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Imagem corporal - Nestlé

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Publicação destinada aos Profissionais de Saúde • ano 4 • nº 12 • agosto 2010 • São Paulo • ISSN 2176-8463<br />

12<br />

<strong>Imagem</strong><br />

<strong>corporal</strong><br />

Causas e<br />

consequências<br />

de tanta<br />

insatisfação<br />

Dossiê Bio terapia nutricional na doença renal crônica<br />

Sementes encapsuladas arquitetura e escassez de recursos naturais<br />

A milenar cultura do chá e seus benefícios à saúde


Presidente da <strong>Nestlé</strong> Brasil<br />

nestlé Ivan F. Zurita<br />

editorial<br />

Conhecimento compartilhado<br />

Neste número da <strong>Nestlé</strong>.Bio, o leitor poderá conhecer o Simpósio Internacional <strong>Nestlé</strong> de Nutrição, que, em sua<br />

última edição, contou com dois prêmios Nobel e abrigou o importante debate sobre políticas públicas que levam<br />

em conta o estado da saúde, da economia e da nutrição.<br />

No Dossiê Bio, a nutricionista Lilian Cuppari, Professora afiliada da disciplina de Nefrologia da Universidade Federal<br />

de São Paulo (UNIFESP) e a nutricionista Flavia Baria nos trazem os mais recentes avanços na terapia nutricional<br />

das doenças renais crônicas.<br />

Em Ponto de Vista, Maria Rita Marques de Oliveira, Professora do Instituto de Biociências e da Faculdade de Ciências<br />

Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (UNESP), e a Doutora em Alimentos e Nutrição Lilian Galesi<br />

registram como a capacidade funcional pode constituir um indicador do estado nutricional em idosos.<br />

Em Palavra, a acadêmica Marle dos Santos Alvarenga nos fala de sua experiência no estudo dos distúrbios da<br />

imagem vinculados a transtornos alimentares e suas consequências para a saúde.<br />

Na seção Leitura Crítica, os Doutores Fábio Cardoso de Carvalho e Raquel Bedani discutem, respectivamente, uma<br />

possível mudança de paradigma na história natural da aterosclerose e uma nova perspectiva para a saúde humana<br />

a partir da modulação, pela dieta, da microbiota intestinal.<br />

Finalmente, em Sabor e Saúde, nos juntamos a estudantes de Nutrição e de Turismo da Universidade de São Paulo<br />

(USP) para uma visita guiada ao Mercado Municipal de São Paulo — ponto de encontro para sabores, aromas,<br />

aprendizado em nutrição e, até mesmo, fabulações sobre o Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade e o<br />

Movimento Modernista brasileiro.<br />

Graças a todos os profissionais de saúde que compartilham conosco seu conhecimento, uma boa leitura a todos.<br />

Direção Editorial: Ivan F. Zurita, Izael Sinem Jr. e Célia Suzuki<br />

Consultor Editorial: Claudio Galperin<br />

Conselho Consultivo: Pedro Simão<br />

Colaboradores: Juliana Lofrese, Maria Helena Sato, Anne Donnet, Jennifer Dean, Cédric Horton, Roberto Sato, Felipe Abramides<br />

Editor: Claudio Galperin Jornalista-responsável: MTb 12.834 Assistente Editorial: Maria Fernanda Elias Llanos Assistente de Redação: Betina Galperin<br />

Edição de Arte, Produção Gráfica e Pré-Media: D’Lippi Design+Print — (11) 3031.2900 — www.dlippi.com.br Edição de Arte: Paulo Primati e Ricardo Borges<br />

Arte-final: Ricardo Lugo Fotografia: Hans Georg, Iwan Baan, Marcos Fachini, Michigan State University, Philippe Prêtre (APG image Ltd - Swiss Media Center), Ricardo Teles<br />

e Shutterstock Ilustração: Félix Reiners, Maurício Negro e Tati Móes Capa: Maurício Negro Revisão: Eliete Soares Impressão: Mattavelli Tiragem: 40.000 exemplares<br />

A revista <strong>Nestlé</strong>.Bio é um produto informativo da <strong>Nestlé</strong> Brasil destinado a promover pesquisas e práticas no campo da ciência da nutrição realizadas no país e no exterior, sob os cuidados de um criterioso processo editorial.<br />

Alinhada ao histórico papel da <strong>Nestlé</strong> no apoio à difusão da informação científica, a revista abre espaço para a diversidade de opiniões, que consideramos ser essencial para o intercâmbio de ideias e conceitos inovadores.<br />

As declarações expressas na revista não refletem necessariamente o posicionamento institucional da companhia com relação aos temas tratados.


