br />

Vânia Hungria (SP)<br />

Impressão: Ipsis Gráfica e Editora<br />

Tiragem: 10 mil exemplares<br />

ISSN: 2179-0930<br />

Jornalista responsável: Lilian Liang (MTb 26.817)<br />

Colaboraram nesta edição: Ademar Lopes,<br />

Adriano Carneiro, Conceição Lemes, Daniel Tabak,<br />

Luis Fernando Bouzas, Luiz Gustavo Torres<br />

e Sergio Azman<br />

Transplante de medula:<br />

Jairo Sobrinho (SP)<br />

Luis Fernando Bouzas (RJ)<br />

Nelson Hamerschlak (SP)<br />

Yana Novis (SP)<br />

II – Biologia molecular<br />

Ada Alves (RJ)<br />

André Vettore (SP)<br />

Carlos Gil (RJ)<br />

Helenice Gobbi (MG)<br />

José Cláudio Casali (RJ)<br />

Luísa Lina Villa (SP)<br />

Maria Isabel Achatz (SP)<br />

III – Cancerologia<br />

cirúrgica<br />

Neurologia:<br />

Manoel Jacobsen Teixeira (SP)<br />

Marcos Stavale (SP)<br />

Cabeça e pescoço:<br />

Luis Paulo Kowalski (SP)<br />

Vergilius Araújo (SP)<br />

Tórax:<br />

Angelo Fernandez (SP)<br />

Riad Naim Younes (SP)<br />

Abdômen:<br />

Ademar Lopes (SP)<br />

José Jukemura (SP)<br />

Laercio Gomes Lourenço (SP)<br />

Marcos Moraes (RJ)<br />

Paulo Herman (SP)<br />

Mama:<br />

Alfredo Barros (SP)<br />

Antonio Frasson (SP)<br />

Carlos Alberto Ruiz (SP)<br />

Maira Caleffi (RS)<br />

Urologia:<br />

Antônio Carlos L. Pompeu (SP)<br />

Miguel Srougi (SP)<br />

Ginecologia:<br />

Jorge Saad Souen (SP)<br />

Sérgio Mancini Nicolau (SP)<br />

Sophie Derchain (SP)<br />

Tecido osteoconjuntivo:<br />

Olavo Pires de Camargo (SP)<br />

Reynaldo J. Garcia Filho (SP)<br />

IV – Radioterapia<br />

Ludmila Siqueira (MG)<br />

Paulo Novaes (SP)<br />

Robson Ferrigno (SP)<br />

Rodrigo Hanriot (SP)<br />

Wladimir Nadalin (SP)<br />

V – Cuidados paliativos<br />

e dor<br />

Ana Claudia Arantes (SP)<br />

Claudia Naylor Lisboa (RJ)<br />

Fabíola Minson (SP)<br />

João Marcos Rizzo (RS)<br />

Ricardo Caponero (SP)<br />

A revista <strong>Onco</strong>& – <strong>Onco</strong>logia para todas as especialidades, uma<br />

publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica,<br />

traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as<br />

especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição<br />

nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução<br />

do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte.<br />

Rua João Álvares Soares, 1223<br />

Campo Belo – 04609-002 – São Paulo – SP<br />

(11) 2478-6985 (redação) (21) 3798-1437 (comercial)


Do poder das parcerias<br />

Em maio tive o privilégio de visitar o Hospital<br />

de Câncer de Barretos, a cerca de 400 qui -<br />

lômetros de São Paulo. Numa entrevista ani -<br />

mada e informal, o fazendeiro e diretor do hospital,<br />

Henrique Prata, contou como a instituição cresceu<br />

de uma estrutura que, em 1989, atendia 200 pessoas<br />

para se tornar um centro de referência em oncologia,<br />

responsável por 3 mil atendimentos diários em 2011.<br />

Prata se gaba, com razão, de oferecer tratamento<br />

de primeiro mundo a um público formado integral-<br />

mente por pacientes do Sistema Único de Saúde.<br />

Ao percorrer os longos corredores do complexo, vi<br />

que não era apenas discurso: as instalações são mo -<br />

derníssimas, não há macas nos corredores, os equi -<br />

pamentos passam por manutenções periódicas, os<br />

médicos trabalham em esquema de período integral<br />

e dedicação exclusiva. A máquina do Hospital de<br />

Câncer de Barretos funciona como um relógio.<br />

Não fosse por um pequeno detalhe: os R$ 5 mi -<br />

lhões negativos que o hospital encara todo final do<br />

mês no orçamento. O pagamento feito pelo SUS<br />

não cobre o tipo de tratamento que o Hospital de<br />

Câncer de Barretos oferece aos pacientes. E, da<br />

mesma forma que se orgulha de listar as qualidades<br />

da instituição, Prata também se orgulha de dizer<br />

que nada disso seria possível se não fossem as<br />

parcerias com que pode contar: governo, iniciativa<br />

privada, artistas, comunidade. A dívida mensal é<br />

paga por doações. O que falta, o próprio Prata se<br />

mobiliza para conseguir. Graças a essas parcerias,<br />

diz ele, as contas fecham, mês a mês.<br />

Assim como as grandes estruturas, círculos<br />

menores também se beneficiam do trabalho conjunto.<br />

Nesta edição de <strong>Onco</strong>& – <strong>Onco</strong>logia para todas<br />

as especialidades, a matéria de capa mostra como<br />

uma parceria bem azeitada entre patologistas, clíni-<br />

cos e cirurgiões pode fazer a diferença entre um<br />

diagnóstico certo ou errado, entre um tratamento<br />

mais ou menos adequado. A importância dessa<br />

parceria só muito recentemente começou a ser<br />

abordada e a discussão vem estimulando aproximações<br />

produtivas. Quando o assunto é câncer,<br />

trabalhar em conjunto torna o desafio da doença<br />

menos assustador.<br />

Em seu livro The Checklist Manifesto, o cirurgião<br />

e autor norte-americano Atul Gawande traz uma<br />

perspectiva interessante sobre o conceito de parcerias.<br />

Gawande defende brilhantemente a importância<br />

de checklists, ou “listas de checagem”, em<br />

pro cessos complexos para minimização de erros.<br />

Usando exemplos bem-sucedidos da indústria<br />

aeronáutica e da construção civil, seu objetivo é<br />

provar a utilidade dessas listas dentro da própria<br />

sala de cirurgia. Como previsto, as listas levaram à<br />

diminuição de erros médicos e de índices de infecções,<br />

mas também trouxeram um inesperado e<br />

bem-vindo efeito colateral: a lista criava uma atmosfera<br />

de equipe, em que os profissionais deixavam<br />

de ser indivíduos unidos por uma eventualidade<br />

para ser parceiros empenhados no cuidado daquele<br />

paciente. O trabalho, a partir daquele momento,<br />

passava a ser uma obra em conjunto, em que todos<br />

eram responsáveis pelo resultado.<br />

Talvez seja esse o segredo para uma medicina<br />

melhor.<br />

Boa leitura!<br />

Lilian Liang<br />

* Jornalista especializada na<br />

cobertura de saúde, é editora da<br />

<strong>Onco</strong>& – <strong>Onco</strong>logia para todas<br />

as especialidades<br />

Contato: lilian@iasoeditora.com.br<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 5


Divulgação<br />

entrevista<br />

Henrique Duarte Prata<br />

* Diretor-geral do Hospital<br />

de Câncer de Barretos<br />

6 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

Algo maior<br />

À frente do Hospital de Câncer de Barretos, o fazendeiro<br />

Henrique Prata conta como transformou o sonho de seu pai<br />

num centro de referência para pacientes de câncer de todo o país<br />

Por Lilian Liang<br />

NUMA SALA AMPLA, COM VIDRAÇAS IMENSAS,<br />

HENRIQUE DUARTE PRATA, DIRETOR-GERAL DO<br />

HOSPITAL DE CÂNCER DE BARRETOS, CIDADE<br />

do interior a cerca de 400 quilômetros de São Paulo,<br />

despacha os afazeres da terça-feira em trajes pouco<br />

parecidos com os de médicos administradores que<br />

circulam nos grandes centros da capital. De calça<br />

jeans e camisa de listras verticais, o traje diz tudo:<br />

conforto, praticidade e zero medo de ter de se sujar<br />

enquanto coloca a mão na massa.<br />

A história da instituição que administra se mistura<br />

com a sua história pessoal. O hospital que é<br />

hoje referência no diagnóstico e tratamento de<br />

câncer no Brasil começou em 1967 como o tímido<br />

hospital geral São Judas Tadeu, criado pelos pais de<br />

Prata, ambos médicos. Apesar de tentativas, o<br />

menino nunca se interessou pelo hospital. Pelo contrário:<br />

Prata era um dos principais críticos de seu<br />

pai, que insistia numa operação que fechava todos<br />

os meses no vermelho. Seu negócio eram as fazendas,<br />

que aprendeu a administrar com o avô, depois<br />

de interromper os estudos.<br />

Em 1988, no entanto, foi convocado pelo pai,<br />

que já tinha tido um infarto, para colocar em ordem<br />

as contas do hospital e fechá-lo. Foi nessa ocasião<br />

que, abordado por um dos médicos da equipe, se<br />

convenceu de que ele, mesmo sem ser médico, poderia<br />

salvar aqueles pacientes se conseguisse angariar<br />

fundos para manter o hospital em funcionamento.<br />

Prata foi além: tirou da gaveta o projeto de um<br />

centro de oncologia, um plano de seu pai para tratar<br />

os pacientes de câncer em Barretos mesmo, já que<br />

muitos iam para São Paulo e não conseguiam nem<br />

sair da rodoviária. Prata passou o chapéu entre os<br />

amigos do avô fazendeiro e levantou o suficiente<br />

para criar o primeiro pavilhão do que é hoje o Hospital<br />

de Câncer de Barretos.<br />

Hoje o hospital é um absoluto gigante da oncologia:<br />

conta com 70 mil m 2 de área construída,<br />

2,5 mil colaboradores, 250 médicos em regime de<br />

período integral e dedicação exclusiva e realiza<br />

3 mil atendimentos diários. Atende apenas pacientes<br />

do SUS e oferece tratamento de primeiro<br />

mundo a pessoas que dependem do sistema público<br />

de saúde. Fecha todos os meses com um buraco de<br />

R$ 5,5 milhões no orçamento. “Esse é o déficit entre<br />

a medicina que nós fazemos e a medicina que o<br />

governo remunera. Mas o responsável por aumentar<br />

o déficit sou eu, porque a cada ano que passa eu<br />

quero uma medicina de melhor qualidade”, diz.<br />

Prata conta com todo tipo de doações para<br />

fechar as contas no final do mês: quantias que<br />

chegam a sete dígitos de empresas, artistas e fazendeiros,<br />

leilões, passando por notas fiscais paulistas<br />

de clientes de supermercados e por moedas de<br />

cofri nhos espalhados pelo Brasil. A ajuda chega de<br />

ou tras formas também: alimentos (afinal, são 8 mil<br />

refeições diárias), roupas e até papel higiênico –<br />

sim, faz três anos que o Hospital de Câncer de Barretos<br />

não com pra um rolo de papel higiênico.<br />

A fama do hospital se espalhou para outros estados.<br />

Dos 3 mil atendimentos diários, 20% são pacientes<br />

das regiões Norte e Centro-Oeste. Para<br />

atender esse público, o hospital disponibiliza 13<br />

alojamentos que comportam 650 pessoas, todos<br />

com direito a refeição. Para diminuir o deslocamento<br />

dos pacientes e evitar a sobrecarga em Barretos,<br />

em junho do ano passado foi fundada uma<br />

filial do hospital em Jales, na divisa com Mato<br />

Grosso do Sul. Neste ano, o Hospital de Câncer de<br />

Barretos assumirá a administração do Hospital de<br />

Base de Porto Velho, em Rondônia – quase 100%<br />

dos pacientes de câncer do estado viajam cerca de<br />

3 mil quilômetros até o hospital no interior paulista.


Corre o boato no estado de que “quem se trata em Barretos é curado”.<br />

Em Barretos, as obras de expansão continuam e Prata finalmente<br />

compreende o que seu pai, falecido em 1997, queria dizer: “Hoje eu<br />

entendo perfeitamente o que não é possível de ser explicado. O amor<br />

que meu pai tinha pelo hospital, ele não tinha como explicar, porque<br />

era uma concepção de fé. Não é algo racional”.<br />

A seguir, alguns trechos da entrevista.<br />

<strong>Onco</strong>& – Quais os principais obstáculos no cuidado do câncer no<br />

Brasil hoje e como o Hospital de Câncer de Barretos faz para enfrentá-los?<br />

Henrique Prata – Antes de mais nada, falta uma cultura de prevenção,<br />

que começa pelos próprios médicos. Eles cuidam do paciente<br />

tratando apenas da doença que levou o paciente a procurá-lo, mas não<br />

dão informações sobre a prevenção de outras condições potenciais. E,<br />

mesmo que fizessem isso, eles não teriam nem para onde mandar o<br />

paciente, porque essas instalações de prevenção e diagnóstico precoce<br />

não existem no conceito logístico dos hospitais.<br />

Da prevenção ao tratamento existe outro problema: oferecer diagnóstico<br />

e tratamento no mesmo lugar. O único lugar onde eu vi isso<br />

ser feito de forma diferente é no Japão, onde existe um centro de tratamento<br />

e numa outra área, distinta mas interligada, a parte de diagnóstico.<br />

Reproduzimos esse modelo aqui em Barretos – eu nunca inventei<br />

nada, mas copiei tudo que achava que funcionava com qualidade – e<br />

tivemos bons resultados. Nossos índices eram semelhantes aos de lá:<br />

das pessoas que vinham para rastreamento e ficavam numa mesma sala<br />

de espera com pessoas em tratamento, cerca de 30% não retornavam<br />

ao hospital porque ficavam impressionados com o que viam.<br />

Esse é um fator que deve ser corrigido na cultura dos hospitais bra -<br />

sileiros. Fomos pioneiros nisso. A Avon enxergou essa iniciativa com<br />

bons olhos: apresentamos um projeto em que se mostravam fatores que<br />

fariam com que a pessoa que viesse para diagnóstico se sentisse bem<br />

para voltar quantas vezes fossem necessárias, porque estaria voltando<br />

para uma espécie de hotel quatro estrelas, e não um hospital.<br />

Depois disso há também a busca dos protocolos de qualidade. Um<br />

número extremamente assustador é o apresentado pelo INCA [Instituto<br />

Nacional de Câncer, órgão ligado ao Ministério da Saúde], que diz que<br />

60% das mamografias feitas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro<br />

não servem para nada. É um problema cultural: fazer por fazer, sem<br />

nenhum protocolo de qualidade. No Brasil, as campanhas são lançadas<br />

em cima de quantidade. Mas de que adianta isso? É dinheiro jogado<br />

no lixo. É um conceito muito político: de não ver que o que resolve é<br />

fazer com qualidade, não em quantidade. Aqui em Barretos damos ênfase<br />

à qualidade: em câncer de mama, por exemplo, temos um protocolo<br />

da Holanda, mais rigoroso e preciso que os dos EUA e do Canadá;<br />

nos protocolos de Papanicolau, todo nosso serviço é feito com citologia<br />

líquida, cujo grau de precisão é 99,9%.<br />

Nós buscamos esses avanços no exterior porque temos um compromisso<br />

de qualidade, não aceitamos nada “mais ou menos”. Mas por<br />

que isso não parte dos órgãos competentes, do governo? O que eu vejo<br />

é que, para o SUS, o que se oferece já é bom demais. Este é o maior<br />

erro da medicina deste país: o governo paga uma tabela muito baixa<br />

em relação ao serviço do SUS, instituições aceitam e todos acham que<br />

fazer “mais ou menos” já é suficiente.<br />

<strong>Onco</strong>& – O senhor anunciou em abril que assumirá a administração<br />

do Hospital de Base de Porto Velho, em Rondônia, e foi<br />

criticado por dizer que o tratamento de câncer no estado não<br />

serviria nem para animais.<br />

Prata – Quando eu falei isso, algumas pessoas interpretaram como se<br />

eu estivesse denegrindo a imagem de Rondônia. Fiz a crítica porque<br />

também me propus a ajudar. Mas não entendo como pessoas com formação<br />

superior à minha, como médicos, aceitem que alguém seja<br />

operado em condições tão desumanas. [Mostra fotos de sua visita ao<br />

Hospital de Base de Porto Velho: janelas quebradas fechadas com papelão,<br />

chão sem piso, pias e torneiras enferrujadas, banheiros sujos e malconservados,<br />

quartos superlotados]. Isso eu acho um crime.<br />

A prova de que o tratamento de câncer em Rondônia é precária é<br />

que lá não existe nem serviço de diagnóstico. Não existe tomografia<br />

nem ressonância magnética no serviço público. Eles só têm ultrassom<br />

e, mesmo assim, de quinta categoria. Se não existem os exames adequados<br />

para o diagnóstico, não há como fazê-lo. Por isso o câncer só<br />

é encontrado na fase mais avançada no estado. Essa situação existe em<br />

outros lugares, mas esse hospital me doeu muito porque 96% da po -<br />

pulação de Rondônia que precisa de tratamento de câncer vem para<br />

Barretos, porque sabe que a chance de se tirar o tumor e morrer de infecção<br />

num lugar assim é 100%.<br />

<strong>Onco</strong>& – Mas será que, ao assumir a gestão do Hospital de Base<br />

de Porto Velho, não se acaba por isentar o governo local de inves -<br />

tir em saúde? Não é uma estratégia perversa?<br />

Prata – Para entender Porto Velho, você tem de entender Barretos. Se<br />

fôssemos esperar que o governo fizesse algo sobre gestão de oncologia,<br />

estaríamos esperando até hoje. O único governo que fez alguma coisa<br />

para a oncologia, para valer, foi o governador José Serra, que fez o Ins -<br />

tituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Foi a primeira vez que<br />

eu vi, na história de 50 anos de gestão do Hospital de Câncer de Barretos,<br />

um político fazer algo sério em oncologia, uma instituição com qualidade<br />

desde instalações físicas até condutas científicas, como na iniciativa privada.<br />