intercâmbio nestlé<br />

Sou nutricionista há 25 anos. Imaginem<br />

quantas publicações da área já<br />

recebi! E agora me percebo ansiosa<br />

esperando a revista de vocês chegar<br />

pelo correio. O que mais me atrai é<br />

a profundidade dos artigos. Mesmo<br />

quando curtos, não são rasos. E as<br />

ilustrações, as personalidades selecionadíssimas,<br />

o bom humor nas<br />

abordagens, as citações bibliográficas,<br />

tudo irretocável! Parabéns.<br />

Neusa Silvana Stoffel.<br />

Novo Hamburgo (RS).<br />

Gostaria de parabenizá-los pela excelente<br />

fonte de informação que vocês<br />

estão proporcionando a nós, profissionais<br />

de nutrição, com matérias atualizadas,<br />

objetivas, que muito contribuem<br />

para a reciclagem profissional.<br />

Lívia Garcia Mangieri. Salvador (BA).<br />

Gosto muito das reportagens da<br />

<strong>Nestlé</strong>.Bio. Os assuntos são atuais<br />

e os convidados muito expressivos<br />

na área da saúde e nutrição. Recebo<br />

seus exemplares periodicamente,<br />

mas me faltou a edição com a primeira<br />

parte do artigo Terapia nutricional<br />

da insuficiência hepática, um assunto<br />

que trabalho com minhas alunas.<br />

Gostaria de solicitá-la. Parabéns<br />

à <strong>Nestlé</strong> pela publicação!<br />

Zilda de Albuquerque Santos,<br />

Supervisora da Clínica de Nutrição<br />

e Docente do Curso de Nutrição do<br />

Centro Universitário Metodista IPA.<br />

Porto Alegre (RS).<br />

Aguardamos seus comentários<br />

e sugestões para o e-mail<br />

nestlebio@nestle.com.br ou para a<br />

caixa postal 11.177, CEP 05422-970,<br />

São Paulo (SP), com seu nome<br />

completo, registro profissional, local de<br />

trabalho e cidade de origem.<br />

04<br />

capa<br />

Marle dos Santos Alvarenga,<br />

nutricionista do Instituto de<br />

Psiquiatria do Hospital das Clínicas<br />

da Faculdade de Medicina da USP,<br />

fala sobre estudos que abordam a<br />

insatisfação com a imagem <strong>corporal</strong>.<br />

12<br />

conhecer<br />

Em simpósio organizado pela<br />

<strong>Nestlé</strong>, cientistas e lideranças<br />

mundiais discutem como<br />

transformações econômicas e<br />

sociais afetam o estado nutricional<br />

de diferentes grupos populacionais.<br />

17<br />

dossiê bio<br />

As nutricionistas Flavia Baria e Lilian<br />

Cuppari, filiadas à Universidade<br />

Federal de São Paulo, publicam a<br />

primeira parte do artigo Terapia<br />

Nutricional na doença renal crônica.<br />

22<br />

calendário<br />

Confira os próximos encontros,<br />

congressos e simpósios voltados<br />

para temas ligados à nutrição.<br />

23<br />

ponto de vista<br />

Maria Rita Marques de Oliveira<br />

e Lilian Galesi, da Universidade<br />

Estadual Paulista, discutem como<br />

a capacidade funcional pode<br />

constituir um indicador do estado<br />

nutricional entre idosos.<br />

24<br />

nutrição e cultura<br />

O pavilhão britânico da Expo Xangai,<br />

com sementes encapsuladas<br />

expostas ao sol, estabelece um<br />

diálogo entre a arquitetura e a<br />

escassez de recursos naturais.<br />

29<br />

qualidade<br />

O novo Molico TotalCálcio fornece<br />

100% das recomendações diárias<br />

de cálcio em apenas dois copos,<br />

além de ser rico em vitamina D.<br />

32<br />

foco<br />

O encontro da milenar cultura de beber<br />

chá com estudos contemporâneos<br />

sobre seus potenciais benefícios à<br />

saúde humana.<br />

38<br />

ÍNDICE<br />

resultado<br />

Unindo gastronomia e inclusão<br />

social, a Gastromotiva amplia o<br />

conceito de Economia Verde.<br />

42<br />

sabor e saúde<br />

Sob um mesmo teto, o prazer de<br />

comer, lições de nutrição e um<br />

encontro com Oswald de Andrade e<br />

o Modernismo brasileiro.<br />

46<br />

leitura crítica<br />

Estamos diante de uma mudança<br />

de paradigma em relação à<br />

aterosclerose? A manipulação da<br />

microbiota intestinal pode atenuar<br />

doenças e promover saúde?<br />

Confira estes temas na seção<br />

Leitura Crítica desta edição.


4 palavra


Existem na literatura várias definições para o termo<br />

imagem <strong>corporal</strong>, assim como discussões sobre as<br />

mudanças que a natureza dessa imagem podem sofrer<br />

ao longo da história e variar entre as diferentes<br />

culturas [1]. Os estudos nessa área buscam entender<br />

quais são os fatores que exercem papel no desenvolvimento<br />

e na manutenção dos distúrbios da<br />

imagem e dos transtornos alimentares, assim como<br />

suas consequências para a saúde [2].<br />

palavra<br />

entrevista_Maria Fernanda Elias Llanos<br />

foto_Ricardo Teles<br />

ilustrações_Maurício Negro<br />

com a imagem<br />

Insatisfação<br />

<strong>corporal</strong><br />

A palavra de Marle dos Santos Alvarenga<br />

A insatisfação com a imagem <strong>corporal</strong> pode levar à adoção de comportamentos<br />

nocivos à saúde na tentativa de se adequar ao modelo<br />

de beleza idealizado, mas muitas vezes distante do saudável. De<br />

modo geral, as mulheres apresentam nível de insatisfação <strong>corporal</strong><br />

maior do que os homens, assim como maior prevalência de transtornos<br />

alimentares. Estudos apontam a associação entre insatisfação<br />

<strong>corporal</strong> e sintomas depressivos, estresse, baixa autoestima, maior<br />

restrição alimentar e limitações quanto à prática de atividade física e<br />

outras ações em que ocorre a exposição do corpo [2].


6 palavra<br />

O termo "descontentamento normativo" se refere a uma<br />

realidade na qual a insatisfação não é uma exceção,<br />

mas a regra. Pode levar à depressão e ao isolamento social<br />

Atento a essas questões, um grupo de pesquisadoras<br />

da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade<br />

Federal de São Paulo (UNIFESP) conduziu um estudo<br />

com jovens universitárias de 37 instituições de educação<br />

superior, nas cinco regiões do Brasil. O objetivo foi<br />

o de avaliar a insatisfação <strong>corporal</strong> desta população e<br />

suas possíveis associações e correlações.<br />

A nutricionista Marle dos Santos Alvarenga, integrante<br />

do grupo, que também atua no Instituto de Psiquiatria<br />

do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da<br />

USP, compartilha sua experiência com os leitores da<br />

<strong>Nestlé</strong>.Bio e comenta sobre a metodologia e os resultados<br />

desta pesquisa.<br />

Qual é a definição mais aceita para o termo “imagem<br />

<strong>corporal</strong>” e por que estudar este tema?<br />

A definição mais aceita é a de Slade, que afirma que a<br />

imagem <strong>corporal</strong> é a imagem que o indivíduo tem em<br />

sua mente do tamanho e formas do seu corpo, bem<br />

como os sentimentos associados a essas características<br />

[3]. É importante estudar imagem <strong>corporal</strong> por<br />

sua relação com saúde física e mental, pela magnitude<br />

da insatisfação <strong>corporal</strong> nos dias de hoje — mesmo<br />

em crianças e adolescentes — e por ser um importante<br />

fator de risco para transtornos alimentares.<br />

A mulher ocidental contemporânea parece cada vez<br />

mais insatisfeita com a sua imagem <strong>corporal</strong>...<br />

Sim, vários estudos apontam neste sentido, além de<br />

isso ser perceptível no discurso das mulheres. O termo<br />

“descontentamento normativo” é utilizado para<br />

se referir a essa realidade, na qual a insatisfação<br />

não é a exceção e sim a norma. A grande maioria das<br />

mulheres deseja mudar algo em sua aparência, espe-<br />

cialmente o peso, pois vivemos em uma cultura que<br />

alimenta a insatisfação; as mensagens e imagens recebidas<br />

por elas trazem a “necessidade” de mudar, de<br />

“melhorar”. A mensagem geral é: você não pode estar<br />

bem da forma que está, transforme-se.<br />

Quais são as principais consequências disso para o<br />

indivíduo?<br />

A insatisfação com a imagem <strong>corporal</strong> pode levar à<br />

adoção de comportamentos perigosos na tentativa<br />

de modificar o peso e a aparência. Podem ocorrer<br />

desde problemas emocionais, como depressão, até<br />

isolamento social.<br />

Quais fatores influenciam o desenvolvimento de<br />

distúrbios da imagem <strong>corporal</strong>?<br />

Os distúrbios podem ser relacionados ao componente<br />

perceptivo da imagem <strong>corporal</strong> (se ver diferente daquilo<br />

que se é) e ao componente atitudinal (ter pensamentos,<br />

sentimentos e comportamentos inadequados<br />

em relação ao corpo e à forma). Fatores como os<br />

biológicos, psicológicos e familiares também exercem<br />

influência, assim como cultura e mídia. Esses mesmos<br />

fatores estão também implicados nos problemas<br />

de comportamento alimentar. Entretanto, pode-se dizer<br />

que o principal fator hoje seja o sociocultural, pois<br />

somos fortemente influenciados pelo ambiente onde<br />

vivemos, e, se nos dizem a todo momento que precisamos<br />

ser mais magros, mais fortes, torneados, sem<br />

rugas, jovens e belos, é muito fácil sentir-se insatisfeito<br />

e ter sentimentos e pensamentos inadequados em<br />

relação ao corpo.