O resto está aí: tudo podre, tudo ruim. Que chances tem o serviço<br />

público de oferecer alguma coisa com dignidade para a população? Nem<br />

em São Paulo, nem no Rio de Janeiro, nem em lugar nenhum se tem a<br />

chance de oferecer o que se oferece na iniciativa privada. A iniciativa privada<br />

está anos-luz na frente dos serviços de tratamento de câncer.<br />

Mas não vamos esperar existir um outro José Serra. Nós construímos<br />

o hospital com a ajuda do povo e da iniciativa privada. É uma filosofia<br />

da instituição, meu pai tinha esse idealismo. É o mesmo conceito que<br />

estamos levando para Rondônia. Queremos ajudar um estado em que<br />

96% da população com câncer depende de Barretos, uma cidade a 3 mil<br />

quilômetros de distância. Vi o tamanho da miséria lá e vamos fazer<br />

uma filial do Hospital de Câncer de Barretos para ajudar. A gestão será<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 7


inteiramente nossa, com médicos em período integral e dedicação exclusiva.<br />

Tudo vai se sustentar com a ajuda da iniciativa privada.<br />

<strong>Onco</strong>& – O que diferencia o Hospital de Câncer de Barretos de<br />

outros centros?<br />

Prata – Do porteiro ao médico, todos têm o mesmo conceito sobre<br />

humanização. As pessoas que aparecem na sua porta precisam ser<br />

tratadas como gente, com carinho, amor e respeito. Elas precisam se<br />

sentir seres humanos de valor igual a outros que tenham dinheiro,<br />

porque não é isso que acontece geralmente. A maioria dos serviços<br />

oferece um atendimento desigual, porque pensa que ter 30% de convênio<br />

e 10% de plano de saúde vai dar suporte no déficit da população<br />

chamada SUS, que vem trazer prejuízo para o hospital. Mas, sem<br />

querer, eles estão discriminando esse público, porque sempre oferecem<br />

instalações e tratamento de segunda categoria. Se o governo paga mal,<br />

que culpa têm os pacientes? Quando se tem uma instituição com três<br />

tipos de tratamento diferentes, mesmo que se pense que o paciente<br />

está sendo recebido nas mesmas instalações, por exemplo, na parte de<br />

medicamentos ninguém consegue sobreviver se não contar com a<br />

ajuda da iniciativa privada, porque a diferença no custo entre os tratamentos<br />

oferecidos e os de ponta é muito grande.<br />

Aqui em Barretos todos os pacientes sabem qual tipo de tratamento<br />

estão recebendo, para que tenham consciência de que estão tendo a<br />

mesma chance que teriam num serviço privado. E o povo é sábio, o<br />

povo enxerga isso.<br />

<strong>Onco</strong>& – O senhor fala muito do apoio do povo e da iniciativa<br />

privada. Câncer também é responsabilidade social?<br />

Prata – Fico triste ao ver que o Brasil não tem a cultura de doação da<br />

iniciativa privada dos EUA, do Canadá, que ainda tem medicina socia -<br />

lista, e mesmo da Europa, que ainda começa nesse sentido. Eu me lembro<br />

que visitei o primeiro hospital de câncer do mundo, na Inglaterra, fundado<br />

em 1851, e, até pouco antes de a Ladi Di morrer, nunca tinha recebido<br />

uma doação da iniciativa privada, porque se achava que tudo era<br />

responsabilidade do governo. A Lady Di quebrou isso. Ela enxergou que<br />

não era possível proporcionar um bom serviço só com o dinheiro do go -<br />

verno e se espelhou no modelo dos EUA, em que pessoas e empresas<br />

têm a cultura de ajudar os serviços sociais do país.<br />

A medicina dos EUA é de ponta no mundo inteiro porque mais de<br />

50% do orçamento é doação da iniciativa privada – todos os serviços recebem<br />

um absurdo de apoio da iniciativa privada, através de leis fiscais.<br />

Porém, o que mais me surpreende é a cultura de pessoas e empresas que<br />

ajudam na educação, na saúde. No Brasil, os ricos ainda estão muito<br />

longe de ajudar de maneira efetiva os pobres. Já melhorou muito, vem<br />

melhorando, mas ainda é muito medíocre. É um país injusto.<br />

<strong>Onco</strong>& – Com tantos desafios no tratamento de pacientes, o se -<br />

nhor ainda se aventurou na criação de um centro de ensino e<br />

pesquisa no hospital.<br />

Prata – Meu pai sempre me falou algo que eu não entendia, porque<br />

eu não tenho formação acadêmica: você só vai ser reconhecido como<br />

8 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

uma instituição séria quando tiver uma área de ensino e pesquisa. Nós<br />

já éramos muito fortes em prevenção e tratamento, mas faltava essa<br />

parte de pesquisa. Quando eu me preparei para isso, vi que era algo<br />

sério: em serviços do primeiro mundo tudo era atrelado a ensino e<br />

pesquisa. Quando eu percebi que um dos resultados era oferecer uma<br />

medicina personalizada ao paciente, fui atrás desse conceito para trazer<br />

para cá. Um dos meus maiores orgulhos é oferecer aqui o tripé prevenção-tratamento-pesquisa<br />

e transformar o hospital no polo que meu<br />

pai queria. Hoje somos um serviço igual a todos os serviços sérios dos<br />

países de primeiro mundo. Passamos para um contexto internacional<br />

quando criamos o banco de tumores, disponibilizando nossa matériaprima<br />

em pesquisa para o mundo inteiro.<br />

Mas o que mais me alegra é a pesquisa aplicada para melhorar o<br />

tratamento dos pacientes de forma personalizada. Isso só se faz em me -<br />

di cina de milionário, porque custa muito fazer pesquisa sobre o efeito<br />

do medicamento no tratamento de um tumor específico. Mas, quando<br />

soube que a pesquisa aplicada poderia ajudar nisso, fui atrás. Isso me<br />

motiva: é muito caro, mas é um tratamento verdadeiro.<br />

<strong>Onco</strong>& – Parece que muito da excelência e da expansão do hospital<br />

se deve a seus esforços pessoais.<br />

Prata – Eu consigo convencer desde a pessoa que pode doar 1 real<br />

até o artista que pode doar 5 milhões. É um dom, porque quero fazer<br />

para os outros o que gostaria que fizessem para mim. Isso aparece de<br />

forma clara principalmente sobre minha equipe médica, que sabe que<br />

o que eu falo não é demagogia. Não me importa se um tratamento é<br />

caro. Eu busco o que é mais sério, o que é melhor. Nos primeiros dez<br />

anos, os médicos se chocavam comigo porque eu descobria no exterior<br />

tratamentos mais modernos que eles não ofereciam por causa de custos.<br />

Eu dizia: “Assim você vai perder o emprego comigo. O seu trabalho<br />

é trazer esse tratamento para mim”.<br />

Hoje eu tenho um déficit mensal de R$ 5,5 milhões no custeio do<br />

hospital entre a medicina que nós fazemos e a medicina que o governo<br />

remunera. O SUS paga muito mal, mas o responsável por aumentar o<br />

déficit sou eu, porque a cada ano que passa eu quero uma medicina<br />

de me lhor qualidade. Meu compromisso é com o paciente.<br />

<strong>Onco</strong>& – Algum momento o emocionou nessa jornada?<br />

Prata – De todos os artistas que viram o projeto, nenhum teve uma<br />

visão tão longe quanto o cantor Leandro, da dupla sertaneja Leandro e<br />

Leonardo [Leandro morreu de câncer em 1998]. Quando eu mostrei o<br />

projeto a ele, nós tínhamos 7 mil m 2 de área construída e queríamos expandir<br />

para 50 mil m 2 . Ele falou “Henrique, isso é pequeno demais, escolhe<br />

um negócio maior. Acho que para tudo que você está fazendo esse<br />

projeto é pequeno”. De todos os empresários e artistas para quem mostrei<br />

o projeto, ele foi o único que falou que era pequeno.<br />

Ele tinha razão. Tanto era pequeno que está se tornando maior hoje:<br />

já tem 70 mil m 2 de área construída aqui, já está com uma filial em Jales,<br />

outra em Porto Velho. Tenho uma lembrança muito especial por esse<br />

carinho que ele teve de falar: “Arruma algo maior”.


capa<br />

Deixando os bastidores<br />

Os patologistas, antes restritos à bancada, agora atuam com<br />

clínicos e cirurgiões e são figuras cada vez mais centrais no<br />

diagnóstico e no tratamento do câncer. Entenda a importância<br />

dessa interação e como ela pode ser ainda melhor<br />

Por Conceição Lemes<br />

HÁ 29 ANOS SOU REPÓRTER ESPECIALIZADA NA ÁREA DE SAÚDE. JÁ OUVI<br />

MUITAS BRINCA DEIRAS ENVOLVENDO MÉDICOS. MAS ESTA EU NÃO CO -<br />

nhecia: “O patologista é o médico que sabe tudo, resolveria<br />

tudo, mas chega um pouquinho atrasado”.<br />

Doutores, não me xinguem! Reclamem com quem a contou: o patologista<br />

Venancio Avancini Ferreira Alves, professor titular de patologia<br />

da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).<br />

Tal máxima refletia a grande concentração do médico patologista<br />

nas necropsias, explicando qua se sempre a causa da morte, por meio<br />

da análise minuciosa de todos os órgãos, doença-base, comorbidades<br />

e efeitos das ações médicas.<br />

Mas essa realidade mudou consideravelmente na última década.<br />

O patologista, antes restrito à ban cada, hoje atua com clínicos,<br />

cirurgiões, epidemiologistas, radiologistas e endoscopistas.<br />

Embalado pela espirituosidade do colega, um outro patologista,<br />

que prefere o anonimato, graceja: “Com a internet, os próprios pacientes<br />

começam a buscar informação diretamente com a gente, o que<br />

era raríssimo antes. Estamos deixando de ser bastidor. Estamos indo<br />

para o palco também”.<br />

Na coxia ou na boca de cena, o papel do patologista é central no quebra-cabeça<br />

do câncer. É dele que vem a informação que os milhões de<br />

brasileiros que, anualmente, se submetem à biópsia por suspeita de<br />

tumor maligno anseiam ouvir: resultado negativo.<br />

Mas é dele também que vem a má notícia que ninguém quer receber:<br />

positivo para câncer. No Brasil, até o final de 2011 cerca de<br />

500 mil pessoas, entre crianças, adolescentes, adultos e idosos, terão<br />

esse diagnóstico.<br />

Em 2009, isso aconteceu com Sônia*, 54 anos. A mamografia detectou<br />

imagem sugestiva de tumor no seio esquerdo. A biópsia identificou<br />

câncer em estágio inicial. Fez cirurgia, quimiote rapia e radioterapia.<br />

“Um pesadelo”, conta. “Pior foi saber no ano passado que o resultado<br />

da biópsia estava errado. Era falso-positivo. Doeu muito mais. Eu<br />

10 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

nunca tive câncer. O tratamento e o sofrimento foram desnecessários.”<br />

Com Ivana*, 61 anos, se deu o oposto: “A biópsia de mama [direita]<br />

deu negativa. O médico achou melhor refazer o exame. Aí, veio positiva.<br />

Fui ope rada. O exame realizado durante a cirurgia demons trou<br />

que era câncer mesmo. Isso já tem sete anos, estou curada”.<br />

“O ideal é o anatomopatológico ser preciso em 100% dos casos,<br />

mas isso eventualmente não é possível, até porque a medicina não é<br />

ciência exata”, afirma Roberto El Ibrahim, especialista em uropatologia<br />

e patologia gastrointestinal. “Em geral, o falso-negativo gira em torno<br />

de 5%; o falso-positivo, de 1% a 2%. São níveis de qualidade mun -<br />

diais. Por isso, temos de ter total empenho para evitá-los ao máximo,<br />

principalmente o falso-positivo, que é o pior fantasma.”<br />

“Não é incomum recebermos espécimes acon dicionados inadequadamente<br />

ou apenas o tecido com o nome do paciente e nada<br />

mais, nem de que órgão foram retirados”, adverte o patologista Carlos<br />

Bacchi, professor colaborador da Faculdade de Medicina da USP. “Isso<br />

dificulta a análise, podendo contribuir para diagnóstico inconclusivo,<br />

falso-ne gativo e até falso-positivo.”<br />

“É imprescindível que todos os profissionais envolvidos no<br />

cuidado do doente contribuam, partilhando as informações, para o<br />

diagnóstico ser o mais exato possível”, defende Alves. “Ganhamos<br />

nós, os patologistas, mas também clínicos e cirurgiões, e principalmente<br />

o paciente.”<br />

“A integração entre os vários especialistas é o melhor caminho para<br />

evitar que equívocos aconteçam e tenham impacto negativo no tratamento<br />

do paciente”, pondera o cirurgião de cabeça e pescoço Pedro<br />

Michaluart, professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP.<br />

“Devemos procurar criar condições para que essa seja a rotina.”<br />

O cirurgião do aparelho digestivo e coloproctologista Raul Cutait,<br />

professor associado de cirurgia da FMUSP, assina embaixo: “A inte -<br />

ração é mandatória quando se procura qualidade. Essa ati tude interativa,<br />

que pratico desde o início da vida profissional, faz a diferença”.


Cada vez mais presente no centro cirúrgico<br />

De um lado, as pessoas estão mais ligadas nas questões de saúde, buscam<br />

atenção médica mais cedo. De outro, a medicina e os exames de<br />

radiologia e endoscopia avançaram muito.<br />

Resultado: tumores são diagnosticados mais e mais precocemente.<br />

Mas, como pelas imagens não é possível assegurar se são câncer ou<br />

não, os achados levam a mais biópsias, impondo aos patologistas desafios<br />

cada vez maiores. Tanto que, antigamente, o habitual era os patologistas<br />

receberem para análise fragmentos com vários centímetros.<br />

Agora, o rotineiro são microbiópsias de apenas uns poucos milímetros<br />

ou até células isoladas.<br />

“No contexto do paciente com suspeita de câncer, temos duas<br />

funções principais”, observa Bacchi. A primeira, diagnosticar se o<br />

tumor é maligno ou não. Se benigno, geralmente é feita a cirurgia, e<br />

ele segue a vida. Se maligno, a segunda função é diagnosticar o tipo<br />

de câncer e fazer o seu estadiamento. Apoiado nesses dados, na presença<br />

de metástases ou não e na condição clínica do paciente, é que o<br />

oncologista vai adotar as condutas terapêuticas para o caso. “A base,<br />

porém, é o laudo do patologista”, frisa ele.<br />

“O patologista é fundamental tanto no diagnóstico do câncer como<br />

na avaliação da adequação do tratamento”, considera Michaluart. “Por<br />

vezes, sua avaliação intraoperatória é determinante na definição e no<br />

sucesso do tratamento.”<br />

Na verdade, o médico patologista participa do processo inteiro.<br />

Desde o rastreamento dos tumores de colo uterino e colorretal (por<br />

meio, respectivamente, dos exames de Papanicolau e sangue oculto nas<br />

fezes, seguido do exame colonoscópico e da correspondente análise do<br />

espécime biopsiado), passando pela detecção precoce dos cânceres de<br />

mama e próstata (via punção aspirativa nas lesões suspeitas) até a<br />

definição de tratamento mais individualizado, a partir de testes moleculares<br />

nas amostras. Eles permitem identificar as características<br />

prognósticas e preditivas das células do câncer de cada paciente.<br />

“É a patologia molecular”, define Alves. “Ela propicia a integração<br />

do achado morfológico a processos moleculares tanto nos planos cromossômicos<br />

quanto nos vários níveis de expressão dos genes.”<br />

Já existem vários testes moleculares em uso. Um deles é o imunohistoquímico,<br />

que pode ser feito em numerosas situações de diagnóstico<br />

ou escolha terapêutica. Sua principal utilidade é no diagnóstico<br />

de linhagens de diferenciação de uma neoplasia e, muitas vezes, do<br />

sítio de origem de um tumor identificado inicialmente a partir de uma<br />

metástase. Um exemplo de seu uso na seleção terapêutica é o estudo<br />

de câncer colorretal, permitindo analisar se os mecanismos naturais<br />

de reparo do DNA das células estão alterados.<br />

“O mecanismo reparador do DNA está presente nas células normais.<br />

Porém, está ausente em parte dos pacientes com câncer colorretal<br />

devido a um defeito nas enzimas que ‘consertam’ o DNA”, expõe<br />

Ibrahim. “Quando isso acontece, as células defeituosas passam a se<br />

multiplicar desordenadamente, podendo levar ao câncer.”<br />

O anatomopatológico, como já dissemos, diz se é câncer ou não.<br />

O imuno-histoquímico auxilia também a caracterizar onde está o pro -<br />

blema. Os pacientes com câncer colorretal que têm defeito no meca -<br />

nismo de reparação do DNA não respondem adequadamente à<br />

quimioterapia. Consequentemente, o tratamento quimioterápico adjuvante<br />

não é indicado para esses casos.<br />

Da mesma forma, por meio de testes moleculares das células<br />

doentes, é possível decidir a terapia adjuvante mais indicada para cada<br />

caso de câncer de mama. Ou seja, o tratamento que mais vai beneficiar<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 11


a paciente, com o menor prejuízo, o menor efeito colateral. Para algumas<br />

mulheres, basta o bloqueio da produção endógena de estrógenos<br />

e progesterona para controlar a doença. Já outras necessitam<br />

associar o tratamento hormonal à quimioterapia. Mas há aquelas que<br />

só res pondem à quimioterapia.<br />

“O patologista deve estar continuamente presente no centro cirúrgico,<br />

para exames intraoperatórios”, pondera Alves. “A nossa experiên -<br />

cia, somada à do cirurgião, permite o diagnóstico da grande maioria<br />

dos tumores, define acometimento de margens e encontro de even -<br />

tuais metástases, mesmo que microscópicas.”<br />

Patologistas, cirurgiões e clínicos, atenção!<br />

O anatomopatológico estuda as alterações morfológicas de padrões arquiteturais<br />

de tecidos (histopatologia) ou de células isoladas (citopatologia).<br />

Mais recentemente, a aplicação da biologia mole cular ao estudo de<br />

espécimes anatomopatológicos deu origem à patologia molecular.<br />

Cada anatomopatológico é um estudo complexo, voltado para<br />

compreender a doença que origina aquela lesão e o potencial benefício<br />

que a informação poderá trazer ao paciente. Depende de quem faz a<br />

análise – é um exame operador-dependente – e da qualidade do material<br />

enviado pelo cirurgião ao patologista.<br />

As imagens microscópicas estão bem padronizadas para boa parte<br />

das situações e é possível dar o resultado apenas olhando a coloração<br />

básica. Mas há lesões mais raras ou mais complexas, que exigem técnicas<br />

mais avançadas para concluir o diagnóstico. Mesmo assim, o<br />

patologista pode eventualmente ficar em dúvida. Nessa circunstância,<br />

a boa prática recomenda que se consultem colegas mais experientes<br />

ou patologistas especialistas.<br />

“Procuramos ser o mais precisos possível, tal qual um controlador<br />

de voo”, compara Ibrahim. “Um erro dele pode resultar em tragédia.<br />

Um erro nosso também. Por isso, temos de usar sempre o bom senso.<br />

Ser o mais assertivos possível, mas tendo o cuidado de reconhecer a<br />

limitação pessoal, da medicina e do método.”<br />

É imperioso ainda: 1) ser bem treinado; 2) experiente – quanto<br />

mais vezes se vê dada situação, maior a probabilidade de o diagnóstico<br />

ser preciso; 3) aprimorar-se continuamente.<br />

“Mas o patologista não trabalha sozinho. Alguns colegas acham que<br />

basta nos enviar um pedaço de carne que o olharemos no microscópio<br />

e daremos todas as respostas do mundo. Quem pensa assim está redondamente<br />

enganado”, adverte Ibrahim. “Isso é apenas parte da informação,<br />

que terá de ser integrada a uma porção de outras, muitas vezes<br />

discutidas com o clínico ou o cirurgião, para fazer o diagnóstico final.”<br />

“Pode parecer tolo, mas a designação precisa de cada amostra enviada<br />

ao patologista é fun-da-men-tal”, ressalta Alves. Bacchi acrescenta:<br />

“Coleta, manuseio e acondicionamento inadequados podem ser<br />

devastadores para a análise”.<br />

Fragmento de tecido da mama retirado da paciente e não colocado<br />

imediatamente em solução de formol a 10% começa a se de-<br />

12 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

compor. Torna-se impossível enxergar no microscópio as estruturas<br />

de maneira ideal, o que dificulta, e às vezes até impossibilita, o<br />

diagnóstico definitivo.<br />

“Não há como revitalizar tecidos”, avisa Bacchi. “Material subóti -<br />

mo, análise limitada. Pode levar a resultados equivocados. Favorece<br />

desde respostas inconclusivas até falso-negativos e falso-positivos.”<br />

“O patologista não é adivinhador”, atenta Cutait. “O cirurgião deve<br />

saber o que esperar do exame, para que o patologista lhe dê aquilo<br />

que ele precisa. Para melhor interpretação, deve enviar todos os dados<br />

quanto à cirurgia ou ao espécime cirúrgico, bem como informações<br />

clínicas sobre o caso.”<br />

Troca de informações antes, durante e depois<br />

Por tudo isso, os cinco médicos entrevistados para esta reportagem<br />

de <strong>Onco</strong>& são unânimes: O trabalho em equipe multidisciplinar é<br />