E como avaliar a insatisfação <strong>corporal</strong>?<br />

Algumas escalas foram desenvolvidas para medir a<br />

satisfação <strong>corporal</strong>, como a Body Shape Questionnaire<br />

(BSQ) e a Body Attitude Questionnaire (BAQ). Escalas<br />

de Silhuetas também permitem a avaliação<br />

de forma simples e rápida, como as de Stunkard e<br />

Kakeshita — recentemente validadas para a população<br />

brasileira. A medida ocorre por meio da diferença<br />

entre o corpo atual e o corpo referido como ideal.<br />

Todos os instrumentos apresentam limitações e sua<br />

utilidade dependerá dos objetivos da pesquisa em<br />

questão. É preciso checar se foram validados para<br />

o público-alvo e quais dimensões da satisfação <strong>corporal</strong><br />

serão avaliadas [4,5,6,7].<br />

Qual ferramenta foi utilizada na pesquisa “Insatisfação<br />

com a imagem <strong>corporal</strong> em universitárias brasileiras”<br />

e por que o grupo optou por utilizá-la?<br />

Fizemos uso da Escala de Silhuetas de Stunkard,<br />

um dos primeiros instrumentos disponíveis na área<br />

de pesquisa sobre imagem <strong>corporal</strong> e amplamente<br />

utilizada. A escala possui algumas limitações, como<br />

uma representação pequena de figuras, quando se<br />

leva em conta o fato de ter relação direta com categorias<br />

do estado nutricional. Ela foi escolhida por<br />

sua simplicidade de aplicação e porque um trabalho<br />

brasileiro concluiu que é adequada e válida para<br />

estudo sobre imagem <strong>corporal</strong> na população feminina<br />

nacional. Além disso, na época, as Silhuetas de<br />

Kakeshita ainda não estavam validadas e publicadas<br />

no Brasil [2,7].<br />

Ainda sobre a pesquisa, por que considerar apenas o<br />

gênero feminino no grupo amostral?<br />

Estudamos jovens do sexo feminino quanto às atitudes<br />

alimentares e imagem <strong>corporal</strong> porque se sabe<br />

que estes problemas são mais prevalentes nessa<br />

população. Mas os homens também podem ter importante<br />

insatisfação <strong>corporal</strong> e estudos recentes<br />

apontam nesta direção. A diferença é que, muitas<br />

vezes, os homens querem ser maiores do que suas<br />

figuras atuais — uma vez que o modelo de beleza<br />

masculina “exige” músculos salientes e força. Entretanto,<br />

assim como as mulheres, muitos jovens<br />

também desejam ser mais magros e são insatisfeitos<br />

com seus corpos, sofrendo os mesmos riscos<br />

que a população feminina [2].<br />

palavra 7


8 palavra<br />

O que era visto como padrão de beleza no passado e<br />

o que se almeja hoje?<br />

O padrão do século passado era o de uma mulher<br />

com mais curvas e um homem menos musculoso.<br />

Atualmente, para serem belas, as mulheres devem<br />

ser magras, muito magras, e os homens devem ter<br />

o “torso em V” e “barriga tanquinho”. Os padrões de<br />

beleza sempre mudam e o problema não é o padrão<br />

atual, até porque com a diversidade de corpos e de<br />

formas qualquer padrão único seria injusto. O padrão<br />

de beleza atual se caracteriza por ser, provavelmente,<br />

aquele mais difícil de alcançar e o mais<br />

paradoxal: as pessoas nunca foram tão estimuladas<br />

a comer (pela disponibilidade e oferta de alimentos,<br />

tamanho das porções, comunicação intensa) e nunca<br />

se pediu que elas fossem tão magras!<br />

O IMC de ícones de beleza<br />

do século passado era<br />

em torno de 20-21, hoje<br />

encontra-se abaixo de 18,5<br />

Por que a busca por uma imagem idealizada se confunde<br />

cada vez mais com o combate ao sobrepeso e<br />

à obesidade?<br />

Porque o ideal proposto muitas vezes é irreal. Aquilo<br />

que se divulga hoje como uma mulher em boa forma<br />

normalmente equivale a um peso abaixo do mínimo<br />

saudável e as supostas imperfeições são corrigidas<br />

por programas de computador. Basta comparar o<br />

índice de Massa Corpórea (IMC) de mulheres consideradas<br />

ícones de beleza do século passado, como<br />

Marta Rocha e Marilyn Monroe, que era em torno de<br />

20-21, com o das celebridades chamadas de padrão<br />

de beleza hoje (abaixo da linha mínima de 18,5).<br />

Alguns acreditam, erroneamente, que a magreza deva<br />

ser estimulada e até idolatrada, em razão dos níveis<br />

atuais de obesidade. Na verdade, o que deve ser


estimulado são os bons hábitos: alimentação saudável<br />

e prática regular de atividade física. Pessoas com<br />

hábitos saudáveis são saudáveis e não é apenas o<br />

peso que determina isso. Estipular metas irreais faz<br />

com que as pessoas se sintam frustradas, aumentando<br />

a insatisfação <strong>corporal</strong> e levando muitos a desistirem<br />

de tentar algo mais saudável, pois sentem que a<br />

meta é impossível de ser atingida.<br />

Qual é o nível de insatisfação <strong>corporal</strong> dos brasileiros<br />

quando comparado à população de outros<br />

países?<br />

Diversos estudos apontam que a insatisfação <strong>corporal</strong><br />

em mulheres jovens é alta. Uma pesquisa recémpublicada<br />

realizada em 26 países concluiu que a insatisfação<br />

<strong>corporal</strong> é lugar-comum ao redor do mundo.<br />

Outros trabalhos nacionais também encontraram<br />

níveis altos de insatisfação. O que o nosso mostra de<br />

novidade é que esta insatisfação é generalizada para<br />

todas as regiões do Brasil e não está relacionada ao<br />

peso <strong>corporal</strong>, uma vez que mesmo as eutróficas desejavam<br />

ser menores (dos 64,4% de universitárias<br />

brasileiras que desejavam ser menores em algum<br />

grau, 70,6% eram de eutróficas) [2,8].<br />

Em que região do país ocorre maior índice de insatisfação?<br />

Renda e idade são variáveis significativas?<br />

Surpreendentemente, a insatisfação maior foi encontrada<br />

na Região Norte do país. Digo supreendentemente<br />

porque se imagina, de modo geral, que estas questões<br />

são mais importantes nas regiões mais desenvolvidas<br />

do país, o que não parece ser verdadeiro. Quanto à idade,<br />

em análise da resposta de qual figura as universitárias<br />

chamavam de ideal e saudável em relação ao seu<br />

estado nutricional, as mulheres mais velhas escolheram<br />

figuras menores. Não houve diferença significativa<br />

na escolha para a variável renda [2].<br />

É correto interpretar que as pessoas estão dispostas<br />

a abrir mão da saúde na busca pela imagem ideal?<br />

Sim, infelizmente as razões para as pessoas cuidarem<br />

de seu peso e corpo são normalmente estéticas<br />

e não sanitárias. O nosso estudo comparou o “eu ideal”<br />

com o “eu saudável”, e, em média, as estudantes escolheram<br />

como do tipo saudável figuras maiores do<br />

que as que escolheram como ideal. O aumento dos<br />

transtornos alimentares e a adesão a dietas “milagrosas”<br />

e outras técnicas alternativas na busca por<br />

perda de peso ou “melhora da aparência” mostram<br />

justamente que, muitas vezes, a aparência importa<br />

mais do que a saúde. Novamente, ocorre uma distorção<br />

do que é mais importante quando todas as celebridades<br />

magras são apresentadas como “em boa<br />

forma” e quando mulheres normais são chamadas de<br />

“cheinhas” [2].<br />

E como reverter esse quadro generalizado de insatisfação<br />

e busca por um ideal que não é o saudável?<br />

Seria preciso que os meios de comunicação exibissem<br />

imagens dos vários padrões de corpos para que<br />

as pessoas pudessem entender que eles também<br />

podem ser bonitos e saudáveis e terem expectativas<br />

de pesos mais reais. É possível também fazer um trabalho<br />

sobre educação em mídia para que as pessoas,<br />

especialmente os jovens, vejam as mensagens de<br />

forma mais crítica. Os profissionais de saúde devem<br />

contribuir tendo como foco real a saúde e os comportamentos<br />

saudáveis, e não peso e estética.<br />

A insatisfação é generalizada para<br />

todas as regiões do Brasil, mesmo<br />

entre as mulheres eutróficas<br />

palavra 9


10 palavra<br />

O homem é um onívoro que se alimenta de carne,<br />

vegetais e do imaginário. O simbólico também concorre<br />

para regrar nossa alimentação<br />

Existe a tendência de escolher os alimentos para<br />

consumo levando em consideração apenas a contribuição<br />

nutricional?<br />

Este é um foco atual. O alimento passou a agregar<br />

também o “regime das pessoas” e especialmente,<br />

desde a década de 1980 no Brasil, a questão das<br />

dietas trouxe o foco para as calorias. Isso apenas<br />

se intensificou com o tempo, mas não trouxe nenhuma<br />

diminuição da obesidade e contribuiu para o<br />

aumento dos transtornos alimentares. São muitos<br />

os aspectos considerados nas nossas escolhas alimentares,<br />

dentre eles o nutricional e o energético.<br />

Entretanto, se este for o único ou principal ponto da<br />

escolha alimentar, é sinal de que algo está errado<br />

e que a pessoa tem uma relação inadequada com<br />

os alimentos, podendo evoluir para um transtorno<br />

alimentar.<br />

Ter vontade de consumir determinado alimento,<br />

mesmo sem sentir fome, é considerada uma atitude<br />

adequada?<br />

Claro que sim. Afinal, o ser humano não come apenas<br />

por razões biológicas. Precisamos saciar a fome<br />

e consumir nutrientes, mas carecemos também de<br />

prazer, de satisfação, de celebração, de conforto —<br />

e a comida representa tudo isso para o ser humano.<br />

Claude Fischler, sociólogo francês, diz que: “O homem<br />

é um onívoro que se alimenta de carne, vegetais e do<br />

imaginário: a alimentação conduz à biologia, mas não<br />

se reduz a ela; o simbólico, os signos, os mitos, os<br />

fantasmas também alimentam e concorrem para regrar<br />

nossa alimentação”.<br />

O que é o Modelo de Competência Alimentar de Satter,<br />

utilizado em intervenções nutricionais?<br />

O modelo de Satter tem como premissa que as atitudes<br />

alimentares devem ter consonância com experiências<br />

internas e externas, incluindo uma expectativa relaxada<br />

das recompensas de prazer por meio da alimentação.<br />

Ele afirma que os comedores competentes têm<br />

atitudes positivas sobre a alimentação; são capazes<br />

de aceitar uma variedade de alimentos, em razão de<br />

suas habilidades de regulação interna, que permitem<br />

intuitivamente consumir alimento suficiente para ter<br />

energia e vigor e para manter um peso estável (e não<br />

em razão de prescrições externas); bem como capazes<br />

de administrar o contexto alimentar harmonizando<br />

desejos e escolhas [9].<br />

A insatisfação <strong>corporal</strong> afeta diretamente o prazer<br />

de comer?<br />

Sim, pois, quando se tem uma relação ruim com o<br />

corpo, esta relação pode se transferir para a alimentação.<br />

O alimento passa a ser visto como um “fornecedor<br />

de calorias” e um “engordante”. Isso ocorre<br />

também quando se fica preocupado com a eventual<br />

capacidade de o comer alterar ou não o corpo. A partir<br />

desse ponto, até as necessidades biológicas podem<br />

ser negadas, mas especialmente o prazer de comer.<br />

O comer (especialmente algo mais saboroso) passa<br />

a ser proibido e fonte de culpa, com o pensamento de<br />

que se deve comer apenas para “satisfazer as necessidades<br />

biológicas básicas”. Isso não é saudável e<br />

significa restringir as possibilidades, necessidades e<br />

a amplitude do ser humano.


Os aspectos sociais e psicológicos da alimentação<br />

costumam ser levados em consideração pela ciência<br />

da nutrição?<br />

Infelizmente, de modo geral, não. A ciência da nutrição<br />

normalmente foca apenas os chamados aspectos “pósdeglutição”,<br />

ou seja, no alimento e nas suas funções após<br />

digestão e absorção pelo organismo. Ela dá pouco valor<br />

aos aspectos “pré-deglutição”, que estariam implicados<br />

em cultura, sociedade, experiências, comportamentos e<br />

atitudes alimentares. Os estudos de Paul Rozin, Professor<br />

da Universidade da Pennsylvania, apontam que a relação<br />

que as pessoas têm com o alimento pode influenciar a<br />

sua saúde, uma vez que o prazer e a satisfação podem<br />

contribuir, enquanto o estresse tem um papel antagônico.<br />

Deveríamos estudar e dar mais atenção a esses aspectos<br />

e às atitudes alimentares das populações e não apenas à<br />

composição dos alimentos e das dietas [10].<br />

rEfErênCIAS<br />

Na sua visão, qual é o verdadeiro papel do alimento<br />

para o ser humano?<br />

O alimento não pode ser fonte de culpa, medo, obsessão<br />

e paranoia. Deve sim ser um facilitador de relações,<br />

elemento de festa, prazer, conforto, expectativa<br />

positiva, boas memórias, demonstração de afeto.<br />

A comida tem funções simbólicas tão importantes<br />

quanto as funções nutricionais. E acredito que é papel<br />

do nutricionista defender a tese de que as necessidades<br />

nutricionais devem ser atingidas juntamente<br />

com as necessidades culturais e simbólicas.<br />

palavra 11<br />

(1) Featherstone, M. Body, Image and Affect in Consumer Culture. Body & Society 2010;16:193.<br />

(2) Alvarenga, M.S., Philippi, S.T., Lourenço, B.H, et al. Insatisfação com a imagem <strong>corporal</strong> em universitárias brasileiras. J. bras. psiquiatr. 2010; 59(1): 44-51.<br />

(3) Slade PD. What is body image? Behav Resear Ther. 1994;32(5):497-502.<br />

(4) Di Pietro, M.C. Validade interna, dimensionalidade e desempenho da escala BSQ – “Body Shape Questionnaire” em uma população de universitários. [dissertação]. 2001.<br />

São Paulo: Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo.<br />

(5) Scagliusi, F.B., Polacow, V.O., Cordás, T.A., Coelho, D., Alvarenga, M., Phillipi, S.T.; et al. Psychometric testing and applications of the body attitudes questionnaire translated into<br />

Portuguese. Percep Motor Skills. 2005;101:25-41.<br />

(6) Kakeshita, I. S. Adaptação e validação de Escalas de Silhuetas para crianças e adultos brasileiros. 2008. 118 f. Tese (Doutorado em Psicobiologia) – Faculdade de Filosofia,<br />

Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008.<br />

(7) Stunkard, A., Sorensen, T., Schulsinger, F. Use of the Danish adoption register for the study of obesity and thinness. In: Kety, S. et al. The genetics of neurological and<br />

Psychiatric disorders, New York: Raven, 1983. p. 115-120.<br />

(8) Swami V., Frederick D.A., Aavik T. et al., 2010. The attractive female body weight and female body dissatisfaction in 26 countries across 10 world regions: results of the<br />

international body project I. Pers Soc Psychol Bull. 2010 Mar;36(3):309-25.<br />

(9) Satter, E. Eating Competence: Definition and Evidence for the Satter Eating Competence Model. J Nutr Educ Behav. 2007;39:S142-S153.<br />

(10) Rozin, P., Fischler, C., Imada, S., et al. Attitudes to food and the role of food in life in USA, Japan, Flemish Belgium and France: possible implications for the diet-health debate.<br />

Appetite 1999, 33, 163-180.


12 conhecer<br />

Membros da Diretoria do Conselho de nutrição da nestlé<br />

atentos às considerações finais do sr. Paul Bulcke,<br />

CEO da empresa, na cerimônia de encerramento do Simpósio<br />

Diversidade acadê


conhecer<br />

mica por um<br />

por_Teodoro Holck<br />

fotos_Philippe Prêtre (APG image<br />

Ltd - Swiss Media Center)<br />

mundo melhor<br />

O 6º Simpósio Internacional<br />

<strong>Nestlé</strong> de Nutrição recebe<br />

dois prêmios Nobel e<br />

promove o debate de<br />

políticas públicas que levam<br />

em conta o estado da saúde,<br />

da economia e da nutrição<br />

Uma vez por ano, no outono eu-<br />

ropeu antes de a neve congelar a Suíça,<br />

cientistas, economistas e intelectuais de<br />

várias áreas de atuação reúnem-se em<br />

Lausanne em simpósio de pesquisa organizado<br />

pela nestlé. num formato mais<br />

dinâmico e menos carregado do que os<br />

fóruns mundiais organizados pelas organizações<br />

políticas, o evento pode não<br />

levar a deliberações no plano diplomático,<br />

mas, desde a primeira edição há seis<br />

anos, prova que consegue pôr em pauta<br />

assuntos de primeira ordem.<br />

Enquanto não começa a edição deste ano do <strong>Nestlé</strong> International<br />