chave. Conversem, dialoguem, interajam, troquem informações.<br />

Havendo qualquer dúvida ou discrepância, discutam-na antes, durante<br />

e depois do procedimento. Isso vale para clínicos, cirurgiões<br />

e patologistas.<br />

Especificamente, para o patologista, é importante também:<br />

√ Conversar com os clínicos e cirurgiões, a fim de saber as perguntas<br />

para as quais eles precisam de resposta. Devem ser esclarecidas<br />

quais as limitações dos vários métodos utilizados, como citopatológico,<br />

congelamento intraoperatório da amostra, imuno-histoquímica<br />

e exame de material parafinado.<br />

“Cada método tem suas limitações particulares, é muito importante<br />

todos da equipe as respeitarem”, reforça o cirurgião Michaluart. “É o<br />

que se espera de profissionais competentes e dedicados.”<br />

√ Buscar cooperação, quando trabalhar sozinho ou tiver alguma<br />

dúvida. Tentar manter contato com outros centros ou outros profissionais.<br />

Hoje em dia é possível passar pela internet imagem em alta<br />

definição de microscópio e consultar um colega a distância. É impossível<br />

um único profissional abranger toda a área do conhecimento.<br />

√ Dar um diagnóstico conclusivo quando realmente tiver os elementos<br />

necessários para fazer isso.<br />

√ Buscar à exaustão as respostas às suas perguntas. Pode ser com<br />

outros patologistas, na literatura. Deve-se ir até onde for possível para<br />

fazer o diagnóstico mais preciso.<br />

Já para o cirurgião e o clínico, é fundamental:<br />

√ Definir previamente com o patologista qual o melhor método<br />

para cada situação, o fixador mais adequado ao tipo de reação que<br />

será realizada no laboratório de patologia e a solução mais indicada<br />

para a preservação do espécime. Os espécimes devem ser colhidos e<br />

conservados nas melhores condições possíveis.<br />

“O ideal é que os médicos incumbidos de biópsias e punções aspirativas<br />

tenham treinamento com patologistas sobre a escolha das


áreas que poderão trazer as melhores informações<br />

sobre a lesão”, orien ta o professor Alves.<br />

√ Identificar detalhadamente cada paciente:<br />

idade, sexo, etnia, área geográfica em que mora.<br />

Fornecer também as informações clínicas re -<br />

levantes, resultados de exames de imagem e laboratoriais,<br />

principais hipóteses diagnósticas para<br />

o caso e as respostas que espera ter com esse estudo<br />

anatomopatológico. Essas informações podem<br />

cons tar do pedido ou ser transmitidas pessoalmente,<br />

dependendo da situação.<br />

“Com essas informações, o patologista terá<br />

condições de dar uma melhor resposta a vocês,<br />

clínicos e cirurgiões”, justifica Ibrahim. “Afinal, elas<br />

nos ajudam a raciocinar para que possamos interpretar<br />

adequadamente a biópsia.”<br />

Segunda opinião com<br />

especialista no órgão<br />

Apesar de todos esses cuidados, o resultado do<br />

anatomopatológico pode eventualmente ser inconclusivo.<br />

Não dá para garantir que é, mas também<br />

não dá para garantir que não é câncer. Ou há<br />

discrepância entre ele e o exame de imagem.<br />

Nessa situação, o que fazer? Apenas pela aparência<br />

do espécime dá para saber se o tumor é benigno<br />

ou maligno?<br />

“Com o acúmulo de experiência podemos<br />

fazer diagnósticos com mais facilidade e entender<br />

nossas limitações”, diz Ibrahim. “O exame<br />

perope ratório por congelação, por exemplo, implica<br />

congelar o tecido para cortar, aplicar-lhe<br />

uma co loração básica, rá pida, e olhá-lo no microscópio.<br />

Apenas com esse exame é possível<br />

fazer diagnóstico para a maior parte dos casos e<br />

contribuir na decisão cirúrgica.”<br />

Para as lesões que após essa primeira “olhada”<br />

ficam sem diagnóstico, parte-se então para outras<br />

colorações. Mesmo assim, algumas não permitem<br />

que os patologistas sejam assertivos, dizendo sim<br />

ou não. Como hoje, em função dos procedimentos<br />

minimamente invasivos, tem-se menos material<br />

para análise, eventualmente a carência de tecido<br />

não permite fazer um diagnóstico preciso. “Além<br />

disso, existem algumas áreas um pouco mais<br />

limítrofes (borderlines), que são difíceis de interpretar”,<br />

informa Bacchi.<br />

“Realmente, às vezes existem dúvidas, até<br />

mesmo porque várias situações dão margem a mais<br />

de uma interpretação”, nota Cutait. “Em alguns<br />

casos, o caminho é fazer estudos complementares,<br />

como os por imuno-histoquímica. Em outros, é importante<br />

solicitar a opinião de outro (ou outros) patologista(s),<br />

de preferência com experiência na<br />

doença ou no órgão afetado.”<br />

Já outras vezes pode ocorrer discrepância<br />

entre o que o radiolo gista achou e o resultado do<br />

anatomopatológico. Por exemplo, pela imagem se<br />

tem certeza de que a lesão é maligna e o patologista<br />

dá resultado de benigna. Nessa hora, tem de<br />

acender a luz vermelha. Pode ser que o patologista<br />

não esteja errado. Pode ser que a biópsia não<br />

tenha atingido o tumor principal. O tumor maligno<br />

está lá, mas a biópsia foi feita em região<br />

próxima. O patologista deu o diagnóstico do que<br />

ele viu. Também algumas lesões na radiologia<br />

imitam tumor maligno.<br />

“Temos de ter sempre em mente que a medicina<br />

não é exata. Assim, informações clínicas,<br />

cirúrgicas, radiológicas, laboratoriais e patológicas<br />

devem ser avaliadas em conjunto”, expõe<br />

Michaluart. “Quando há discordância, nova che -<br />

cagem de todos os dados deve ser realizada com<br />

a intenção de diminuir a probabilidade de o paciente<br />

ser prejudicado por avaliação equivocada<br />

em qualquer uma das etapas.”<br />

“Existem situações em que não há como errar,<br />

tão padronizada é a interpretação da imagem microscópica”,<br />

volta à carga Cutait. “O que ajuda: a<br />

experiência do patologista, uma segunda e<br />

mesmo terceira opinião em casos difíceis e, se<br />

possível, a investigação por meio de exames complementares<br />

específicos.”<br />

Conclusão: havendo qualquer impasse, clínico<br />

ou cirurgião e pato logista têm de sentar e discutir<br />

o que fazer. A segunda opinião de patologista, de<br />

preferência mais especializado no órgão ou na<br />

doença de que se suspeita, é muito útil se: (1) o<br />

tecido da biópsia mostra apenas mudanças sutis;<br />

(2) o diagnóstico é notoriamente complicado e<br />

difícil de fazer; ou (3) o tratamento proposto é especialmente<br />

arriscado.<br />

Com essa cautela, já enfatizou anteriormente<br />

o professor Alves, da USP, todos ganham: pato<br />

logistas, clínicos, cirurgiões e, principalmente,<br />

os pacientes.<br />

“Procuramos ser<br />

o mais precisos<br />

possível, tal qual<br />

um controlador<br />

de voo. Um erro<br />

dele pode resultar<br />

em tragédia.<br />

Um erro nosso<br />

também.”<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 13


Divulgação<br />

16 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

transplante de medula<br />

Luis Fernando S. Bouzas<br />

* Diretor do Centro de Transplante<br />

de Medula Óssea (CEMO/INCA)<br />

Contato: lbouzas@inca.gov.br<br />

O transplante de células-tronco<br />

hematopoéticas e a crescente<br />

disponibilidade de doadores<br />

Resumo<br />

A prática clínica do transplante de células-tronco<br />

hematopoéticas (TCTH) somente foi possível com<br />

a melhoria dos conhecimentos na área de imunologia<br />

e histocompatibilidade (HLA). Entre os fatores<br />

facilitadores está a obtenção de um doador HLA<br />

compatível, que idealmente é um irmão, mas na<br />

maioria das vezes (70%) é um doador não apa -<br />

rentado. As alternativas viáveis para populações<br />

como a brasileira, com grande miscigenação, foram<br />

a expansão do Registro Nacional de Doadores de<br />

Medula Óssea (REDOME) e da Rede de Bancos de<br />

Sangue de Cordão Umbilical e Placentário – Rede<br />

BrasilCord. A identificação de características genéticas<br />

relacionadas ao HLA, presentes no cadastro do<br />

Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea<br />

(REREME) e ausentes ou pouco frequentes no RE-<br />

DOME e na Rede Nacional de Sangue de Cordão<br />

Umbilical (RENACORD), assim como a análise da<br />

origem desses indivíduos, mostra uma miscigenação<br />

entre grupos antropológicos distintos como<br />

asiáticos, negroides, indígenas e caucasianos. Esses<br />

dados contribuem para o planejamento estratégico<br />

de expansão do BrasilCord e do próprio REDOME.<br />

A expansão desses registros nacionais, bem como<br />

os internacionais, permitirá a mais pacientes os<br />

benefícios de um transplante de células-tronco<br />

hematopoéticas, procedimento cada vez mais importante<br />

no tratamento de diversas enfermidades,<br />

tanto onco-hematológicas quanto as que possuem<br />

relação com o sistema imune.<br />

Introdução<br />

A toxicidade à medula óssea é uma séria limitação<br />

do tratamento do câncer em geral. O transplante de<br />

medula óssea (TMO) ou de células-tronco<br />

hematopoéticas (TCTH) permite a administração<br />

de doses elevadas e potencialmente curativas de<br />

drogas quimioterápicas associadas ou não a ra-<br />

dioterapia. Sob essas circunstâncias, a terapêutica<br />

estaria limitada principalmente pela toxicidade não<br />

hematopoética 1-4 .<br />

Há cerca de 60 anos, pesquisadores demons tra -<br />

ram a capacidade da medula óssea em proteger animais<br />

previamente irradiados com doses letais atra vés<br />

da reconstituição do sistema hematopoético 1-3 .<br />

As principais etapas do desenvolvimento do<br />

transplante de células-tronco hematopoéticas no<br />

mundo estão representadas esquematicamente na<br />

Figura 1, mostrando as conquistas científicas e tecnológicas<br />

que permitiram avanços nos resultados e<br />

na aplicação dos transplantes.<br />

Foi somente no final da década de 60 que a<br />

evolução da prática clínica do TCTH, após inú -<br />

meros insucessos, se tornou possível, graças ao<br />

desenvolvimento das áreas de imunologia e histo -<br />

compatibilidade (HLA – sistema de antígenos leucocitários<br />

humanos) 1,4,5 .<br />

Naquela época, um pequeno número de crian -<br />

ças portadoras de imunodeficiência grave e com<br />

leucemia avançada recebeu infusões de medula<br />

óssea de doadores familiares HLA idênticos 1,4 , e surgiram<br />

os primeiros resultados bem-sucedidos que<br />

impulsionaram o método.<br />

Inicialmente, o TCTH foi usado como derradeira<br />

e desesperada medida em pacientes que não<br />

respondiam ao tratamento convencional existente.<br />

Entretanto, os avanços nos cuidados de suporte e a<br />

compreensão ampla do procedimento estabelecendo<br />

suas principais indicações, bem como limitações e<br />

complicações, tornaram esse procedimento uma estratégia<br />

terapêutica cada vez mais utilizada para diversas<br />

enfermidades (Tabela 1). Entre as principais<br />

limitações podemos destacar a escolha do doador,<br />

que, preferencialmente, além de estar saudável, deve<br />

ser compatível com o receptor 1,2,3,4,5,7 .<br />

São tipos de doador de medula óssea:<br />

• singênico (irmão gêmeo);<br />

• alogênico;


Figura 1 Principais etapas de desenvolvimento do transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) no mundo<br />

(adaptado de Appelbaum F. Hematopoietic-cell transplantation at 50. N Eng J M 2007;357:1472-5)<br />

• relacionado ou aparentado (irmão ou familiar);<br />

• não relacionado ou não aparentado (não familiar) – ex.: registro<br />

de doadores de medula óssea;<br />

• autólogo ou autogênico (medula óssea originária do próprio paciente<br />

com ou sem tratamento in vitro).<br />

As fontes de células-tronco hematopoéticas, com padrão de compatibilidade<br />

ideal, como irmãos gêmeos, são raras e nem sempre<br />

podem ser utilizadas. A maioria dos transplantes alogênicos realizados<br />

tem como doadores os membros da família geneticamente idênticos<br />

para o HLA. Em geral, são irmãos HLA A, B, DR idênticos com o receptor.<br />

A probabilidade de um indivíduo obter um irmão compatível<br />

é de 25%, sendo influenciada pelo número de irmãos existentes em<br />

cada família. Para outros membros da família, a probabilidade é inferior<br />

a 5% 1,2,3,4,5,7 .<br />

As complicações relacionadas ao TCTH aumentam na proporção<br />

da disparidade de compatibilidade, incluindo risco de rejeição, desenvolvimento<br />

tardio ou incompleto do enxerto e doença do en x ertocontra-hospedeiro<br />

(DECH) 2 .<br />

As fontes mais usadas para obtenção de células para os TCTH são:<br />

• a medula óssea obtida por aspiração com agulhas, em centro<br />

cirúrgico, sob anestesia geral ou peridural, das cristas ilíacas, em geral;<br />

• o sangue periférico mobilizado, ou seja, o doador recebe um<br />

medicamento denominado fator de crescimento celular (em geral de<br />

granulócitos e monócitos) por cerca de cinco dias e é submetido ao<br />

procedimento de aférese, em serviço especializado em hemoterapia,<br />

para a coleta das células-tronco hematopoéticas circulantes;<br />

• o sangue do cordão umbilical coletado e armazenado após<br />

preparo adequado, logo depois do parto, em bancos especializados.<br />

Esse material é rico em células-tronco hematopoéticas e se tornou<br />

uma das mais importantes alternativas nos transplantes com doador<br />

não aparentado.<br />

Tabela 1: Principais indicações para o transplante de células-tronco<br />

hematopoéticas<br />

Leucemias agudas<br />

Leucemias crônicas<br />

Síndromes mielodisplásicas<br />

Transtornos da CTH:<br />

- AAs<br />

- Anemia de Fanconi<br />

- HPN<br />

Transtornos mieloproliferativos:<br />

- Mielofibrose<br />

- Policitemia vera<br />

Transtornos linfoproliferativos:<br />

- Doença de Hodgkin<br />

- Linfoma não-Hodgkin<br />

- Leucemia pró-linfocítica<br />

Transtornos dos fagócitos<br />

Doenças de depósito<br />

Transtornos histiocíticos<br />

Anormalidades congênitas<br />

dos eritrócitos:<br />

- Talassemias<br />

- Blackfan-Diamond<br />

- Doença falciforme<br />

Distúrbios do sistema<br />

imunológico (SCID)<br />

Outras alterações hematológicas:<br />

- Plaquetas<br />

- Plasmócitos<br />

Doenças oncológicas:<br />

- Tumores cerebrais<br />

- Neuroblastoma<br />

- Sarcoma de Ewing<br />

Doenças autoimunes<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 17


Complexo Maior de Histocompatibilidade (MHC)<br />

A importância do MHC foi primeiramente observada em camundongos,<br />

em estudos de rejeição de tecidos entre diferentes membros da<br />

mesma espécie. Posteriormente verificou-se que todos os vertebrados<br />

possuem genes do MHC e seus produtos e que as respostas de rejeição<br />

a transplantes eram mediadas por células T 14 . Trata-se de uma família<br />

gênica que inclui vários genes altamente polimórficos, que participa<br />

ativamente na defesa de vertebrados contra parasitas e outros<br />

patógenos. Os antígenos codificados pelos genes do MHC estão expressos<br />

virtualmente em todas as células nucleadas do organismo. O<br />

MHC controla a atuação do sistema imune em todos os vertebrados e<br />

tem se mantido durante a evolução dessas espécies. Foi inicialmente<br />

identificado na década de 50, seguindo observações de que o soro de<br />

pacientes que apresentavam reações febris pós-transfusionais poderia<br />

causar a aglutinação de leucócitos oriundos de seus doadores bem<br />

como de outros indivíduos. Estudos subsequentes também demons -<br />

traram que anticorpos contra proteínas leucocitárias (glicoproteínas)<br />

de outros indivíduos da população poderiam estar presentes em soro<br />

de mulheres multíparas 1,11,14,17 .<br />

O MHC de organismos distintos recebe denominação específica<br />

para cada espécie. O MHC humano, localizado no braço curto do cro-<br />

Humano: HLA<br />

(cromossomo 6)<br />

Murino: H2<br />

(cromossomo 17)<br />

18 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

Locus do MHC Classe I<br />

Locus do MHC Classe II<br />

Genes do<br />

proteassomo;<br />

TAP 1, 2<br />

mossomo 6, é conhecido como o sistema de antígenos leucocitários<br />

humanos (HLA) (Figura 2). Até hoje, o termo HLA é usado como<br />

sinônimo de proteínas do MHC humano 11,14 .<br />

A definição das características da ligação da molécula de HLA aos<br />

peptídeos fornece importante subsídio para o papel do sistema HLA<br />

na apresentação de antígenos, resposta imune e susceptibilidade a<br />

doenças. O papel do MHC na apresentação de antígenos, por sua vez,<br />

explica seu extenso polimorfismo na população, ou seja, quanto<br />

maior o polimorfismo do MHC, maior será a gama de peptídeos estranhos<br />

que serão apresentados ao sistema imune. Dessa forma, os<br />

genes MHC podem influenciar a resposta imune mediada por células<br />

T pela seleção de antígenos que podem ser ligados e apresentados<br />

para o seu reconhecimento 4,11,14 .<br />

As moléculas MHC têm um efeito importante nos transplantes de<br />

órgãos, tecidos e células, devido ao papel fundamental que exercem<br />

sobre a ativação de células T e a iniciação da resposta alogênica.<br />

Com o advento de métodos de tipificação por DNA, tornou-se possível<br />

definir cada classe de molécula HLA pela identificação de sua sequência<br />

específica. A diversidade significativa entre os genes do<br />

sistema HLA ultrapassou as expectativas. Portanto, a análise do<br />

polimorfismo do HLA é claramente importante para o entendimento<br />

Locus do MHC “Classe III”<br />

DP DM<br />

DP DR B<br />

Locus do MHC Classe II<br />

Proteínas do<br />

complemento:<br />

C4, Fator B, C2<br />

Citocinas: LTb,<br />

TN Fa, LT<br />

Locus do MHC “Classe III”<br />

Locus do MHC Classe I<br />

C A<br />

K DM I-A I-E D L<br />

Genes Classe I-like<br />

e pseudogenes<br />

Locus do MHC Classe I<br />

Figura 2 Esquema representativo da disposição dos genes para os MHC Classe I e Classe II em humanos<br />

e camundongos (adaptado de http://www.ufpe.br/biolmol/Aula-Imunogenetica/aula-imuno-05.htm em 25/01/2011)


de como os antígenos de histocompatibilidade funcionam como determinantes<br />

nos transplantes 11,14 .<br />

O polimorfismo proporcionado pelos genes HLA, associado com<br />

sua tendência de estar fortemente ligados uns aos outros, tem implicação<br />

importante na identificação de histocompatibilidade entre<br />

doador e receptor em TCTH 11,15,16,18 .<br />

Identificação de doadores voluntários<br />

não aparentados para TCTH<br />

Um doador compatível pode ser identificado para aproximadamente<br />

50% a 80% dos pacientes para os quais uma busca de doador não<br />

aparentado foi iniciada. A probabilidade de identificar um doador aumenta<br />

se o doador e o paciente possuem a mesma origem étnica ou<br />

racial. As chances de encontrar um doador idêntico também aumentam<br />

quando o paciente tem dois haplótipos e genótipo de HLA estendido<br />

comum. Quando um doador compatível HLA-A, -B –DR não<br />

estiver disponível e a seleção for feita entre doadores parcialmente<br />

idênticos, deve-se evitar a incompatibilidade em HLA-B e –DR pelo<br />

risco de se aumentar o número total de incompatibilidades. A importância<br />

da tipificação HLA-DP e –DQ ainda precisa ser explicitada<br />

na seleção de doadores para TCTH.<br />

O impacto da compatibilidade entre o doador e o receptor na<br />

evolução clínica após os TCTH assumiu vital importância, principalmente<br />

nos transplantes com doadores não aparentados. O desenvolvimento<br />

do conhecimento tem produzido informações detalhadas para a<br />

escolha do melhor doador possível, tanto no que concerne à prevenção<br />

das complicações imediatas quanto tardias, e levado ao aumento significativo<br />