Nutrition Symposium (Simpósio Internacional nestlé<br />

de nutrição), agendada para outubro, economistas, biólogos,<br />

nutricionistas e outros profissionais de saúde vêm colocando<br />

em prática o que discutiram no último encontro — focado no entrelaçamento<br />

multidisciplinar de saúde, economia e nutrição.<br />

Para os participantes, este tripé foi identificado como a base do<br />

desenvolvimento sustentável.<br />

Por lá estiveram personalidades de peso como o Diretor<br />

da escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard (EUA)<br />

e ex-ministro mexicano da Saúde Julio frenk; o Professor da<br />

escola de relações Públicas e Internacionais da Universidade<br />

de Princeton (EUA), Uwe reinhardt; o Professor da escola de<br />

Administração do Imperial College de Londres, Inglaterra, Peter<br />

Smith; o Professor Paul Gertler, da Universidade da Califórnia,<br />

em Berkeley (EUA); e os norte-americanos vencedores do Prêmio<br />

nobel de Economia, robert fogel e James Heckman.<br />

São poucas as certezas, mas do intenso debate começam<br />

a surgir diagnósticos e esboços de soluções. Acima das<br />

retaliações diplomáticas e patriotismos em jogo, cada gestor de<br />

saúde, economista, entre outros especialistas, fala movido pela<br />

experiência na própria área de atuação, sem se atrelar a bandeiras.<br />

Desponta um franco debate em prol do desenvolvimento<br />

que, querendo ou não, fica a serviço da produção industrial.


14 conhecer<br />

Apresentação do Prof. Uwe reinhardt, da escola<br />

de relações Públicas e Internacionais da Universidade<br />

de Princeton (EUA), sobre Economia da Saúde<br />

Em linha com o modelo <strong>Nestlé</strong> de Criação de Valor<br />

Compartilhado [1], este simpósio representa uma con-<br />

tribuição ao debate global, uma vez que todas as pales-<br />

tras proferidas e todo o teor dos debates ficam disponíveis<br />

online depois do fórum [2]. Qualquer pessoa com<br />

acesso à internet pode conferir a troca de experiências e<br />

teorias compartilhadas a cada ano em Lausanne.<br />

Nesta sexta edição do encontro, o médico brasileiro<br />

e Professor de Pediatria da Universidade de Brasília<br />

Dioclécio Campos Júnior acompanhou os debates. “Foi<br />

um evento de altíssimo nível e extremamente produtivo”,<br />

lembra. “Deixou expectativas de que isso possa vir a<br />

se propagar de alguma maneira e contribuir para o aprimoramento<br />

do sistema de saúde no mundo todo”.<br />

Qualquer pessoa com acesso<br />

à internet pode conferir a<br />

troca de experiências e teorias<br />

compartilhadas em Lausanne<br />

Aberto aos relatos de cada participante sobre experiências<br />

bem-sucedidas em suas áreas de atuação, o<br />

simpósio serve de panorama do estado da saúde e da<br />

nutrição no planeta. A partir de exemplos vivos, vislumbram-se<br />

soluções que podem ser implementadas para<br />

driblar obstáculos à saúde das populações, promover o<br />

aumento da produtividade decorrente de um bem-estar<br />

generalizado e a manutenção da qualidade de vida.<br />

Nesse sentido, o Diretor de Pesquisa e Ciência da<br />

<strong>Nestlé</strong>, Peter van Bladeren, disse em sua primeira intervenção<br />