dos indivíduos que passam a ser beneficiados com essa técnica.<br />

A utilidade clínica da tipificação por método baseado em DNA para<br />

a seleção de doadores está bem clara em pelo menos dois aspectos:<br />

• A identificação e a priorização de doadores com a melhor compatibilidade<br />

possível (a compatibilidade acurada e completa reduz<br />

os riscos de falência do enxerto e DECH com impacto positivo na<br />

sobrevida);<br />

• A identificação e a não utilização de doadores incompatíveis para<br />

inúmeros alelos (disparidades em vários loci estão associadas com o<br />

aumento dos riscos de falência do enxerto, DECH e mortalidade).<br />

Os requisitos mínimos para a compatibilidade HLA podem variar<br />

com a situação clínica. Existem dados comprovando que, na ausência<br />

de doadores compatíveis em nível alélico, o uso de um doador com<br />

um único alelo diferente não necessariamente reduz a sobrevida. Os<br />

fatores que regem em quais situações a incompatibilidade genética será<br />

ou não tolerada são extremamente complexos e dependentes das dife -<br />

renças entre os alelos ou antígenos do binômio doador-receptor, do<br />

procedimento relacionado ao transplante (regime de condicionamento<br />

e imunossupressão) e outras variáveis não ligadas ao HLA.<br />

Os registros brasileiros de doadores voluntários<br />

para os TCTH – uma política de saúde<br />

A constituição de registros internacionais de doadores não aparentados<br />

permitiu a expansão do número de pacientes que se beneficiam com<br />

o procedimento de TCTH. Porém, as limitações ainda são grandes, já<br />

que esses registros, com cerca de 17,5 milhões de doadores voluntários,<br />

têm, em sua maioria, uma grande representação de indivíduos<br />

caucasianos (85%), não atendendo adequadamente, portanto, as po -<br />

pulações mais miscigenadas e as minorias étnicas como orientais, negros<br />

e indígenas 9,10,12,15 .<br />

As alternativas viáveis para populações como a brasileira, com ca -<br />

racterísticas tão peculiares quanto à miscigenação, são o estabelecimento<br />

de um Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea<br />

(REDOME) representativo e de uma Rede de Bancos de Sangue de<br />

Cordão Umbilical e Placentário (Rede BrasilCord) 7,12 .<br />

Registro Nacional de Doadores<br />

de Medula Óssea (REDOME)<br />

O REDOME foi criado em 1993, na Fundação Pró-Sangue, em São<br />

Paulo. Entretanto, somente a partir do ano 1999, com sua incorporação,<br />

por determinação do Ministério da Saúde, ao Instituto Nacional<br />

de Câncer (INCA), foram possíveis a ampliação e a aplicação<br />

de recursos específicos na busca de doadores. Para tal, foi fundamental<br />

a contribuição do Ministério da Saúde, através da regulamentação<br />

e do ressarcimento dos procedimentos envolvidos com o cadastro e<br />

a seleção de doadores, pesquisas em registros nacionais e internacionais,<br />

testes laboratoriais, coleta e transporte de unidades de células-tronco<br />

hematopoéticas.<br />

No período de transição, do ano 2000 a dezembro de 2003, cerca<br />

de 45 mil doadores foram cadastrados no Registro e apenas dois centros<br />

de referência (Hospital Universitário da Universidade Federal do<br />

Paraná e INCA) realizavam os transplantes proporcionados pelo sistema<br />

REDOME/INCA/MS.<br />

Em função da crescente demanda de doadores não aparentados<br />

no país e da complexidade que envolve o procedimento, foram iniciados<br />

esforços no sentido de reestruturar e ordenar o Sistema<br />

Nacional de Transplantes de Células-Tronco Hematopoéticas, con -<br />

ferindo a ele equidade, agilidade e confiabilidade. Assim, através de<br />

regulamentação específica, foi centralizada a gerência técnica dessa<br />

atividade no INCA, estabelecida uma divisão estrutural e operacional<br />

do REDOME e do REREME, bem como o credenciamento de oito<br />

novos centros de transplante.<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 19


Como estratégia operacional para o crescimento do REDOME em<br />

número de doadores, na abrangência das características populacionais<br />

e na agilidade para a disponibilidade dos doadores do REDOME para<br />

busca, foi desenvolvido em 2005 o sistema REDOME-NET, através de<br />

cooperação entre o DATASUS e o Setor de Tecnologia da Informação<br />

do INCA. Esse sistema permite a inclusão de doadores no cadastro por<br />

meio de conexão direta com hemocentros e laboratórios de imunogenética<br />

em todo o país. Essa ação, somada à intensa atividade na área<br />

de comunicação e às campanhas estruturadas envolvendo empresas,<br />

organizações públicas, privadas e representantes da sociedade em<br />

geral, modificou o cenário existente, proporcionando, em apenas seis<br />

anos, uma evolução do cadastro de doadores para mais de 2 milhões<br />

de doadores até dezembro de 2010.<br />

Rede Brasileira de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical<br />

e Placentário (Rede BrasilCord)<br />

Na última década, vários estudos demonstraram o potencial das células<br />

obtidas do sangue do cordão umbilical e placentário (SCUP), que, contendo<br />

número suficiente de células progenitoras, pode ser utilizado<br />

como fonte para reconstituição hematopoética. Essas células são<br />

menos imunorreativas que as da medula óssea, permitindo a sua utilização<br />

num projeto de banco ou registro de SCUP e proporcionando<br />

transplantes não aparentados idênticos ou parcialmente idênticos com<br />

menos complicações 7 .<br />

Nos últimos 15 anos, o SCUP de irmão recém-nascido ou existente<br />

em um banco foi utilizado como fonte de células progenitoras<br />

em mais de 10 mil transplantes. Para o uso de SCUP necessitamos,<br />

portanto, do estabelecimento de um amplo painel de doadores ou<br />

banco de SCUP (BSCUP).<br />

No mundo inteiro existem mais de 450 mil unidades de SCUP armazenadas.<br />

A proporção de células-tronco no SCUP por volume pode<br />

ser maior que nas coletas de medula óssea. Quanto às doenças infecciosas,<br />

recomenda-se muita cautela, com processamento das amostras<br />

com testes de rastreamento para as principais afecções prevalentes no<br />

âmbito materno-fetal e as transmitidas pelo sangue. Da mesma forma, a<br />

principal maneira de se reduzir a possibilidade de transmissão de doenças<br />

genéticas é, além dos testes disponíveis, a obtenção de questionários bem<br />

delineados e aplicados a fim de identificá-las na historia familiar 7 .<br />

Quanto aos aspectos éticos, trata-se de material de fácil obtenção<br />

e descartável. É necessária a obtenção de consentimento materno para<br />

sua coleta e armazenamento, bem como para a utilização no banco de<br />

SCUP. No sentido de preservar possíveis solicitações futuras, todas as<br />

informações são confidenciais e a identificação nos questionários e dos<br />

prontuários maternos é substituída por códigos logo que a unidade<br />

seja liberada para uso do registro.<br />

A menor reatividade imunológica das CTH do SCUP facilita a uti-<br />

20 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

lização em transplantes com maior grau de disparidade entre doador<br />

e receptor, o que aumenta a potencialidade de utilização de cada<br />

amostra, fazendo com que um estoque muito menor de doadores<br />

possa atender a população. Há, no entanto, duas grandes desvantagens<br />

desses bancos em relação aos registros de doadores não aparentados:<br />

a limitação representada pela necessidade de um número mínimo de<br />

CTH – portanto, esses bancos atendem preferencialmente crianças,<br />

pelo baixo peso corporal; e a necessidade de se estabelecer um banco<br />

com armazenamento físico de amostras, enquanto nos registros há apenas<br />

a coleta de amostras e o armazenamento de dados, sendo que a<br />

coleta de CTH ocorre apenas no momento do transplante, quando o<br />

doador e o receptor já foram identificados.<br />

Desde o primeiro transplante de SCUP bem-sucedido em um paciente<br />

com anemia de Fanconi, em 1988, os conhecimentos na área<br />

evoluíram e bancos se desenvolveram em todo o mundo. O EURO-<br />

CORD foi organizado para padronizar métodos de coleta, testes, criopreservação<br />

de SCUP de doadores aparentados ou não aparentados,<br />

para estudar as propriedades dessas células e criar um registro<br />

próprio para esses transplantes na Europa. Até 2002, vários centros<br />

faziam parte desse registro com 650 transplantes já realizados 7 .<br />

Em 2001, foi inaugurado no INCA o primeiro banco de SCUP do<br />

país, que desde então vem contribuindo para o desenvolvimento dessa<br />

área com: treinamento de pessoal; difusão de conhecimentos e tecnologia;<br />

apoio aos órgãos competentes, como a Agência Nacional de Vigilância<br />

Sanitária (Anvisa); desenvolvimento da regulamentação específica; e projeto<br />

piloto para o estabelecimento do BrasilCord. Esse banco possui capacidade<br />

instalada para armazenar 10,6 mil unidades e encontra-se em<br />

pleno funcionamento. Os procedimentos de captação de doadores, coleta,<br />

transporte, processamento, criopreservação e fornecimento de unidades<br />

de SCUP estão bem estabelecidos e seguem as normas vigentes nacionais<br />

e internacionais. A média de unidades coletadas é de 100 por mês, e cerca<br />

de 4,5 mil unidades foram armazenadas até setembro de 2010.<br />

O estabelecimento da Rede BrasilCord se concretizou pela publicação<br />

da portaria GM/MS 2381 em outubro de 2004, incorporando imediatamente<br />

os Bancos do Hospital Israelita Albert Einstein, do Hemocentro<br />

de Campinas e do Hemocentro de Ribeirão Preto. A rede prevê o esta -<br />

belecimento de um total de 13 bancos em diferentes capitais do país, a<br />

fim de atender nossa diversidade étnica. Para cumprir essa meta, o INCA,<br />

responsável pela organização, pelo desenvolvimento e pela implantação<br />

da Rede BrasilCord, obteve financiamento através de projeto de cunho<br />

social do BNDES, e até dezembro do ano passado 11 bancos de SCUP já<br />

haviam sido inaugurados, contemplando as cidades do Rio de Janeiro,<br />

São Paulo, Campinas, Belém, Recife, Brasília, Florianópolis, Fortaleza,<br />

Porto Alegre, restando ainda Curitiba e Belo Horizonte a inaugurar.<br />

As unidades de SCUP armazenadas também farão parte do REDOME<br />

através do RENACORD, sistema que reúne as informações das unidades


armazenadas pela Rede BrasilCord. A distribuição geográfica dos BSCUPs<br />

não deve ser uma preocupação, já que o acesso estará disponível a qualquer<br />

centro de transplante e o transporte das células para transplante em<br />

qualquer ponto do país não representa dificuldade operacional maior.<br />

A rede pode ser expandida futuramente de duas maneiras: através<br />

do aumento do número de centros de captação e processamento e da<br />

criação de um ou mais centros de grande capacidade de armazenamento.<br />

Isso deverá ocorrer depois que a rede inicial de 13 centros for<br />

implantada e sua viabilidade técnica e econômica demonstrada.<br />

Registro Nacional de Receptores<br />

de Medula Óssea (REREME)<br />

Em 2 de maio de 2006 foi publicada a portaria número 931 do Minis -<br />

tério da Saúde, que aprova o regulamento técnico para transplante de<br />

células-tronco hematopoéticas e controla toda a atividade no Brasil.<br />

Cerca de 90% desses procedimentos no país ocorrem em instituições<br />

públicas, credenciadas ou filantrópicas, com recursos públicos.<br />

A portaria estabeleceu as regras necessárias, considerando a necessidade<br />

de organizar o acesso com equidade e otimizar a aplicação dos<br />

recursos para manutenção e atualização do cadastro nacional de<br />

doadores não aparentados de células-tronco hematopoéticas.<br />

Em seu artigo 6º, parágrafo único, estabeleceu que o Sistema Nacional<br />

de Transplantes contará com a assessoria técnica do INCA nas<br />

atividades relacionadas a TCTH.<br />

A portaria estabeleceu ainda o programa informatizado de geren -<br />

ciamento do REREME, que contribuirá para o cadastro único de pacientes<br />

candidatos a TCTH alogênico. Dessa forma, o INCA, responsável<br />

Número de doadores cadastrados<br />

2 milhões<br />

1,8 milhão<br />

1,6 milhão<br />

1,4 milhão<br />

1,2 milhão<br />

1 milhão<br />

800 mil<br />

600 mil<br />

400 mil<br />

200 mil<br />

0<br />

2003<br />

Ano<br />

1.972.110<br />

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010<br />

Figura 3 Crescimento do cadastro de doadores no REDOME<br />

(dados de 1993 a novembro de 2010)<br />

pelo desenvolvimento desse sistema de registro, manterá os cadastros<br />

do REDOME, que incluem os dados da Rede BrasilCord e do REREME,<br />

atualizados com as situações clínicas dos receptores e dos doadores.<br />

Características atuais dos Registros Nacionais<br />

Desde a sua criação, em 1993, foram recrutados e cadastrados no RE-<br />

DOME, até novembro de 2010, mais de 1,9 milhão de doadores, sendo<br />

97,5% a partir de janeiro de 2004 (Figura 3). Apesar de o crescimento<br />

do cadastro ser mais intenso nas regiões Sul e Sudeste, verificamos<br />

que, com o aproveitamento do potencial da rede de hemocentros distribuída<br />

no país, foi possível aumentar a representatividade dos estados<br />

das demais regiões (Figura 4).<br />

No período de 1993 a novembro de 2010 foram incluídos 7.655<br />

pacientes no REREME para busca de doador não aparentado, sendo<br />

4.084 pacientes de 2006 a 2010 (Figura 5). A origem geográfica desses<br />

Número de doadores cadastrados<br />

Número de pacientes<br />

1 milhão<br />

800 mil<br />

600 mil<br />

400 mil<br />

200 mil<br />

0<br />

Figura 4 Distribuição de doadores do REDOME por região<br />

(dados até novembro de 2010)<br />

4,5 mil<br />

4 mil<br />

3,5 mil<br />

3 mil<br />

2,5 mil<br />

2 mil<br />

1,5 mil<br />

mil<br />

500<br />

0<br />

5,1%<br />

Norte<br />

902<br />

até 1999<br />

13,5%<br />

2000-2005 2006 a nov/2010<br />

Figura 5 Pacientes inscritos no REREME por período desde o<br />

desenvolvimento do REDOME<br />

Ano<br />

7,5%<br />

Região<br />

47,7%<br />

25,6%<br />

0,6%<br />

Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul s/ UF<br />

2.669<br />

4.084<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 21


pacientes pode ser vista na Figura 6. Comparando-se a porcentagem<br />

de contribuição das diferentes regiões do país na constituição do RE-<br />

DOME e do REREME, podemos observar que os dois registros têm<br />

uma representatividade bastante semelhante.<br />

As principais indicações, representando 90% dos casos, para a inclusão<br />

desses pacientes foram leucemia mieloide crônica e aguda,<br />

leucemia linfoide aguda, anemia aplástica, anemia de Fanconi e síndromes<br />

mielodisplásicas.<br />

Pacientes inscritos no REREME (%)<br />

60%<br />

50%<br />

40%<br />

30%<br />

20%<br />

10%<br />

16,3%<br />

4,8% 5,9%<br />

Norte<br />

Figura 6 Origem geográfica dos pacientes inscritos no REREME<br />

Número de receptores com 6 X 6<br />

0<br />

80%<br />

70%<br />

60%<br />

50%<br />

40%<br />

30%<br />

20%<br />

10%<br />

22 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

0<br />

Região<br />

57,35%<br />

15,6%<br />

Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul<br />

2002<br />

As características mais significativas dos pacientes e que podem<br />

auxiliar no direcionamento do REDOME são: 51% dos pacientes têm<br />

menos de 18 anos; 59% são do sexo masculino; 73% se classificam<br />

como brancos,12% negros e 10% pardos ou mulatos.<br />

Entre os fatos mais importantes da reestruturação dos registros de<br />

doadores e pacientes está a agilidade em se conseguir um doador no<br />

Brasil. Com o crescimento do REDOME e a utilização dos SCUPs armazenados<br />

nos bancos (BrasilCord), verificamos que 48% dos pacientes<br />

incluídos no REREME no período de 2005 a outubro de 2006<br />

(n=1197) tinham pelo menos um doador idêntico HLA A, B, DR de<br />

baixa resolução (6x6), e esse dado sobe para 70,53% nos registrados<br />

até 2009 (Figura 7) 16,17,18 .<br />

A análise preliminar dos dados referentes aos transplantes realizados<br />

aponta para uma representação adequada do REDOME/RENACORD,<br />

demonstrada pela sua progressiva capacidade em identificar doadores<br />

no âmbito nacional. Essa capacidade é diretamente proporcional e pode<br />

ser evidenciada se compararmos os números, antes e depois, da reestruturação<br />

do REDOME, em janeiro de 2004. Em julho de 2004, apenas<br />

25% dos doadores identificados para pacientes que necessitavam e<br />

aguardavam em lista eram nacionais, sendo os demais de origem internacional.<br />

Em novembro de 2010, com 513 TCTHs facilitados, essa porcentagem<br />

passou para 70,53% de origem nacional e apenas 29,47% de<br />

origem internacional. Considerando o uso de sangue de cordão umbi -<br />

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009<br />

Figura 7 Probabilidade de encontrar um doador compatível HLA 6x6 em baixa resolução no REDOME<br />

Ano


lical em 395 TCTHs, até aquela data, verificamos que 24% das unidades<br />

foram fornecidas por bancos da Rede BrasilCord. As implicações desse<br />

desenvolvimento são inúmeras, entre elas a perspectiva de custos reduzidos,<br />

buscas mais ágeis e ampliação da participação do REDOME/<br />

RENACORD no fornecimento de doadores para a comunidade internacional,<br />

onde as minorias étnicas são pouco representadas.<br />

Conclusão<br />

O desenvolvimento das técnicas envolvidas no transplante de células-tronco<br />

hematopoéticas nas últimas décadas está sedimentado na<br />

base do conhecimento da imunogenética, da seleção, do processa-<br />

Referências bibliográficas<br />

1. Thomas ED. A History of Bone Marrow Transplantation. In: Blume KG, Forman<br />

SJ, Appelbaum FR, eds. Thomas’ Hematopoietic Cell Transplantation. 3rd<br />

ed. Malden: Blackwell Publishing 2004: 3-8.<br />

2. Horowitz MM. Uses and Growth of Hematopoietic Cell Transplantation. In:<br />

Blume KG, Forman SJ, Appelbaum FR, eds. Thomas’ Hematopoietic Cell Transplantation.<br />

3rd ed. Malden: Blackwell Publishing 2004: 9-15.<br />

3. O’Reilly RJ & Papadoulos EB. Allogeneic Transplantation. In: Holland JF,<br />

Frei III E, Bast Jr. RC, Kufe DW, Morton DL, Weichselbaum RR eds. Cancer<br />

Medicine. 4th ed. Baltimore: Williams & Wilkins 1997: 1295-1324.<br />

4. Martin PJ. Overview of Hematopoietic Cell Transplantation. In Blume KG,<br />

Forman SJ, Appelbaum FR eds. Thomas’ Hematopoietic Cell Transplantation.<br />

3rd ed. Malden: Blackwell Publishing 2004: 16-30.<br />

5. Middleton D, Williams F, Meenagh A, Daar AS, Gorodezky C, Hammor M,<br />

Nascimento E, Briceno I Perez MP. Analysis of the distribution of HLA-A alleles<br />

in populations from five continents. Hum Immunol 2000; 61 (10):<br />

1048-1052.<br />

6. Marsh SGE, Ekkehard AD, Bodmer WF, Bontrop RE, Dupont B, Erlich HA<br />

et al. Nomenclature for factors of the HLA system. Tissue Antigens 2002;<br />

60:407-64.<br />

7. Bouzas LFS. Transplante de Medula Óssea em Pediatria e Transplante de<br />

Cordão Umbilical. Medicina Ribeirão Preto 2000; 33: 241-263.<br />

8. Pimenta JR, Zuccherato LW, Debes AA, Maselli L, Soares RP, Moura-Neto<br />

RS, Rocha J, Bydlowski SP, Pena SD. Color and genomic ancestry in Brazilians:<br />

a study with Forensic microsatellites. Hum Hered 2006; 62(4): 190-5.<br />

9. Pena SD. Reasons for banishing the concept of race from Brazilian medicine.<br />

Hist Cienc Saude Manguinhos 2005; 12(2): 321-46.<br />

mento e da criopreservação de células-tronco e nas estratégias de<br />

suporte terapêutico necessário para a recuperação do paciente.<br />

Dessa forma, houve grande avanço no prognóstico de várias enfermidades<br />

tratadas com essa modalidade de transplante. Por outro<br />

lado, somente com a descoberta de fontes alternativas de célulastronco,<br />

como o sangue de cordão umbilical e os doadores não<br />

aparentados inscritos em registros, foi possível oferecer a mais pacientes<br />

essa possibilidade de tratamento. Trata-se de uma iniciativa<br />

importante, que nos últimos dez anos, com os estudos envolvendo<br />

a chamada terapia regenerativa ou celular, vem protagonizando uma<br />

nova era da medicina moderna.<br />

10. Parra C, Amado RC, Lambertucci JR, Rocha J, Antunes CM, Pena SDJ.<br />

Color and genomic ancestry in Brazilians. Proc Natl Acad Sci USA 2003;<br />

100:177-82.<br />

11. Mickelson E & Petersdorf EW. Histocompatibility. In: Blume KG, Forman<br />

SJ, Appelbaum FR eds. Thomas’ Hematopoietic Cell Transplantation. 3rd ed.<br />

Malden: Blackwell Publishing 2004: 31-42.<br />

12. Bicalho MG, Ruiz TM, Costa SMC, Zacarias FR. Haplótipos HLA mais frequentes<br />

em doadores voluntários de medula óssea de Curitiba, Paraná. Rev<br />

Bras Hematol Hemoter 2002; 24 (4): 306-309.73.<br />

13. Mackay I, Rosen FS. The HLA system: First of two parts. N Engl J Med<br />

2000;343:702-9.<br />

14. Ferreira AP & Teixeira HC. Complexo de histocompatibilidade principal.<br />

In: Ferreira AP & Teixeira HC eds. Tópicos de Imunologia Básica. 1a. ed. Juiz<br />

de Fora: Central Formulários 2005: 41-50.<br />

15. Moraes ME, Fernandez-Viña M, Salatiel I, Tsai S, Moraes JR, Stastny P. HLA<br />

class II DNA Typing in two Brazilian populations. Tissue Antigens 1993; 41:<br />

238-242.<br />

16. Pereira NF, Moraes ME, Lima MG. Imunogenética no Transplante de Células-Tronco<br />

Hematopoéticas. In: Voltarelli JC, Pasquini R, Ortega ETT. Transplante<br />

de Células-Tronco Hematopoéticas. 1a. ed. São Paulo: Editora Atheneu;<br />

2009: 93-113.<br />

17. Bouzas LFS. REDOME-REREME e BrasilCord. In: Hemoterapia Clínica.<br />

Pedro Clóvis Junqueira. Nelson Hamerschlak. Jacob Rosenblit. São Paulo:Roca,<br />

2009: p,409-424.<br />

18. Souza CA, Marques Junior JFC, Bouzas LFS. Fontes, Mobilização e Coleta<br />

de Células-Tronco Hematopoéticas para Transplante. In: Voltarelli JC, Pasquini<br />

R, Ortega ETT. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas. 1a. ed. São<br />

Paulo: Editora Atheneu; 2009. p, 565-88.<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 23


Divulgação<br />

abdômen<br />

Ademar Lopes<br />

* Diretor do Departamento de<br />

Cirurgia Pélvica do Hospital A.C.<br />

Camargo da Fundação Antonio<br />

Prudente – São Paulo; felllow<br />

da Sociedade Americana de<br />

Cirurgia <strong>Onco</strong>lógica<br />

Contato:<br />

ademarlopes@cirurgiaoncologica.com.br<br />

Adriano Carneiro<br />

* Cirurgião oncologista; médico<br />

titular do Departamento de<br />

Cirurgia Pélvica do Hospital A.C.<br />

Camargo da Fundação Antonio<br />

Prudente – São Paulo<br />

Contato:<br />

adrianocacosta@hotmail.com<br />

26 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

Cirurgia citorredutora associada<br />

a quimioterapia intraperitoneal<br />

hipertérmica (QtIPH) no tratamento<br />

da carcinomatose peritoneal<br />

1. Introdução<br />

A carcinomatose peritoneal caracteriza-se pela<br />

ampla disseminação de carcinomas pelo peritônio e<br />

está frequentemente associada ao acúmulo de<br />

líquido na cavidade peritoneal, causando ascite<br />

neoplásica. Pode ser primária ou secundária. As<br />

neoplasias primárias do peritônio são raras e re -<br />

presentadas por mesotelioma e carcinoma, o último<br />

com comportamento biológico semelhante ao carcinoma<br />

oriundo do ovário. As carcinomatoses secundárias<br />

são mais frequentes, na maioria das vezes<br />

originárias de tumores primários de ovário, intestino<br />

grosso, estômago e apêndice. Os adenomas mucinosos<br />

do apêndice frequentemente se rompem,<br />

vindo a se implantar no peritônio, condição conhe -<br />

cida como pseudomixoma peritoneal. Os implantes<br />

peritoneais oriundos do pseudomixoma, assim<br />

como os mesoteliomas, caracterizam-se por serem<br />

não ou pouco invasivos, enquanto os demais são<br />

mais agressivos por serem invasivos 7 .<br />

Cirurgia, radioterapia, quimioterapia, imunote -<br />

rapia e hormonioterapia são as formas de tratamento<br />

das neoplasias malignas. As duas primeiras são<br />

modelos locorregionais de tratamento, e as últimas,<br />

abordagens sistêmicas. O tratamento multidisciplinar<br />

tem contribuído significativamente na melhora<br />

das taxas de cura, sobrevida e qualidade de vida de<br />

muitos pacientes com câncer.<br />

Os implantes peritoneais oriundos do<br />

pseudomixoma peritoneal não são responsivos a<br />

quimioterapia sistêmica, o que em geral também<br />

ocorre com o mesotelioma. Esses dois tumores têm<br />

hoje na cirurgia citorredutora associada a QtIPH a<br />

sua melhor forma de tratamento. Mesmo com os<br />

progressos na quimioterapia sistêmica dos tumores<br />

invasivos, o tratamento da carcinomatose peritoneal<br />

deles oriunda ainda constitui um grande desafio 1 .<br />

Agentes citotóxicos administrados por via sistêmica<br />

apresentam baixa concentração na cavidade peritoneal,<br />

sendo insuficientes para eliminar lesões<br />

residuais, mesmo microscópicas. Apesar da nítida<br />

relação dose-efeito das drogas citotóxicas para neoplasias<br />

do trato digestivo e do ovário, a dose tera -<br />

pêutica necessária para tratar doença peritoneal<br />

excede amplamente a dose tóxica. Além disso, o<br />

fator limitante mais significativo encontrado para<br />

ação do quimioterápico foi a baixa penetração das<br />

drogas em profundidade no nódulo tumoral<br />

(provavelmente 1-3 mm). Esse achado contribuiu<br />

com o princípio de reduzir cirurgicamente a doença<br />

peritoneal a níveis mínimos, para possibilitar a ação<br />

regional da quimioterapia intraperitoneal.<br />

Essa constatação serviu como motivação para o<br />

desenvolvimento de estudos sobre os efeitos da administração<br />

intraperitoneal de quimioterápicos a<br />

partir dos anos 1950 2,3 . A associação de cirurgia<br />

citorredutora e perfusão intraoperatória da cavidade<br />

peritoneal, com solução quimioterápica<br />

hipertérmica, representa uma nova e promissora<br />

modalidade terapêutica para um seleto grupo de<br />

pacientes com disseminação peritoneal das neoplasias.<br />

Essa modalidade de tratamento se baseia na<br />

tríade de citorredução, calor e quimioterapia regional.<br />

A citorredução por si só tem importante<br />

papel na ação dos quimioterápicos, por diminuir a<br />

população de células neoplásicas e, principalmente,<br />

sua fração não proliferativa. A hipertermia isolada<br />

tem ação citotóxica: aumenta a permeabilidade das<br />

células neoplásicas aos quimioterápicos e potencia -<br />

liza a citotoxicidade de alguns deles.<br />

A cirurgia citorredutora associada a hipertermia<br />

constitui uma modalidade de tratamento padrão para<br />

carcinoma de apêndice com disseminação peritoneal,<br />

pseudomixoma peritoneal e mesotelioma peritoneal.


Estudos na literatura demonstram ganho na sobrevida de pacientes portadores<br />

de câncer de cólon, estômago e ovário. Para esses casos, porém,<br />

são necessários mais estudos com melhor nível de evidência 4,5 .<br />

2. Avaliação da disseminação peritoneal<br />

O objetivo desejável da citorredução é deixar a doença microscópica ou<br />

mínima. Assim, a extensão da cirurgia varia conforme o grau da disse -<br />

minação peritoneal. Para avaliar a extensão da disseminação peritoneal,<br />

foi criado o índice de disseminação peritoneal (IDP) 6 . Para determinação<br />

do IDP, os nódulos peritoneais são classificados de acordo com seu<br />

tamanho e recebem valores numéricos de 0 a 3. A cavidade peritoneal é<br />

dividida em 13 regiões, e a soma dos índices de tamanho das lesões nessas<br />

13 regiões resulta no IDP (Figura 1). Existem, no entanto, algumas<br />

reservas no uso do IDP como indicador de possibilidade de citorredução<br />

completa ou mínima. Em tumores não invasivos como o pseudomixoma<br />

peritonei e o mesotelioma, um alto IDP pode ser convertido para citorredução<br />

completa, o que, habitualmente, não ocorre com tumores invasivos,<br />

como os oriundos do estômago, ovário e cólons 6,7 .<br />

A presença de implantes peritoneais invasivos irressecáveis ou com<br />

alto risco para a ressecção em locais críticos, como hilo hepático, raiz<br />

da mesentérica, tronco celíaco, mesentério, e vários pequenos implantes<br />

na serosa do intestino delgado associam-se ao mau prognóstico,<br />

mesmo com baixo IDP.<br />

11<br />

Regiões<br />

0. Central<br />

1. Superior direito<br />

2. Epigástrio<br />

3. Superior esquerdo<br />

4. Flanco esquerdo<br />

5. Inferior esquerdo<br />

6. Pelve<br />

7. Inferior direito<br />

8. Flanco direito<br />

9. Jejuno superior<br />

10. Jejuno inferior<br />

11. Íleo superior<br />

12. Íleo inferior<br />

Tamanho da lesão<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

___<br />

Figura 1 Índice de Carcinomatose Peritonial (PCI). O tamanho da<br />

lesão (LS) define a pontuação (0 a 3) para cada uma das 13 regiões.<br />

O valor máximo é 39 (traduzido a partir de Jacquet e Sugarbaker –<br />

Boston: Kluwer Academic Publishers 1996:359–374)<br />

PCI<br />

Score do tamanho da lesão<br />

LS0 Sem tumor visível<br />

LS1 Tumor ≤ 0,5 cm<br />

LS2 Tumor ≤ 5 cm<br />

LS3 Tumor > 5 cm ou confluente<br />

3. Classificação da citorredução<br />

A citorredução pode ser avaliada pela doença residual macro ou microscópica<br />

após o ato cirúrgico, através do índice de citorredução (IC).<br />

O IC representa o principal fator prognóstico para os pacientes com<br />

carcinomatose peritoneal invasivas e não invasivas. Para implantes<br />

oriun dos de tumores gastrointestinais, o IC é classificado após a cirurgia<br />

da seguinte maneira:<br />

IC-0= ausência de doença macroscópica;<br />

IC-1= doença residual < que 2,5 mm;<br />

IC-2= nódulos residuais entre 2,5 e 25 mm;<br />

IC-3= nódulos residuais > 25 mm ou confluentes, em qualquer loca -<br />

lização da cavidade abdomino-pélvica (Figura 2) 6,7 .<br />

Os índices IC-0 e IC-1 são considerados ótimos para neoplasias<br />

não invasivas, enquanto nas invasivas apenas o IC-0 é considerado<br />

ótimo. Se durante a exploração da cavidade peritoneal concluir-se que<br />

a citorredução não será ótima, o cirurgião poderá decidir-se por<br />

ressecções paliativas com finalidade de aliviar sintomas e desistir da<br />

citorredução potencialmente completa associada a QtIPH 6,7 .<br />

IC-0<br />

Sem doença<br />

IC-1<br />

< 2,5 mm<br />

Figura 2 IC – Sistema de classificação conforme<br />

o diâmetro máximo da doença residual<br />

4. Aspectos técnicos<br />

A cirurgia citorredutora, impropriamente chamada de peritoniectomia,<br />

consiste na remoção de implantes peritoneais, incluindo maior ou<br />

menor quantidade de peritônio, na dependência da localização dos<br />

implantes e, se necessário, órgãos e ou estruturas não vitais, para atingir<br />

citorredução ótima (IC-0 ou IC-1). Devido à dinâmica de circulação<br />

de líquidos na cavidade peritoneal, os implantes são mais frequentes<br />

e numerosos nos epíplons, goteiras parietocólicas, cúpulas diafragmáticas,<br />

fundo de saco retouterino e retovesical.<br />

A citorredução, na sua forma mais ampla, inclui as seguintes etapas<br />

de ressecção: grande epíplon em monobloco com o folheto peritoneal<br />

superior do mesocólon transverso, fáscia pancreato-lienal, baço e peri -<br />

tôneo subdiafragmático esquerdo, peritôneo subdiafragmático direito<br />

(Figuras 3 – A, B, C), pequeno omento e colecistectomia; cápsula de<br />

Glisson, peritôneo parietal anterior e lateral bilateralmente, peritôneo<br />

pélvico em monobloco com o retossigmoide, no homem, e exenteração<br />

pélvica posterior, na mulher. Para câncer de ovário emprega-se como<br />

componente da citorredução a linfadenectomia pélvica e retroperitoneal<br />

(Figura 3D) 2,20 . A ressecção de segmentos colônicos, entéricos,<br />

IC-2<br />

2,5 - 25 mm<br />

IC-3<br />

> 25 mm<br />

ou confluente<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 27


antrectomia, ou mesmo gastrectomia total, pode ser indicada para se<br />

conseguir doença mínima em tumores não invasivos, em casos selecionados.<br />

O uso do bisturi elétrico de ponta esférica e em alta voltagem<br />

facilita a ressecção do peritôneo. Usualmente, todas as anastomoses<br />

são feitas após o término da QtIPH para diminuir os riscos de compli-<br />

Terminada a citorredução, passa-se à fase da perfusão intraperitoneal<br />

contínua com quimioterapia hipertérmica. Um cateter de infusão quadrifurcado<br />

(Braile Biomédica) é inserido através da parede abdominal e tem<br />

suas extremidades posicionadas nos espaços subdiafragmáticos direito e<br />

esquerdo, no mesogástrio e na cavidade pélvica. Para controle de temperatura,<br />

temos usado três termômetros inseridos através da parede e<br />

posicionados na cavidade pélvica, no andar superior do abdome, no<br />

mesogástrio, além do termômetro esofágico.<br />

A perfusão da cavidade pode ser feita pela técnica aberta, também<br />

conhecida como técnica do Coliseu, ou pela técnica fechada. Na<br />

28 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

Figura 3A Baço em monobloco com o peritônio<br />

da cúpula diafragmática esquerda e o remanescente<br />

do grande epíplon<br />

Figura 3C Peritônio diafragmático direito<br />

cações. Quando se procede à peritoniectomia subdiafragmática, a<br />

drenagem torácica ipsilateral é nossa rotina, pois, invariavelmente, os<br />

pacientes apresentam derrame pleural. A extensão do procedimento<br />

cirúrgico, sua duração, bem como as comorbidades, têm uma relação<br />

direta com a extensão da carcinomatose peritoneal.<br />

Figura 3B Fase do ato operatório com o fígado tracionado<br />

caudalmente com destaque para as cúpulas diafragmáticas<br />

após remoção do peritôneo das mesmas<br />

Figura 3D Linfadenectomia retroperitoneal realizada<br />

na citorredução para o câncer de ovário<br />

primeira, uma sutura contínua prende as bordas da ferida a um afastador<br />

de Thompson. Uma cobertura plástica é incorporada na sutura,<br />

onde se faz uma abertura através da qual se introduz a mão, permitindo<br />

manipulação contínua das vísceras, o que facilita a distribuição<br />

uniforme do líquido de perfusão. Utiliza-se um aspirador<br />

com filtro de carvão ativado para retirar o ar sob a cobertura plástica,<br />

evitando-se a contaminação do ambiente pela dispersão dos<br />

quimioterápicos. Na técnica fechada, após a inserção e o posicionamento<br />

dos cateteres e dos termômetros, fechamos hermeticamente a<br />

pele com sutura contínua da pele com nylon 2.0 (Figura 4) 2,20 . Não


há consenso sobre a melhor técnica, já que não existem trabalhos comparativos<br />

com bom nível de evidência. Usamos a técnica fechada para<br />

impedir o risco da dispersão de agentes citotóxicos no ambiente cirúrgico,<br />

evitando-se assim problemas de biossegurança, e por acreditarmos<br />

que, ao introduzir uma quantidade adequada de líquido, toda a<br />

cavidade e as superfícies viscerais serão adequadamente perfundidas.<br />

Os cateteres são conectados a uma máquina de circulação extracor-<br />

pórea, cujo rolete propulsor introduz e succiona a solução.<br />

Um trocador de calor acoplado ao sistema mantém a solução a ser<br />

infundida entre 43ºC e 44ºC, de modo que na cavidade peritoneal a<br />

temperatura é mantida entre 41ºC e 42ºC, e a perfusão é mantida por<br />

90 minutos. Terminada a fase de perfusão, aspira-se a solução e abrese<br />

a cavidade, que é lavada com soro fisiológico e, então, são confeccionadas<br />

as anastomoses.<br />

Figura 4 Fase do ato operatório onde se podem observar cateteres de perfusão intra-abdominais<br />

conectados a uma máquina de circulação extracorpórea com trocador de calor para aquecimento<br />

da solução com quimioterápico. Essa solução será utilizada na perfusão da cavidade peritoneal<br />

através de circuito fechado após cirurgia citorredutora<br />

A droga utilizada para o tratamento de pseudomixoma peritoneal,<br />

adenocarcinoma do apêndice, cólon e reto é a mitomicina C. Para mesotelioma,<br />

carcinoma do ovário e estômago, usam-se cisplatina e doxorrubi -<br />

c ina. A escolha do quimioterápico, bem como sua dose, é tarefa do<br />

oncologista clínico que faz parte da equipe. Ainda não existe uma<br />

padronização universal para a QtIPH, principalmente no que se refere a<br />

indicações, tempo de perfusão, nível de temperatura intra-abdominal,<br />

modelo de perfusão, quimioterápicos e suas respectivas doses.<br />

5. Indicações e contraindicações<br />

Na seleção dos pacientes, temos de considerar a origem do tumor<br />

primário com suas características anatomopatológicas, o reestadiamento<br />

que confirme doença restrita à cavidade peritoneal, a extensão<br />

da disseminação peritoneal, o julgamento da possibilidade de citorredução<br />

ótima ou subótima, a falta de outra opção terapêutica melhor,<br />

as condições clínicas do paciente, a infraestrutura hospitalar e a equipe<br />

envolvida no procedimento (Fluxograma 1). Uma equipe cirúrgica com<br />

larga experiência em cirurgia oncológica abdominopélvica, anestesio -<br />

logistas, intensivistas, oncologistas clínicos, um bom serviço de hemoterapia,<br />