que “se falamos de saúde, falamos também de<br />

nutrição. Em nossa visão, cientistas desta empresa têm<br />

de fazer pessoas saudáveis ainda mais saudáveis”, resumiu.<br />

“É um mundo difícil”.<br />

Muito mais difícil de fato do que o simples raciocínio<br />

que costuma acompanhar reflexões sobre o desenvolvimento<br />

científico, seu impacto na nutrição e no<br />

surgimento de soluções industriais para a melhora dos<br />

alimentos produzidos em massa. No lugar da ideia de<br />

que crescimento econômico leva ao bem-estar social<br />

de forma quase automática, cientistas presentes ao encontro<br />

deram uma noção bem mais complexa das interrelações<br />

entre saúde, nutrição e economia.<br />

Ao mesmo tempo ovo e galinha<br />

“Essa relação é vista em geral de forma simples: cres-<br />

cimento econômico promove saúde ao criar infraestrutura<br />

sanitária, melhor nutrição e habitação e melhor acesso a<br />

serviços de alta qualidade”, resume Julio Frenk, Diretor da<br />

escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard. “Mas<br />

novas pesquisas têm demonstrado que boa saúde e nutrição<br />

não são apenas produtos, mas também condições<br />

para o crescimento econômico sustentável, reduzindo a pobreza,<br />

protegendo bens da família, aumentando a produtividade<br />

do trabalho e melhorando a performance educativa”.<br />

Na visão do Dr. Dioclécio, esses temas são “indissociáveis”.<br />

“Não tem como separar nutrição de saúde,<br />

saúde de economia, isso tudo é entrelaçado, sobretudo


Pesquisas têm demonstrado que boa saúde e nutrição não são apenas<br />

produtos, mas também condições para o crescimento sustentável<br />

na visão mais macroeconômica”, diz o brasileiro. “Um<br />

dos convidados abordou a importância de se investir em<br />

saúde como forma de melhorar a economia”.<br />

Esse convidado era o próprio Frenk. Em sua análise,<br />

deu alguns números que ajudam a dar corpo à equação<br />

do desenvolvimento a partir das melhoras na saúde<br />

pública. São dados da Comissão de Macroeconomia e<br />

Saúde da Organização Mundial da Saúde (OEA), criada<br />

Prof. Julio frenk, da escola de Saúde Pública da<br />

Universidade de Harvard (EUA), discorre sobre o tema<br />

Saúde, Economia e Políticas Públicas<br />

há dez anos para estudar o setor. “O relatório dessa comissão<br />

demonstrou que um aumento de 10% na expectativa<br />

de vida ao nascimento é associado a um crescimento<br />

econômico anual de 0,3% a 0,4%”, resume. “Essa<br />

descoberta levou a um aumento nos investimentos globais<br />

em saúde e nutrição, mas vimos que vamos precisar<br />

não só de mais dinheiro para a saúde, como também<br />

de mais saúde para o dinheiro”.<br />

Primeira infância<br />

Nessa dobradinha de saúde e dinheiro, entra outro<br />

fator de peso. Saúde sozinha não basta para impulsionar<br />

o crescimento econômico, como demonstraram as<br />

conferências em Lausanne. Boas condições físicas e<br />

boa nutrição na verdade são só pré-requisitos básicos<br />

para o bom desenvolvimento cognitivo. É a educação<br />

na primeira infância, segundo alguns palestrantes, que<br />

pode alavancar o desempenho acadêmico ao longo da<br />

vida e resultar em posições mais bem remuneradas no<br />

mercado de trabalho.<br />

“A espécie humana aprende a aprender mais nos<br />

seis primeiros anos de vida do que em qualquer outro<br />

período, porém, para isso, ela precisa de saúde adequada<br />

e educação, e não apenas de escolarização, mas da<br />

estimulação para o desenvolvimento intelectual”, avalia<br />

Dr. Dioclécio, com base nos depoimentos acompanhados<br />

no simpósio. “Não há nada que traga maior retorno<br />

econômico para a sociedade do que o investimento nesse<br />

período, e os países precisam entender isso”.<br />

Corroboram essa avaliação as observações do<br />

norte-americano James Heckman, atual Diretor do Centro<br />

de Pesquisa Econômica da Universidade de Chicago e um<br />

dos vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2000.<br />

Prof. Peter van Bladeren, Vice-presidente do nestlé<br />

Science & research e Diretor do nestlé research Center,<br />

em suas considerações iniciais<br />

conhecer 15


16 conhecer<br />

Seu foco tem sido o de reunir estatísticas científicas que<br />

servem de base para a elaboração de políticas públicas<br />

em saúde e economia, além de criar uma série de ferramentas<br />

de econometria para monitorar o setor.<br />

Parte fundamental do trabalho de Heckman, portanto,<br />

tem como base a medição da performance de<br />

estudantes nessa fase da vida e um cruzamento de dados<br />

com suas condições de saúde e nutrição. Com esse<br />

mesmo procedimento, outras pesquisas apresentadas<br />

em Lausanne ajudaram a dar contornos mais claros a<br />

questões específicas do setor de saúde.<br />

Estratégias e desdobramentos<br />

Peter Smith, da escola de Administração do Imperial<br />

College, em Londres, mostrou como vem construindo uma<br />

base de dados com informações de saúde e também de<br />

que maneira esses dados podem ser empregados no aperfeiçoamento<br />

do desempenho desse setor, tanto na esfera<br />

pública quanto privada. É uma base também consultada<br />

por legisladores na elaboração de políticas públicas.<br />

Sabendo também que, diante dos desafios do século<br />

21, é quase impossível atender a todas as demandas<br />

financeiras da área da Saúde, Paul Gertler, Diretor<br />

da escola de Gerenciamento de Serviços de Saúde da<br />

rEfErênCIAS<br />

Prêmio nobel de Economia, o Prof. James Heckman,<br />

da Universidade de Chicago (EUA), fala sobre a Origem<br />

Desenvolvimentista da Saúde do Adulto<br />

Universidade da Califórnia, em Berkeley, desenvolveu<br />

um método para mensurar a performance de trabalhadores<br />

no setor de Saúde e dispositivos para premiar<br />

aqueles que se destacam no serviço. Segundo sua<br />

análise, esse sistema que reconhece com mais dinheiro<br />

o desempenho de maior qualidade tem sido eficaz<br />

na melhora dos serviços oferecidos à população sem<br />

extrapolar orçamentos públicos.<br />

“Um dos problemas que os países enfrentam na<br />

oferta de serviços de saúde é o da escassez de profissionais<br />

motivados”, resume Gertler. “Uma alternativa é<br />

premiar trabalhadores desse setor pela performance,<br />

ou seja, pagamentos de incentivo pelas melhoras no desempenho<br />

medidas por indicadores de qualidade”.<br />

Gertler cita como exemplo o caso de Ruanda, país<br />

que em 2006 adotou o sistema. “Isso teve um impacto<br />

significativo e positivo nos partos em hospitais e consultas<br />

preventivas de crianças pequenas, além de melhorar<br />

a qualidade de exames de pré-natal e imunização<br />

de tétano”, conta. “Também vimos melhoras na altura e<br />

no peso das crianças nascidas nesses hospitais”.<br />

Na opinião do Dr. Dioclécio, que participou desse<br />

debate no encontro, trata-se de um dos pontos mais<br />

importantes na agenda também do Brasil, que precisa<br />

melhorar o Sistema Único de Saúde e poderia, segundo<br />

ele, adotar essa mesma estratégia. “Esse foi um dos temas<br />

que eu abordei mais”, diz o médico. “Até sugeri ao<br />

Ministério da Saúde que desencadeasse um simpósio<br />

internacional de saúde para discutir o SUS”.<br />

Enquanto os resultados deste encontro seguem<br />

ecoando proposições e desdobramentos em diferentes<br />

realidades do mundo, um novo grupo de especialistas<br />

prepara-se para a sétima edição do Simpósio Internacional<br />

<strong>Nestlé</strong> de Nutrição, em outubro próximo, focada<br />

em nutrição e epigenética [3].<br />

[1] www.nestle.com.br/portalnestle/criandovalorcompartilhado/ [2] www.nestle.com/NestleResearch/NewsAndEvents/<br />

AllNewsAndEvents/Nestle_Nutrition_Symposium_Nutrition_Health_Economics.htm [3] www.research.nestle.com/Events/7th+<br />

Nestl%C3%A9+International+Nutrition+Symposium+2010.htm


fLAVIA BArIA<br />

Nutricionista,<br />

Mestre em Nutrição<br />

e Doutoranda em<br />

Ciências pelo Programa<br />

de Pós-Graduação<br />

em Nutrição da<br />

universidade Federal de<br />

São Paulo - uNIFeSP<br />

LILIAn CUPPArI<br />

Nutricionista,<br />

Professora Afiliada da<br />

Disciplina de Nefrologia<br />

da universidade<br />

Federal de São Paulo –<br />

uNIFeSP.<br />

Supervisora de<br />

Nutrição da Fundação<br />

Oswaldo Ramos –<br />

órgão suplementar da<br />

uNIFeSP<br />

nOtA DO EDItOr<br />

1. Introdução<br />

A Doença Renal Crônica (DRC) é definida como uma síndrome clínica<br />

caracterizada por perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais.<br />