fisioterapeutas, nutricionistas e a boa seleção dos pacientes são<br />

fatores importantes para diminuir a morbimortalidade. A QtIPH é indicada<br />

na presença de disseminação peritoneal passível de citorredução<br />

ótima, concomitantemente à ressecção do tumor primário, após a<br />

ressecção do mesmo ou após as recorrências 8 .<br />

A citorredução e a QtIPH parecem ser hoje os procedimentos de<br />

escolha no tratamento de tumores não invasivos, como o adenocarcinoma<br />

mucinoso do apêndice, o pseudomixoma peritoneal e o mesotelioma<br />

peritoneal. Para pacientes com carcinomatose de origem<br />

colorretal, Sugarbaker relatou 20% de sobrevida em cinco anos para<br />

pacientes com IDP entre 11 e 20. Nenhum paciente sobreviveu até os<br />

cinco anos quando o IDP foi maior que 20. A cirurgia citorredutora<br />

associada a QtIPH em tumores invasivos precisa ser mais bem investigada,<br />

em estudos prospectivos realizados em centros de referência, até<br />

que se conheçam mais a fundo os fatores prognósticos, de modo a dimensionar<br />

melhor suas indicações 9,10 .<br />

Nesse contexto, a presença de doença extra-abdominal, KPS igual<br />

ou menor que 70% e idade acima de 75 anos são contraindicações para<br />

citorredução e quimioterapia intraperitoneal hipertérmica. Para as neoplasias<br />

invasivas, são fatores prognósticos desfavoráveis: alto grau de<br />

malignidade histológica, citorredução incompleta, carcinoma tipo célu-<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 29


las em anel de sinete e a presença de linfonodos metastáticos na peça<br />

operatória do tumor primário. Em relação ao IDP, os pacientes entre<br />

0 e 12 são os melhores candidatos; entre 13 e 20, as indicações são<br />

controversas e há necessidade de avaliação individual dos casos; aqueles<br />

com índice acima de 20 não são candidatos ao procedimento 8,9,10<br />

(veja fluxograma na página ao lado).<br />

6. Fatores prognósticos<br />

A carcinomatose peritoneal foi associada historicamente à fase terminal<br />

das neoplasias, com sobrevida mediana em torno de seis meses. Com<br />

os avanços recentes da quimioterapia para implantes peritoneais de<br />

origem colorretal, essa sobrevida pode chegar a até 18 meses. A citorredução<br />

associada a QtIPH para o tratamento da carcinomatose peritoneal<br />

é um procedimento relativamente novo e ainda carente de<br />

estudos prospectivos aleatorizados, de forma que as publicações existentes<br />

devem ser vistas com certa reserva e servir de estímulo para estudos<br />

prospectivos multicêntricos bem elaborados, que possam, a<br />

médio prazo, responder a uma série de dúvidas ainda existentes. Nos<br />

fatores prognósticos dos pacientes submetidos ao procedimento, devemos<br />

considerar a origem do tumor primário e suas características<br />

anatomopatológicas, a extensão da carcinomatose, que ditará a extensão<br />

da ressecção, o índice de citorredução e a condição clínica do paciente.<br />

Pacientes com performance status menor que 70 na escala de<br />

Karnofsky não são candidatos a citorredução extensa e QtIPH. A morbidade<br />

do procedimento varia de 0% a 39%, e a mortalidade, de 0%<br />

a 20% nas diferentes séries, incluindo tumores primários diversos. No<br />

entanto, nas séries que restringiram a análise à carcinomatose de<br />

Figura 5 As taxas de sobrevida globais para pacientes com<br />

carcinomatose peritoneal, segundo tipos histológicos.<br />

Os tumores pouco invasivos apresentam maior sobrevida<br />

30 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

origem colorretal, as taxas de morbidade e mortalidade variaram de<br />

22% a 54% e de 0% a 12% 11,12,13,14,15,16,17,18,19 .<br />

O pseudomixoma peritoneal de origem apendicular ou ovariana e<br />

o mesotelioma peritoneal têm como características biológicas serem<br />

tumores não ou pouco invasivos, o que facilita a citorredução e, portanto,<br />

se associam ao bom prognóstico. Glehen et al., em estudo multicêntrico,<br />

demonstraram que pacientes submetidos a ressecções CC-0,<br />

com tumores pouco invasivos, baixo IDP, em instituições com mais de<br />

sete anos de experiência nesse tipo de cirurgia, estão associados a um<br />

melhor prognóstico. Já pacientes com idade maior que 61 anos,<br />

ressecções CC-1, CC-2, ressecções sincrônicas de metástases hepáticas<br />

e presença de comprometimento linfonodal estavam associados a um<br />

pior prognóstico (Figuras 5 e 6) 21 .<br />

Numa série de 385 pacientes com pseudomixoma peritoneal, Su -<br />

garbaker relata sobrevida de cinco anos de 86% e 20%, respectivamente,<br />

para citorredução completa e incompleta mais QtIPH. As<br />

neoplasias malignas de estômago, cólons e ovário não adenoma mucinoso,<br />

entre outras, apresentam caráter invasivo, e a citorredução<br />

completa nas disseminações extensas não é factível na maioria das<br />

vezes, sendo este um importante fator prognóstico 10 .<br />

Glehen e cols. 12 , em estudo multicêntrico envolvendo 506 pacientes<br />

com carcinomatose peritoneal de origem colorretal tratados com<br />

citorredução associada a QtIPH, mostraram sobrevidas de 32,4 e<br />

8,4 meses, respectivamente, para citorredução completa e incompleta<br />

(p


• Pseudomixoma peritoneal<br />

• Mesotelioma peritoneal<br />

• Carcinoma de apêndice com<br />

disseminação mucinosa<br />

Possibilidade de citorredução<br />

CC0 ou CC1<br />

Seleção de pacientes<br />

1. Doença confinada à superfície peritoneal<br />

2. Redução máxima possível através de procedimentos<br />

de peritoniectomia e ressecções viscerais<br />

3. Possibilidade de utilização máxima de quimioterapia<br />

intraperitoneal e endovenosa para erradicar a doença<br />

da superfície peritoneal e evitar a progressão sistêmica<br />

4. Condição clínica favorável (KPS>70%)<br />

5. Ausência de terapêutica convencional eficaz<br />

Consentimento informado<br />

Laparotomia exploradora<br />

Origem da disseminação peritoneal<br />

• Ovário<br />

Após quimioterapia endovenosa<br />

com finalidade de consolidação<br />

ou para doença residual mínima<br />

Impossibilidade de citorredução<br />

CC0 ou CC1<br />

Cirurgia paliativa<br />

sem perfusão peritoneal<br />

Citorredução + quimioterapia<br />

intraperitoneal hipertérmica<br />

Avaliar quimioterapia endovenosa<br />

Seguimento<br />

Impossibilidade de<br />

citorredução CC0<br />

• Colorretal<br />

• Outros<br />

Fluxograma 1 Critérios e seleção de<br />

pacientes para cirurgia citorredutora<br />

e quimioterapia hipertérmica<br />

intraperitoneal 2,20<br />

Possibilidade de<br />

citorredução CC0<br />

Tratamento convencional para<br />

disseminação peritoneal<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 31


encontradas na peça operatória do tumor primário, metástases hepáticas<br />

e tumores pouco diferenciados se associaram ao mau prognóstico.<br />

7. Experiência do Departamento de Cirurgia Pélvica<br />

do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo<br />

Iniciamos esse procedimento no início de 2001. Até o final de 2010<br />

tínhamos 114 pacientes e 121 procedimentos realizados, com resultados<br />

comparáveis aos melhores centros do mundo. Desse grupo de pacientes,<br />

a idade variou entre 25 e 71 anos (média de 48,2), o tempo<br />

cirúrgico entre 5,4 e 20 horas (média de 10,3 horas), a casuística entre<br />

sexo foi 32 homens (26,4%) e 89 mulheres (73,6%) e ocorreram 3<br />

óbitos (2,6%). A sobrevida global em cinco anos foi em torno de 65%,<br />

tendo melhores resultados pacientes portadores de pseudomixoma e<br />

mesotelioma, tumores não ou pouco invasivos (Figuras 7 e 8) 2,20 .<br />

Desse grupo de pacientes, 43 eram portadores de tumores do<br />

apêndice com implantes peritoneais, e 10 de mesotelioma. Dos tumores<br />

apendiculares, 10 tinham implantes oriundos de adenoma mucinoso<br />

do apêndice, e os demais, de adenocarcinoma de baixo grau.<br />

Vinte e quatro pacientes eram homens, e as demais, mulheres. A idade<br />

variou de 27 a 71 anos, com média de 48 anos 2,20 . À admissão, 24 pa-<br />

Survival Function<br />

Censored<br />

Figura 7 Sobrevida global de pacientes tratados<br />

com citorredução associada a QtIPH – 2001-2010<br />

32 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

cientes (45,3%) apresentavam-se sem queixas clínicas relevantes. Entre<br />

os pacientes sintomáticos, a manifestação clínica mais comum foi o<br />

aumento do volume abdominal associado a ascite em 10 pacientes,<br />

seguida de massa abdominal palpável, em 4 casos.<br />

O principal procedimento realizado para o diagnóstico na institui -<br />

ção de origem, previamente ao encaminhamento, foi a laparotomia<br />

com biópsia ou ressecções parciais, em 21 casos (39,7%). Outras abordagens<br />

incluíram: laparoscopia com biópsia em 14 casos (26,4%) e<br />

apendicectomia em 9 (17%). Cinco pacientes (9,4%) apresentaram<br />

histórico de múltiplas abordagens cirúrgicas prévias, com ressecções<br />

paliativas. Além disso, 14 pacientes já haviam sido submetidos a tratamento<br />

prévio com quimioterapia sistêmica 2,20 .<br />

Alguns dados demográficos, bem como os tipos histológicos,<br />

podem ser verificados na Tabela 1.<br />

A duração do procedimento foi, em média, de 10,8 horas (6,5 a<br />

19,8 horas).<br />

A mensuração da disseminação peritoneal pelo sistema PCI apresentou<br />

uma pontuação média de 15,3, variando entre 2 e 39.<br />

Vinte e nove pacientes (54,8%) foram submetidos a citorredução<br />

Seguimento Total Seguimento Total<br />

Tu primário agrupado<br />

pseudomixoma/mesotelioma<br />

ccr e outros<br />

pseudomixoma/mesotelioma censored<br />

ccr e outros censored<br />

Figura 8 Sobrevida global por tipo de tumor de pacientes<br />

tratados com citorredução associada a QtIPH – 2001-2010


extensa com ressecção de víscera oca associada (gastrectomias parciais<br />

ou totais, enterectomias segmentares, colectomias parciais ou totais).<br />

Em 14 casos (26,4%) a citorredução envolveu apenas ressecção setorial<br />

do peritônio, com (8 casos) ou sem esplenectomia (6 casos). Procedimentos<br />

menores envolvendo ressecções isoladas de grande omento,<br />

vesícula biliar ou apêndice cecal totalizam os casos restantes.<br />

Apenas cinco procedimentos (9,5%) foram classificados com<br />

doença residual maior que 2,5 mm após a citorredução. Vinte e nove<br />

casos (54,7 %) foram considerados sem doença residual visível.<br />

Os quimioterápicos utilizados para perfusão peritoneal intraope ratória<br />

hipertérmica foram mitomicina C (73,6%), mitomicina C associada a<br />

Tabela 1: Características clínicas da população de estudo (n=53)<br />

Idade média (anos): 48 anos<br />

Variação de idade: 27 - 71 anos<br />

Sexo<br />

Masculino<br />

Feminino<br />

Histologia<br />

Apêndice cecal:<br />

- Adenoma<br />

- Adenocarcinoma GI<br />

Mesotelioma<br />

Duração média da cirurgia (mín. – máx.)<br />

PCI média (mín. – máx.)<br />

Extensão da ressecção<br />

Citorredução extensa com ressecção<br />

de víscera oca<br />

Peritoniectomia setorial, c/ esplenectomia<br />

Peritoniectomia setorial, s/ esplenectomia<br />

Ressecções menores<br />

Doença residual<br />

Ausência<br />

< 2,5mm<br />

2,5mm a 2,5cm<br />

> 2,5cm<br />

Tempo médio de internação (mín. – máx.)<br />

Permanência média em UTI (mín. – máx.)<br />

Pacientes (n) Pacientes (%)<br />

24<br />

29<br />

43<br />

10<br />

33<br />

10<br />

11h (6,5 – 19,8h)<br />

15,2 (2 – 39)<br />

25<br />

6<br />

6<br />

6<br />

22<br />

17<br />

2<br />

2<br />

45,3%<br />

54,7%<br />

81,1%<br />

18,9%<br />

Tabela 2: Características do procedimento cirúrgico, conforme o tipo de neoplasia<br />

Neoplasia do apêndice<br />

cecal (n=43)<br />

15,1 dias (5 – 41)<br />

3,2 dias (1 – 7)<br />

doxorrubicina (9,4%) e mitomicina associada a cisplatina (11,3%).<br />

A duração do período de internação hospitalar foi, em média,<br />

de 15 dias (5 a 41 dias), com permanência média em UTI de 3,4<br />

dias (1 a 16 dias) 2,20 .<br />

Esses dados podem ser avaliados para as neoplasias de apêndice<br />

cecal e mesotelioma, em separado, na Tabela 2.<br />

Vinte pacientes complementaram o tratamento com quimioterapia<br />

intraperitoneal no pós-operatório, com início no primeiro (13 casos)<br />

ou segundo (7 casos) dia após a cirurgia. Desses, 15 casos foram de<br />

neoplasias mucinosas do apêndice cecal (todos com 5-fluorouracil) e<br />

Mesotelioma<br />

peritoneal (n=10)<br />

9,7h (6,8 – 16h)<br />

15,7 (2 – 39)<br />

4<br />

2<br />

-<br />

4<br />

7<br />

2<br />

1<br />

-<br />

14 dias (8 – 27)<br />

4,3 dias (1 – 16)<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 33


5 casos de mesotelioma peritoneal (todos com paclitaxel).<br />

Ocorreram dois óbitos relacionados ao procedimento, corres -<br />

pondendo a 3,8% de mortalidade operatória.<br />

Após um período médio de seguimento de 39,1 meses (mediana<br />

de 35 meses; mínimo de 6 e máximo de 102 meses), 15 recorrências<br />

foram diagnosticadas, com intervalo médio de 41,6 meses (mediana de<br />

40 meses, mínimo de 3,7 meses e máximo de 95,7 meses). Quatro casos<br />

foram passíveis de reabordagem curativa, com nova citorredução e<br />

quimioterapia intraperitoneal hipertérmica.<br />

A sobrevida global em cinco anos, estimada pelo método de Kaplan-Meier,<br />

foi de 88,3% para os pacientes com neoplasias mucinosas<br />

do apêndice cecal, e de 60% para os pacientes com mesotelioma peritoneal.<br />

A sobrevida global dos pacientes dessa série de portadores de<br />

pseudomixoma peritoneal e mesotelioma, assim como as séries reportadas<br />

na literatura, foi significativamente melhor que a dos pacientes<br />

portadores de carcinomatose peritoneal por câncer colorretal e outros<br />

tumores (Figura 9) 2,20 .<br />

8. Considerações finais<br />

A cirurgia citorrredutora associada a QtIPH transoperatória é um procedimento<br />

cirúrgico padrão-ouro para pseudomixoma peritoneal e<br />

mesotelioma e para casos bem selecionados de implantes peritoneais<br />

34 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

de tumores invasivos oriundos do ovário, do intestino grosso e outros.<br />

A taxa de mortalidade pós-operatória varia de 0% a 10%.<br />

Trata-se de procedimento cirúrgico de alta complexidade que<br />

deve ser realizado em centros de referência que contem com equipe<br />

cirúrgica com boa formação em cirurgia abdominopélvica, bom<br />

serviço de anestesiologia, hemoterapia e terapia intensiva. Nos tumores<br />

invasivos, não é um método que substitui a quimioterapia<br />

sistêmica mas que se soma a ela. Presença de doença fora da cavidade<br />

abdominal, condições clínicas inadequadas (KPS menor que<br />

70%), IDP maior que 20 para tumores invasivos, quadros de obs -<br />

trução intestinal e invasão extensa do mesentério são as principais<br />

contraindicações para o procedimento. IDP, tipo de citorredução,<br />

grau de malignidade do tumor, presença de linfonodos metastáticos<br />

na peça operatória, componente de células em anel de sinete, presença<br />

de metástases hepáticas e experiência da ins t ituição são fatores<br />

relacionados ao prognóstico.<br />

Há uma carência de estudos prospectivos aleatorizados sobre esse<br />

tema. Em tumores não invasivos, será difícil obtê-los pelos bons resultados<br />

conseguidos com o método, o que dificulta ou impossibilita a alocação<br />

de pacientes no grupo controle (somente cirurgia). Em tumores<br />

invasivos, a realização desses estudos torna-se necessária para realmente<br />

co nhecermos melhor os reais candidatos ao procedimento.<br />

Figura 9 Sobrevida global de pacientes com neoplasias mucinosas do apêndice cecal (n=43) e mesotelioma<br />

peritoneal (n=10), tratados com cirurgia citorredutora e quimioterapia intraperitoneal hipertérmica


Referências bibliográficas<br />

1. Begossi G, Gonzalez-Moreno S, Ortega-Perez G et al. Cytoreduction and intraperitoneal<br />

chemotherapy management of peritoneal carcinomatosis, sarcomatosis,<br />

and mesotelioma. Eur J Surg <strong>Onco</strong>l 2002;28(1):80-7.<br />

2. Lopes A, Ferreira,FO, Barreto ES et al. Cirurgia citorredutora e quimioterapia<br />

intraperitoneal hipertérmica no tratamento da disseminação peritoneal das neoplasias:<br />

quando, como e por quê? Prática Hospitalar 2004;30:62-70.<br />

3. Weisberger AS,Levine B; Storaalsi JP. Use of nitrogen mustard in treatment<br />

of serous effusions of neoplastic origin. J Am Med Assoc 1955; 159:1704-7.<br />

4. Markman M, Reichman B, Hakes T, et al. Response second-line cisplatin<br />

based intraperitoneal therapy in ovarian cancer: influence of a prior response<br />

to intravenous cisplatin. J Clin <strong>Onco</strong>l 1991;9:1801-5.<br />

5. Markman M, Blessing JÁ, Major F, et al. Salvage intraperitoneal therapy of<br />

ovarian cancer employing cisplatin and etoposide: a Gynecologic <strong>Onco</strong>logy<br />

group study. Gynecol <strong>Onco</strong>l 1993;50:191-95.<br />

6. Jacquet P, Sugarbaker PH. Clinical research methodologies in diagnosis and<br />

staging of patients with peritoneal carcinomatosis. Cancer Treat Res<br />

1996;82:359-74.<br />

7. Sugarbaker PH. Pseudomyxoma peritonei. Cancer Treatment Research<br />

81:105- 19,1996.<br />

8. Glehen O,Osisky D, Cotte E et al. Intraperitoneal chemohyperthermia using<br />

a closed abdominal procedure and cytoreductive surgery for the treatment or<br />

peritoneal carcinomatosis: morbidity and mortality analysis of 216 consecutive<br />

procedures. Ann Surg <strong>Onco</strong>l 2003;10 (8):863-9.<br />

9. Sugarbaker PH. Results of treatment of 385 patients with peritoneal surgical<br />

spread of appendicle malignancy. Ann Surg <strong>Onco</strong>l 1999;6:727-31.<br />

10. Sugarbaker PH, Acherman YI, Gonzales-Moreno S et al. Diagnosis and<br />

treatment of peritoneal mesothelioma: The Washington Cancer Institute Experience.<br />

Semin <strong>Onco</strong>l 2002;29(1):51-61.<br />

11. Elias D, Blot F, El Otmany A, et al Curative carcinomatosis arising from colorectal<br />

cancer by complete resection and intraperitoneal chemotherapy. Cancer<br />

2001;92:71-76.<br />

12. Glehen O, Kwiatkowski F, Sugarbaker PH, et al. Cytoreductive surgery<br />

combined with peri-operative intraperitoneal chemo-therapy for the management<br />

of peritoneal carcinomatosis from colorectal cancer. A multiinstitutional<br />

study of 506 patients. J Clin <strong>Onco</strong>l. 2004 Aug 15;22(16):3284-92.<br />

13. Pestieu SR; Sugarbaker Ph. Treatment of primary colon cancer with peritoneal<br />

carcinomatosis: comparison of conco-mitant vs. delayed management.<br />

Dis. Colon Rectum 2000;43:1341-6.<br />

14. Gullifort 4th AT, Brooks AD, Sharma S, et al. Surgical debunking and intraperitoneal<br />

chemotherapy for established peritoneal metastases from colon<br />

and appendix cancer. Ann Surg <strong>Onco</strong>l 2001;8:787-95.<br />

15. Witkamp AJ, De Bree F, Kaag, MM, et al. Extensive cytoreductive surgery<br />

followed by intra-operative hyperthermic intra-peritoneal chemotherapy with<br />

mitomycin-c in patients with peritoneal carcinomatosis of colorectal origin.<br />

Eur J Cancer 2001; 37:979-84.<br />

16. Pilati P, Mocellin S, Rossi CR, et al. Cytoreductive surgery combined with hyperthermic<br />

intraperitoneal intraoperative chemotherapy for peritoneal carcinomatosis<br />

arising from colon adenocarcinoma. Ann Surg <strong>Onco</strong>l 2003;10;508-13.<br />

17. Cavalieri F, Perri P, Rossi CR, et al. Indications for integrated surgical treatment<br />

of peritoneal carcinomatosis of colorectal origin: experience of Italian Society<br />

of Locorregional Integrated Therapy in <strong>Onco</strong>logy. Tumori 2003;89(<br />

4Suppl): 21-3.<br />

18. Shen P, Hawksworth J, Lovato J, et al. Cytoreductive surgery and intraperitoneal<br />

hyperthermic chemotherapy with mitomycin-C for peritoneal carcinomatosis<br />

from non appendicle colorectal carcinoma. Ann Surg <strong>Onco</strong>l<br />

2004;11:178-86.<br />

19. Yonemura Y, de Aretxabala X, Fujimura T, et al. Intraoperative Chemohyperthermic<br />

Peritoneal Perfusion as an Adjuvant to Gastric Cancer: Final Results<br />

of a Randomized Controlled Study. Hepato-Gastroenterology 2001;48:1776-82.<br />

20. Lopes, A. Cirurgia citorredutora e quimioterapia intraperitoneal hipertérmica<br />

no tratamento da disseminação peritoneal das neoplasias. Câncer Hoje,<br />

2005;3(8):11.<br />

21. Glehen O, Gilly FN, Elias D. Et al, Toward curative treatment of peritoneal<br />

carcinomatosis from nonovarian origin by cytoreductive surgery combined with<br />

perioperative intraperitoneal chemotherapy: amulti-institutional study of 1,290<br />

patients. 1. Cancer. 2010 Dec 15;116(24):5608-18.<br />

<strong>Onco</strong>& – é só clicar!<br />

A <strong>Onco</strong>& está on-line. Agora você encontra<br />

todo o conteúdo da revista na web, além de<br />

notícias atualizadas diariamente, material<br />

exclusivo e recursos multimídia.<br />

Mais dinamismo, mais interatividade e<br />

muito mais informação para você.<br />

Acesse:<br />

www.revistaonco.com.br


Divulgação<br />

36 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

emergências oncológicas<br />

Luiz Gustavo Torres<br />

* Médico oncologista do<br />

Centro de Tratamento<br />

<strong>Onco</strong>lógico (CENTRON)<br />

Contato:<br />

torres.luizgustavo@gmail.com<br />

Daniel Tabak<br />

* Hematologista-<strong>Onco</strong>logista;<br />

diretor médico do Centro de<br />

Tratamento <strong>Onco</strong>lógico (CENTRON);<br />

membro titular da Academia<br />

Nacional de Medicina<br />

Contato: dantabak@terra.com.br<br />

Neutropenia febril e câncer –<br />

parte 1<br />

Introdução<br />

AFEBRE EM PACIENTE NEUTROPÊNICO É CONSI -<br />

DERADA UMA EMERGÊNCIA MÉDICA. DURANTE O<br />

PERÍODO DE NEUTROPENIA PÓS-QUIMIOTERAPIA,<br />

a febre pode ser o único indicativo de infecção, já<br />

que os sinais e sintomas de inflamação estarão<br />

atenuados. A incidência de febre relacionada à neutropenia<br />

é documentada entre 10% e 50% em pacientes<br />

com tumores sólidos e até 80% nas<br />

neo plasias hematológicas após pelo menos um ciclo<br />

de qui mioterapia. O advento dos antibióticos de<br />

largo espectro permitiu o uso de regimes qui -<br />

mioterápicos mais agressivos, visto que as infecções<br />

respondiam por cerca de 75% da mortalidade relacionada<br />

à quimioterapia.<br />

Definição<br />

A febre em pacientes neutropênicos é definida<br />

como temperatura isolada (única medida) de 38,3<br />

graus Celsius ou sustentada de 38 graus (duas<br />

tomadas em intervalo de 1 hora). Deve-se ter<br />

atenção especial para idosos e usuários crônicos de<br />

glicocorticoides, nos quais é maior o risco de infecção,<br />

mesmo na ausência de febre.<br />

A neutropenia é usualmente definida como<br />

contagem absoluta de neutrófilos (CAN) < 500<br />

células/mm 3 ou


por amostra de ambas as vias do cateter e sangue periférico ou sangue<br />

periférico de sítios de punção diferentes em caso de ausência de acesso<br />

venoso central).<br />

O rastreamento microbiológico em outros materiais (urina, escarro,<br />

líquor, pele e fezes) deve ser realizado quando houver indicação<br />

clínica. Broncoscopia para coleta de lavado broncoalveolar deve ser<br />

considerada em caso de infiltrado pulmonar suspeito.<br />

Estudos recentes para avaliação da utilidade de marcadores inflamatórios<br />

(proteína C reativa, procalcitonina, interleucina 6 e 8) em<br />

pacientes neutropênicos com câncer foram inconsistentes. Não devem<br />

ser usados, portanto, para guiar terapia antimicrobiana.<br />

3. Exames de imagem: radiografia de tórax deve ser solicitada mesmo<br />

na ausência de sintomas respiratórios. Tomografias devem ser rea -<br />

lizadas apenas quando clinicamente indicadas.<br />

Terapia antibiótica<br />

A antibioticoterapia empírica deve ser direcionada aos patógenos mais<br />

comuns e mais virulentos, que podem oferecer risco iminente de morte<br />

ao neutropênico. Há algumas décadas, estudos apontavam taxa de mortalidade<br />

de até 70% em caso de retardo no início dos antibióticos. Relatos<br />

subsequentes a partir do final dos anos 70, após a implementação da<br />

antibioticoterapia de largo espectro, demonstraram clara associação entre<br />

o uso precoce dos antibióticos e a queda na taxa de mortalidade.<br />

O isolamento de bactérias gram-positivas acontece em maior frequência<br />

se comparado ao isolamento de gram-negativas. No entanto,<br />

as infecções por gram-negativas estão relacionadas a maior<br />

taxa de mortalidade. A cobertura inicial contra P. aeruginosa permanece<br />

amplamente recomendada pela alta mortalidade associada<br />

a essa infecção.<br />

Alto risco<br />

Pacientes considerados de alto risco devem receber antibioticote -<br />

rapia venosa com cobertura abrangente para germes gram-negativos,<br />

incluindo P. aeruginosa. São consideradas terapias de primeira linha:<br />

cefepima, piperacilina-tazobactam e carbapenêmicos. Uma metanálise<br />

recente comparou o uso isolado de betalactâmicos a associação betalactâmicos<br />

e aminoglicosídeos, demonstrando equivalência das tera -<br />

pias com perfil de toxicidade favorável a monoterapia.<br />

Amplamente aceita e recomendada, a monoterapia com cefepima<br />

tem sido recentemente questionada. Uma metanálise publicada em<br />

2007 por Yahav e colaboradores envolvendo 19 ensaios randomizados<br />

apontou um aumento na mortalidade associada ao uso do cefepima<br />

quando comparado a outros betalactâmicos (RR 1,41; 95% IC, 1,08-<br />

1,84). Apesar desse resultado conflitante, a monoterapia com cefepima<br />

continua sendo recomendada.<br />

A cobertura adicional empírica para gram-positivos não deve ser<br />

realizada de rotina em pacientes com neutropenia febril. Além de não<br />

estar associada a benefício clínico, o uso da vancomicina pode promover<br />

resistência em cepas como enterococos e S. aureus. Estafilococos<br />

coagulase-negativos, que são a principal causa de bacteriemia identificável<br />

em pacientes neutropênicos, são patógenos fracos e raramente<br />

provocam rápida deterioração clínica. Sendo assim, não há urgência<br />

para a associação empírica da vancomicina.<br />

No entanto, existem algumas situações clínicas em que a utilização<br />

empírica da vancomicina deve ser fortemente considerada. A<br />

frequente associação de choque séptico a S. aureus e a difusão de<br />

cepas resistentes a meticilina (MRSA) levam à recomendação de uso<br />

em caso de instabilidade hemodinâmica. Infecções por estreptococos<br />

viridans podem ser resistentes a betalactâmicos e fluoroquinolonas<br />

e estão usualmente ligadas a condições encontradas em<br />

pacientes neutropênicos, como mucosite gastrointestinal ou uso profilático<br />

de quinolonas.<br />

Uma alternativa à vancomicina em pacientes intolerantes é a<br />

linezolida. Em ensaio multicêntrico e randomizado, Jaksic e cola -<br />

boradores compararam o uso da vancomicina (1 g a cada 12 horas)<br />

com o da linezolida (600 mg a cada 12 horas), tendo encontrado<br />

taxa de mortalidade equivalente e perfil de toxicidade discretamente<br />

favorável à linezolida.<br />

Indicações para associação empírica da vancomicina:<br />

- Suspeita de sepse relacionada a cateter venoso;<br />

- Instabilidade hemodinâmica;<br />

- Pneumonia documentada radiologicamente;<br />

- Hemocultura positiva (gram-positivo, mesmo antes da identificação<br />

final);<br />

- Infecção de pele ou partes moles;<br />

- Colonização por MRSA;<br />

- Mucosite severa, em caso de pacientes em profilaxia com fluoroquinolona.<br />

*Em pacientes considerados de alto risco e alérgicos a betalactâmicos,<br />

a associação de ciprofloxacina a vancomicina ou clindami -<br />

cina é uma boa opção.<br />

A adição inicial dos aminoglicosídeos deve ser considerada apenas<br />

no caso de instabilidade hemodinâmica. O risco de infecção por bactérias<br />

gram-negativas resistentes também precisa ser avaliado pela<br />

história clínica do paciente ou pelo padrão de sensibilidade do hospital.<br />

Nesse caso, o uso dos aminoglicosídeos pode estar indicado. Em<br />

pacientes com disfunção renal, o ciprofloxacino aparece como opção<br />

aos aminoglicosídeos.<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 37


Doses dos antibióticos usualmente usados em<br />

neutropenia (em adultos com função renal normal)<br />

Ceftazidima<br />

Cefepima<br />

Piperacilina/Tazobactam<br />

Imipenem<br />

Meropenem<br />

Vancomicina<br />

Linezolida<br />

Metronidazol<br />

Anfotericina B lipossomal<br />

Itraconazol<br />

Voriconazol<br />

Caspofungina<br />

*Cancer principles and practice of oncology, 8th edition, DeVita,<br />

Hellman and Rosenberg’s<br />

Baixo risco<br />

Pacientes com baixo risco de complicação durante o curso da neutropenia<br />

podem ser considerados candidatos a antibioticoterapia por<br />

via oral. Devem estar ausentes todos os critérios considerados de alto<br />

risco. Dois grandes estudos randomizados de comparação entre terapia<br />

oral com ciprofloxacina e amoxicilina-clavulanato versus terapia<br />

venosa mostraram equivalência. Deve-se levar em conta, no entanto,<br />

que os pacientes foram acompanhados em unidade hospitalar e não<br />

em regime ambulatorial.<br />

O uso isolado da ciprofloxacina deve ser desencorajado mesmo<br />

nos pacientes de baixo risco, pela cobertura imprópria para germes<br />

gram-positivos. Se comparada à ciprofloxacina, a levofloxacina tem<br />

maior cobertura para gram-positivos e pode oferecer boa cobertura<br />

para P. aeruginosa quando usada na dose de 750 mg/dia. No entanto,<br />

até a presente data faltam dados mais robustos na literatura para justificar<br />

também a monoterapia com levofloxacina mesmo na população<br />

de baixo risco.<br />

A terapia antimicrobiana oral apresenta óbvias vantagens, como<br />

menor custo, menos toxicidade e melhor aceitação dos pacientes.<br />

38 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

2 g a cada 8 horas<br />

2 g a cada 8-12 horas<br />

4,5 g a cada 6 horas<br />

500 mg a cada 6 horas<br />

1-2 g a cada 8 horas<br />

1 g a cada 12 horas<br />

600 mg a cada 12 horas<br />

500 mg a cada 6-8 horas<br />

3 mg/kg/dia<br />

200 mg (IV) a cada 12 horas (4 doses)<br />

seguidos de 200 mg/dia<br />

6 mg/kg a cada 12 horas (2 doses)<br />

seguidos de 3 mg/kg a cada 12 horas<br />

70 mg/dia (1 dose)<br />

seguidos de 50 mg/dia<br />

Poucos estudos publicados, no entanto, investigam a segurança da<br />

manutenção dos pacientes em regime ambulatorial quando comparado<br />

à terapia padrão intra-hospitalar. Estudos recentes têm sugerido que<br />

após breve período de internação (24 horas) seria seguro manter os<br />

pacientes em regime ambulatorial. Esse breve período de observação<br />

serviria para confirmar a estabilidade clínica, descartar sepse fulminante,<br />

avaliar o suporte familiar e realizar o rastreamento microbio -<br />

lógico com a coleta de amostras para culturas. Tendo-se optado pelo<br />

seguimento ambulatorial do tratamento, é fundamental que o paciente<br />

tenha acesso à equipe médica 24 horas por dia, 7 dias por semana e<br />

pronto acesso ao hospital.<br />

Quando a antibioticoterapia deve ser modificada?<br />

Um acompanhamento clínico rigoroso, com exame físico diário,<br />

atenção a novos sintomas e monitoramento das culturas (com novas<br />

coletas de qualquer sítio suspeito novo), é de fundamental importância<br />

para um desfecho favorável. Febre persistente isolada em pacientes<br />

clinicamente estáveis raramente indica necessidade de alteração do<br />

regime antibiótico empregado. De forma geral, acréscimos ou mudança<br />

da terapia empírica inicial devem ser guiados por modificação<br />

da condição clínica ou resultados das culturas. Exceção deve ser feita<br />

aos pacientes considerados de baixo risco e, portanto, em uso de antibioticoterapia<br />

oral. Nesse grupo, se não houver controle da febre após<br />

48 horas de antibióticos, deve-se considerar internação hospitalar para<br />

terapia antimicrobiana venosa e vigilância clínica.<br />

Apesar do uso frequente da vancomicina em pacientes neutropênicos,<br />

não há benefício demonstrado na sua adição em casos de febre<br />

persistente ou recrudescente. Em estudo prospectivo, randomizado,<br />

que avaliou a adição da vancomicina ao uso da piperacilina-tazobactan,<br />

Wade e colaboradores não encontraram diferença significativa,<br />

tendo como desfecho o desaparecimento da febre após 72 horas.<br />

Quando a vancomicina compõe o regime inicial, recomenda-se fazer<br />

a descontinuação da droga caso não seja observado crescimento de<br />

germes gram-positivos nas culturas coletadas na admissão após<br />

período de 48 horas de incubação.<br />

Caso de febre persistente<br />

Em caso de febre persistente após 48-72 horas de antibiótico em<br />

pacientes clinicamente estáveis, deve-se realizar novo rastreamento<br />

para identificar o sítio infeccioso. Coleta de novo set de hemoculturas,<br />

pesquisa de toxina de Clostridium difficile nas fezes (na presença de<br />

diar reia e/ou dor abdominal) e tomografias conforme indicação clínica<br />

(ex.: a dos seios da face e a do tórax são recomendadas em pacientes<br />

com alto risco de infecção fúngica invasiva) devem ser considerados.<br />

Causas não infecciosas como febre relacionada a droga, tromboflebite,<br />

neoplasia de base e hematomas volumosos devem ser lembradas como<br />

possíveis agentes causais.<br />

Em pacientes clinicamente instáveis está indicada a substituição<br />

do regime antibiótico (cefalosporinas ou piperacilina/tazobactam)


pelos carbapenêmicos em associação com aminoglicosídeos e cobertura<br />

fúngica anticândida com fluconazol ou novos antifúngicos (em<br />

caso de pacientes em uso profilático de fluconazol).<br />

Nos casos de febre persistente após o quarto dia de antibioticote -<br />

rapia em pacientes estáveis mas ainda sem recuperação medular iminente,<br />

cabe considerar fortemente o rastreamento de infecção fúngica<br />

invasiva (TC de tórax e seios da face) e iniciar terapia antifúngica empírica<br />

(com cobertura para fungos filamentosos, como asper gilose).<br />

São aceitas as seguintes opções: anfoteri cina B (prefe rencialmente lipossomal),<br />

caspo fungina, itraconazol e voriconazol.<br />

Usado como profilaxia em pacientes de alto risco de infecção fún -<br />

gica, o fluconazol não exerce papel profilático no desenvolvimento de<br />

infecção por fungos filamentosos (aspergilose, zigomicose e fusariose),<br />

que ocorrem quase que exclusivamente em pacientes com neutropenia<br />

grave (< 100 cels/mm 3 ) e prolongada (> 10 dias).<br />

Por quanto tempo manter os antibióticos?<br />

Nos casos em que é documentada infecção, clínica ou microbiologicamente,<br />

a duração da terapia deve ser ditada pelo germe e pelo<br />

sítio envolvidos. Quando não se identifica agente ou foco de infecção<br />

evidente, recomenda-se a descontinuação da terapia apenas após<br />

atingido o patamar acima de 500 neutrófilos/mm 3 .<br />

Referências bibliográficas<br />

1. Freifeld AG, Bow EJ, Sepkowitz KA, et AL. Clinical practice guideline for<br />

the use of antimicrobial agents in neutropenic patients with câncer. 2010<br />

update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis 2011;<br />

52:56-93<br />

2. DeVita, Hellman, and Rosenberg s. Cancer Principles & Practice of <strong>Onco</strong>logy<br />

8th edition. Chapter 62.<br />

3. Paul M, Soares-Weiser K, Grozinsky S, ET AL. Baet-lactam versus beta-lactam-aminoglycoside<br />

combination therapy in câncer patients with neutropenia.<br />

Cochrane Database Syst Ver 2003: CD003038.<br />

4. Yahav D, Paul M, Fraser A, ET AL. Efficacy and safety of cefepime: A systematic<br />

review and meta-analysis. Lancet infect Dis 2007; 7:338-48.<br />

5. Jaksic B, Martinelli G, Perez-Oteyza J, et al. Efficacy and safety of linezolid<br />

compared with vancomycin in a randomized, double-bind study of febrile<br />

neutropenic patients with cancer. Clin Infect Dis 2006; 42:597.<br />

6. Wade JC, Glasmacher A. Vancomycin does not benefit persistently febrile<br />

neutropenic people with cancer. Cancer Treat Ver 2004; 30:119-26.


do bem<br />

OPROCESSO DE MORTE É UMA SITUAÇÃO MUITO PARTICULAR. É PRE-<br />

CISO SUPORTE PSICOLÓGICO, SOCIAL E ESPIRITUAL PARA QUE SEJA<br />

CONDUZIDO DE FORMA ADEQUADA, OFERECENDO QUALIDADE DE<br />

vida pelo maior tempo possível. Mas o que fazer quando remédios e<br />

tratamentos clínicos não surtem mais efeito? A resposta pode estar nos<br />

hospices, espaços de acolhimento onde pacientes que esgotaram todas<br />

as possibilidades de tratamentos curativos podem passar seus últimos<br />

momentos de vida de forma digna. Além de se beneficiarem com<br />

cuidados paliativos, eles liberam os leitos de hospitais para quem ainda<br />

tem condições de cura.<br />

A proposta é melhorar a qualidade de vida dos pacientes por meio<br />

de assistência multiprofissional, com equipes formadas por médico,<br />

enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudiólogo, assistente<br />

social, terapeuta ocupacional, voluntários e até religiosos. “Dependendo<br />

do tipo de atendimento, outros profissionais da área de<br />

saúde podem ser consultados”, explica Judimara Gozzani, responsável<br />

pela implantação do futuro Hospice Infantil da Santa Casa de São Paulo<br />

(saiba mais no quadro).<br />

Não há como padronizar o tempo de internação; ele vai depender<br />

da doença tratada e da proposta de serviço. “No caso de pacientes com<br />

câncer, devido à evolução mais aguda, o tratamento deve ser mais objetivo,<br />

porque o quadro clínico evolui de forma mais rápida e a internação<br />

acaba sendo mais curta. Já um idoso com uma demência pode<br />

precisar de cuidados por períodos prolongados”, explica Maria Goretti<br />

Maciel, diretora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital do<br />

Servidor Público Estadual de São Paulo. Também é possível internar<br />

um paciente que tenha câncer avançado e esteja com pneumonia, dor<br />

ou outra complicação da doença. “Você interna, trata aquela complicação<br />

e depois dá alta”, destaca.<br />

Apesar de bastante difundido pelo mundo, no Brasil os hospices<br />

ainda são iniciativas isoladas. “Existem algumas instalações semelhantes<br />

em Campinas, Ribeirão Preto, algumas hospedarias e unidades de<br />

40 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

Cuidado e consolo<br />

até o fim<br />

Ainda raros no Brasil, hospices proporcionam cuidado<br />

multidisciplinar e aliviam a dor e o sofrimento<br />

de pacientes fora das possibilidades terapêuticas<br />

Por Sergio Azman<br />

cuidados paliativos em hospitais, como os do Servidor Público Muni -<br />

cipal e Estadual”, afirma Toshio Chiba, coordenador-geral do Programa<br />

de Cuidados Paliativos do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo<br />

(Icesp). Entre os hospices privados, os mais conhecidos são o Premier<br />

Residence Hospital, que atende pacientes idosos com sequelas, com<br />

média de internação um pouco mais longa; e a Clínica Sainte-Marie,<br />

ambos em São Paulo.<br />

Para Ricardo Caponero, oncologista clínico da Clínica de <strong>Onco</strong>logia<br />

Médica de São Paulo e ex-presidente da Associação Brasileira de Cuidados<br />

Paliativos, embora não se enquadrem no modelo ideal preconizado<br />

pela Organização Mundial da Saúde (OMS), algumas iniciativas têm<br />

se aproximado do conceito. “O HC-IV – INCA, em Vila Isabel, Rio de<br />

Janeiro, oferece cuidados paliativos de qualidade, mas num contexto<br />

em que a estrutura financeira ainda deriva de verbas destinadas ao Ins -<br />

tituto Nacional de Câncer, e não da remuneração do trabalho em cuidados<br />

paliativos. Nesse sentido, ele é um grande prestador de cuidados<br />

paliativos com algumas características de hospice, mas se ajusta muito<br />

mais a um hospital voltado ao primor no controle de sintomas.”<br />

O que falta?<br />

Mas, afinal, por que os hospices não são uma prática comum no Brasil?<br />

Os especialistas acreditam que seja pela união de alguns fatores, como<br />

cultura do país, custo e educação, ou a falta dela. Segundo Caponero,<br />

alguns dos trabalhos que serão apresentados no congresso da American<br />

Society of Clinical <strong>Onco</strong>logy (ASCO) deste ano, em Chicago, e alguns<br />

dos textos do “Educational Booklet”, um resumo das aulas teóricas<br />

apresentadas durante o evento, apontam exatamente para as diferenças<br />

culturais na aceitação dos hospices. “A cultura brasileira ainda está<br />

muito voltada para a tecnocracia da medicina, a busca da cura por<br />

todos os meios, médicos ou através de métodos complementares. A<br />

educação para a morte e a aceitação dela como um fenômeno natural<br />

do processo de viver estão longe do senso comum”, diz.


Chiba concorda que a aceitação da morte não<br />

seja uma ideia realmente disseminada. “Uma das<br />

barreiras é o conceito de que é preciso alocar recursos,<br />

muitas vezes desnecessários, que sabidamente<br />

não funcionam naquela situação em que o<br />

paciente se encontra. Isso está errado. É preciso alocar<br />

os recursos adequados para que a pessoa,<br />

mesmo fora das possibilidades terapêuticas de<br />

tratamento específico, receba um alívio de dor e de<br />

sofrimento físico nessa fase final da vida. E isso inclusive<br />

é uma crítica à sociedade, que acredita que<br />

o paciente tem de sobreviver a qualquer custo. A<br />

natureza não é assim. Com isso, começa a ter uma<br />

inversão de valores, em que a medicina aumenta o<br />

sofrimento em vez de ajudar”, explica.<br />

Ana Cláudia Arantes, integrante do corpo<br />

clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e presidente<br />

da Casa do Cuidar, instituição de cuidados<br />

paliativos para formação e assistência domiciliar,<br />

acredita que o preconceito em relação à morte exista<br />

principalmente por parte dos médicos. “Os profissionais<br />

têm muita dificuldade em conversar sobre<br />

terminalidade com seus pacientes graves, e a família<br />

também tem bastante medo de tocar no assunto”,<br />

diz. Aliás, como em qualquer unidade de cuidados<br />

paliativos, a família é tão importante quanto o<br />

doente. “A gente sempre conversa com os familiares,<br />

toma as decisões em conjunto”, ressalta Goretti.<br />

Os custos são outro fator. Não porque sejam<br />

altos, mas porque não estão definidos. Caponero explica<br />

que atualmente o Sistema Único de Saúde<br />

(SUS) remunera a assistência domiciliar e o Programa<br />

de Saúde da Família (PSF), mas tem uma<br />

abrangência muito mais limitada. “O interessante é<br />

que o SUS tornou obrigatórios, por portaria, a as-<br />

Primeiro hospice<br />

infantil do Brasil<br />

A Santa Casa de São Paulo deve inaugurar um<br />

hospice infantil em cerca de um ano. A estrutura<br />

terá sete apartamentos e poderá atender,<br />

no ambiente ambulatorial, até 3 mil crianças<br />

por ano, na faixa etária de 0 a 15 anos.<br />

Segundo Judimara Gozzani, responsável<br />

pela implantação, a estrutura e os recursos são<br />

os mesmos para hospices adultos e infantis,<br />

com algumas adaptações pa ra os pacientes pe -<br />

sistência à dor e os cuidados paliativos para todos os<br />

centros de referência em oncologia. No entanto, não<br />

se estabeleceu a forma como esses centros são remunerados.<br />

Por exemplo, como cobrar pela assistência<br />

multiprofissional que inclui, não só, mas também, a<br />

assistência espiritual? Como seguir à risca as recomendações<br />

da OMS e estender a assistência ao<br />

período do luto? Nesse caso, como se remunera o<br />

atendimento aos familiares do paciente que já faleceu?”,<br />

questiona. Segundo ele, na esfera privada, as<br />

tabelas adotadas pela maioria dos planos de saúde<br />

não englobam os cuidados paliativos. “No entanto,<br />

algumas poucas operadoras estão começando a discutir<br />

e implementar iniciativas nesse sentido.”<br />

Por não utilizar uma infraestrutura tecnológica<br />

diátricos. “Quando forem atendidas em ambiente<br />

especial (hospice), as crianças terão mais<br />

conforto e deixarão leitos do hospital terciário<br />

livres para quem precisa.”<br />

Além da equipe multi disciplinar, o hospice<br />

terá alguns apartamentos para in ternações de<br />

curto prazo, com a finalidade de resolver pro -<br />

blemas que a família esteja enfrentando com o<br />

paciente em seu domicílio. “Também teremos<br />

um apar tamento especial para o fim da vida,<br />

quando a família não tem condições ou não deseja<br />

que o paciente morra em casa”, conta.<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 41


“ A educação para a<br />

morte e a aceitação<br />

dela como um<br />

fenômeno natural<br />

do processo de viver<br />

estão longe do<br />

senso comum.”<br />

42 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

avançada e cara, o maior custo em cuidados paliativos<br />

é mesmo o recurso humano. “A equipe passa por um<br />

estresse muito grande, tem de ser muito bem treinada<br />

e remunerada. No Hospital do Servidor Público Estadual,<br />

temos uma enfermaria com dez leitos, com<br />

uma média de 15 a 20 pacientes por semana. A rotatividade<br />

é alta, às vezes são sete, oito óbitos nesse<br />

período. Além disso, tem de ter um tempo diferente,<br />

não dá para atender correndo. Tem de ter paciência,<br />

disponibilidade e tempo para conversar com a família<br />

e com o paciente”, afirma Goretti.<br />

Educação contra dor<br />

Segundo Chiba, durante o tratamento de câncer, mais<br />

de 90% dos pacientes sentem dor. Desses, 60% sentem<br />

dor lancinante. “E educação contra a dor é uma<br />

situação deficitária no Brasil. Não existe a formação<br />

em universidades nem a chancela da Associação<br />

Médica Brasileira. Atualmente está sendo aprovado<br />

no Conselho Federal de Medicina o reconhecimento<br />

dessa área de atuação, graças ao trabalho da Academia<br />

Nacional de Cuidados Paliativos junto com o<br />

Ministério Público e o Ministério da Saúde”, explica.<br />

Ana Cláudia acredita que, em primeiro lugar,<br />

existe a necessidade de oferecer formação na área.<br />

“Em outros países, essa é uma disciplina obrigatória<br />

na graduação. Mas ainda não existe essa formação<br />

nas faculdades do Brasil.”<br />

Para ela, a partir do momento em que se tem<br />

profissionais qualificados para oferecer esses cuidados,<br />

é interessante que cada hospital conte com<br />

pelo menos uma equipe nuclear para dar essa as-<br />

Exclusivamente oncológico<br />

O projeto piloto do Núcleo Avançado de Cuida-<br />

dos Especiais (NACE), do Instituto do Câncer do<br />

Estado de São Paulo (Icesp), começou em setem-<br />

bro de 2009, em Cotia, com dez leitos. Atual-<br />

mente, 40 leitos são destinados a pacientes que<br />

estão fora das possibilidades terapêuticas de cura.<br />

“A ocupação é sempre grande, cerca de 90%.<br />

Por isso, só atendemos pacientes encaminhados<br />

pelo Instituto do Câncer. Apesar de fazermos<br />

parte do sistema do Hospital das Clínicas, não<br />

conseguimos atender a demanda de pacientes<br />

com outras patologias que necessitam de cuida-<br />

sistência. “As pessoas que estão na fase de terminalidade<br />

irão se beneficiar muito disso. Principalmente<br />

pelo fato de que não serão submetidas a<br />

procedimentos contraindicados”, diz.<br />

Hospice no SUS?<br />

Apesar de reconhecer a importância dos hospices<br />

para pacientes com doenças fora das possibilidades<br />

de tratamento, os médicos acreditam que essa não<br />

seria a solução mais adequada em termos de cuidados<br />

paliativos para a saúde pública.<br />

Para Chiba, o modelo de expansão de cuidados<br />

paliativos avançados deveria se basear no sistema de<br />

assistência domiciliar. “Programas como o Núcleo<br />

Avançado de Cuidados Especiais (NACE) são fundamentais<br />

para fins de formação. Mas como modelo<br />

de expansão, para cuidados paliativos no hospital,<br />

eu acredito que deveria ser através do sistema de assistência<br />

domiciliar. Antes, todo mundo morria em<br />

casa. De umas três gerações para cá, todos morrem<br />

no hospital. Por isso, ainda vai demorar para que<br />

esse quadro seja revertido e o sistema de saúde passe<br />

a investir nos cuidados em casa.”<br />

Para Goretti, o ideal seria a criação de uma enfermaria<br />

no hospital geral. “É caro manter uma estrutura<br />

extra-hospitalar, é mais fácil pegar uma ala<br />

do hospital e destinar aos cuidados paliativos. Além<br />

disso, quando é feito dentro do hospital geral, nós<br />

podemos exercer um papel didático importantíssimo,<br />

disseminar o conhecimento para que os<br />

médicos possam entender melhor o que é o cui -<br />

dado paliativo”, defende.<br />

dos paliativos avançados”, explica Toshio Chiba,<br />

coordenador-geral do Programa de Cuidados<br />

Paliativos do Icesp.<br />

O trabalho específico e técnico é realizado pela<br />

equipe multiprofissional, composta por médicos,<br />

enfermeiras, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas<br />

ocupacionais, entre outros. Além disso, oferece<br />

a possibilidade da permanência de familiares e não<br />

restringe os horários para visitas, diferentemente do<br />

que acontece nos hospitais. “No NACE existe flexi -<br />

bilidade nos horários de visitas e no número de<br />

visitantes, e também é possível trazer crianças, ca -<br />

chorros, gatos. É uma situação bastante facilitada,<br />

basta avisar antes”, explica.


curtas<br />

Sanofi-aventis<br />

lança Jevtana ®<br />

(cabazitaxel)<br />

no Brasil<br />

Imagens: divulgação<br />

A sanofi-aventis Brasil anuncia o<br />

lançamento de Jevtana ® (cabazitaxel)<br />

injetável no mercado brasileiro, para<br />

o tratamento de pacientes com câncer<br />

da próstata metastático hormoniorrefratário<br />

tratados anteriormente com<br />

esquema contendo docetaxel.<br />

Jevtana ® associado à prednisolo -<br />

na/prednisona foi aprovado com base<br />

nos resultados do estudo TROPIC de<br />

fase III, que envolveu 755 pacientes<br />

com câncer da próstata metastático<br />

hormoniorrefratário tratados ante -<br />

riormente por quimioterapia à base<br />

de docetaxel. Os resultados de -<br />

monstra ram uma redução estatisticamente<br />

significativa de 30% [HR=0,70<br />

(IC 95%: 0,59-0,83); p


FDA aprova teste de HPV para rastreamento de câncer cervical nos EUA<br />

A Roche Molecular Diagnostics obteve recentemente a aprovação do<br />

FDA, órgão regulador norte-americano, para o teste cobas HPV para uso<br />

nos EUA. O novo teste cobas HPV é realizado no sistema cobas RMD<br />

4800 e é o único que detecta, individualmente, os genótipos de HPV 16<br />

e 18, além de identificar simultaneamente outros 12 tipos de HPV de alto<br />

risco como um resultado combinado.<br />

Sua rápida aprovação – em apenas oito meses – aconteceu, em<br />

parte, graças aos resultados conclusivos do estudo ATHENA, que envolveu<br />

47 mil mulheres e é o maior estudo para registro realizado nos<br />

EUA para rastreamento do câncer cervical.<br />

Parte dos resultados do estudo ATHENA foi publicada inicialmente<br />

no American Journal of Clinical Pathology, em fevereiro. Os resultados<br />

demonstraram que 1 em cada 10 mulheres com idade acima de 30 anos que apresentaram resultado positivo para HPV dos tipos<br />

16 e/ou 18 com o teste cobas HPV tinha pré-câncer de colo do útero, apesar do resultado normal de seu teste de Papanicolau.<br />

Fundação do Câncer faz campanha<br />

para comemorar 20 anos<br />

Para comemorar seus<br />

20 anos, a Fundação<br />

do Câncer pro mo -<br />

verá a partir de ju -<br />

nho uma campanha<br />

para apresentar os<br />

resultados dos esforços<br />

no combate à<br />

doença nesse pe -<br />

ríodo. Foca da no tema otimismo, ela será veiculada em meios<br />

eletrônicos, impressos, on-line e também em redes sociais.<br />

Uma das ações inovadoras se dará através de um aplicativo integrado<br />

com o Facebook: o usuário que clicar na linha do tempo do hotsite<br />

da campanha ganhará uma linha do tempo personalizada com as<br />

principais datas dos conteúdos postados no seu perfil (aniversário, casamento,<br />

nascimento do filho, título do clube para o qual torce) associadas<br />

aos eventos que marcaram a história da Fundação do Câncer.<br />

Para o superintendente da instituição, Jorge Alexandre Cruz, o<br />

objetivo é mostrar que a participação da sociedade civil é fundamental<br />

para apoiar ações de prevenção, detecção precoce e combate da<br />

doença. “No mundo todo, os governos sozinhos não dão conta do<br />

câncer. Por isso é tão importante mostrar os resultados do trabalho<br />

realizado”, explica.<br />

Maior sobrevida com uso de<br />

cetuximabe no tratamento<br />

de primeira linha em pacientes<br />

com câncer colorretal metastático<br />

Uma análise atualizada do estudo CRYSTAL de fase III publicada<br />

na última edição do Journal of Clinical <strong>Onco</strong>logy incluiu uma<br />

avaliação da sobrevida global, conforme o status de mutação do<br />

gene KRAS em pacientes com câncer colorretal metastático<br />

(CCRm), e mostrou que a adição de cetuximabe, do laboratório<br />

Merck Serono, à quimioterapia padrão (FOLFIRI) em pacientes<br />

com gene KRAS selvagem resultou em aumento de sobrevida<br />

global de 3,5 meses, comparado com tratamento com FOLFIRI<br />

isoladamente. O estudo CRYSTAL é o único a demonstrar até<br />

hoje expressiva melhora de sobrevida global de uma terapiaalvo<br />

associada com quimioterapia padrão (FOLFIRI) em tratamento<br />

de primeira linha do CCRm.<br />

O estudo CRYSTAL, multicêntrico e randomizado, envolveu<br />

1.198 pacientes para investigar a eficácia e a segurança do uso de<br />

cetuximabe em associação com FOLFIRI versus FOLFIRI isoladamente<br />

no tratamento de primeira linha de pacientes com CCRm.<br />

Em 2008, o estudo CRYSTAL foi reconhecido pela Sociedade<br />

Americana de <strong>Onco</strong>logia Clínica (ASCO) como um dos “maiores<br />

avanços clínicos em oncologia” naquele ano.<br />

<strong>Onco</strong>& junho/julho 2011 45


calendário<br />

II Congresso Brasileiro de<br />

Fisioterapia em <strong>Onco</strong>logia<br />

2011 ASCO Annual Meeting 3 a 7 de junho Chicago, IL, EUA www.asco.org<br />

1 o Fórum de <strong>Onco</strong>logia<br />

Pediátrica do Rio de Janeiro<br />

Simpósio Internacional de<br />

Mastologia (SIMRIO 2011)<br />

14 de junho Rio de Janeiro, RJ www.foprio.org.br<br />

17 e 18 de junho Rio de Janeiro, RJ www.inca.gov.br<br />

Uro-<strong>Onco</strong> 2011 17 de junho Ribeirão Preto, SP www.vsfutura.com.br<br />

Atualização em Nutrição<br />

<strong>Onco</strong>lógica<br />

XIII Congresso da Sociedade<br />

Brasileira de Radioterapia<br />

20 de junho Santos, SP<br />

lipeolino@yahoo.com.br<br />

Breast Cancer Conference 30 de junho e<br />

1<br />

São Paulo, SP<br />

o de julho<br />

46 junho/julho 2011 <strong>Onco</strong>&<br />

2011<br />

Evento Data Local Informações<br />

Neuro-<strong>Onco</strong>logia:<br />

um passo adiante<br />

XV Congresso da Sociedade<br />

Brasileira de Transplante<br />

de Medula Óssea<br />

2 a 4 de junho Rio de Janeiro, RJ www.inca.gov.br<br />

SoBRICE 2011 10 a 13 de agosto Búzios, RJ<br />

VIII Maratona Urológica<br />

Internacional<br />

IV Fórum de Enfermagem e<br />

Farmácia <strong>Onco</strong>lógica e II Fórum<br />

de Nutrição em <strong>Onco</strong>logia<br />

21 de junho Rio de Janeiro, RJ www.congressosdasbrt.com.br<br />

www.hybrida.com.br<br />

1 Porto Alegre, RS<br />

o de julho www.eventosnpa.com.br<br />

www.sobrice2011.com.br<br />

11 a 14 de agosto Rio de Janeiro, RJ www.inca.gov.br<br />

12 e 13 de agosto Rio de Janeiro, RJ www.maratonaurologica.com.br<br />

19 e 20 de agosto Recife, PE<br />

www.sequipe.com.br

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!