Segundo o Guia Norte-americano de Condutas em Nefrologia (NKF/DOQI<br />

– National Kidney Foundation/Clinical Practices Guidelines for Chronic<br />

Kidney Disease),[1] a DRC caracteriza-se pela presença de dano renal ou<br />

redução das funções renais por um período igual ou superior a três meses,<br />

independentemente de sua etiologia.<br />

Dados do último censo realizado nas unidades de diálise do Brasil mostraram<br />

uma prevalência de 468 pacientes em tratamento dialítico por milhão<br />

de habitantes. Destes, 89,4% estão em programa de hemodiálise e 10,6% em<br />

programa de diálise peritoneal. Chama a atenção o crescimento de 67,2%<br />

dossiê bio<br />

TeRAPIA<br />

NuTRICIONAl<br />

na doença<br />

renal crônica<br />

Em razão da importância e da extensão deste tema, o artigo foi dividido em duas partes. Nesta edição, ele prioriza a avaliação do paciente. Na próxima edição da<br />

<strong>Nestlé</strong>.Bio, ele discutirá, em detalhes, aspectos ligados à terapia nutricional.


18 dossiê bio<br />

no número de pacientes em diálise entre 1999 e<br />

2008 [2]. esse aumento pode refletir tanto o maior<br />

acesso ao tratamento dialítico quanto o envelhecimento<br />

da população e o crescimento do número<br />

de pacientes com doenças que são consideradas<br />

fatores de risco para o desenvolvimento de DRC,<br />

como o diabetes melito, a hipertensão arterial e a<br />

obesidade. A prevalência de DRC na fase não dialítica<br />

também é elevada e preocupante. No Brasil,<br />

estima-se que mais de 2 milhões de indivíduos<br />

apresentem algum grau de disfunção renal [3].<br />

As principais causas de DRC incluem a<br />

hipertensão, o diabetes melito e as glomerulonefrites.<br />

Já as causas menos frequentes compreendem<br />

os rins policísticos, as pielonefrites,<br />

o lúpus eritematoso sistêmico e as doenças congênitas.<br />

Vale a pena ressaltar que, independentemente<br />

da causa da DRC, a associação com<br />

obesidade, dislipidemia e tabagismo acelera a<br />

sua progressão, culminando com a necessidade<br />

de terapia renal substitutiva [3]. entretanto,<br />

tanto o diabetes como a hipertensão arterial se<br />

prevenidos, detectados precocemente, tratados<br />

corretamente e acompanhados por uma equipe<br />

multidisciplinar dificilmente evoluirão com<br />

complicações tão sérias.<br />

2. Doença renal Crônica<br />

A doença renal pode progredir mesmo na<br />

ausência da causa inicial que determinou a lesão<br />

no rim. Apesar de não se saber com exatidão<br />

de que forma a progressão ocorre, acredita-se<br />

que os glomérulos dos néfrons ainda funcionantes<br />

sofreriam, como consequência da redução<br />

do leito capilar glomerular total, uma hiperperfusão,<br />

com consequente hipertensão intraglomerular,<br />

hiperfiltração e hipertrofia glomerular.<br />

essas alterações funcionais e morfológicas<br />

determinam modificações na permeabilidade<br />

da membrana glomerular às proteínas, de forma<br />

que o aumento do tráfego de proteínas nos túbulos<br />

renais estimula a produção renal de fatores<br />

de crescimento, citocinas e hormônios. esses<br />

agentes seriam responsáveis pelos processos de<br />

proliferação celular renal, coagulação intraglomerular,<br />

recrutamento e proliferação de células<br />

imunológicas, aumento de matriz celular, proliferação<br />

colágena e fibrose. Outros fatores, como<br />

a hiperlipidemia, a retenção de fosfato, a acidose<br />

e as próprias toxinas urêmicas, parecem estar associados<br />

à progressão da lesão renal.<br />

A DRC pode ser dividida em seis estágios,<br />

a depender da taxa de filtração glomerular<br />

(TFG) (Tabela 1) [1].<br />

Tabela 1. Estadiamento da DRC [1]<br />

Estágio Classificação<br />

0<br />

1<br />

Sem lesão renal – grupos de<br />

risco para DRC<br />

Lesão renal, com TFG normal ou<br />

aumentada<br />

TFG (mL/<br />

min/1,73m 2 )<br />

≥90<br />

≥90<br />

2 Lesão renal com leve da TFG 89 a 60<br />

3<br />

Lesão renal com moderada<br />

da TFG<br />

59 a 30<br />

4 Lesão renal com grave da TFG 29 a 15<br />

Insuficiência renal terminal ou<br />

5<br />

fase dialítica<br />

TFG: taxa de filtração glomerular<br />


da DRC, tratar as complicações decorrentes da<br />

perda de função renal e preparar o paciente para o<br />

início da terapia dialítica. Já o tratamento dialítico<br />

tem a função de substituir parte das funções exercidas<br />

pelos rins, tais como promover a depuração<br />

de solutos, remover o excesso de líquido corpóreo<br />

e manter o equilíbrio ácido-básico. Os dois tipos<br />

de tratamento necessitam de um grande número<br />

de modificações dietéticas e dessa forma a orientação<br />

nutricional merece atenção especial.<br />

2.1 Aspectos nutricionais<br />

A redução da função renal contribui para<br />

o aparecimento de uma série de alterações sistêmicas,<br />

metabólicas e hormonais que podem<br />

afetar adversamente o estado nutricional dos pacientes<br />

com DRC.<br />

A desnutrição energético-proteica (DeP) é<br />

uma condição que atinge cerca de 37% a 48%<br />

dos pacientes com DRC e apresenta uma estreita<br />

relação com a morbidade e a mortalidade [4].<br />

As causas da DeP são multifatoriais, incluindo<br />

ingestão alimentar insuficiente, hipercatabolismo,<br />

inflamação, o procedimento dialítico per se<br />

e acidose metabólica [5].<br />

Apesar da elevada prevalência de DeP<br />

encontrada na DRC, tem-se observado um aumento<br />

na prevalência de sobrepeso e obesidade<br />

nessa população. estudos têm sugerido que a<br />

adiposidade pode estar associada ao desenvolvimento<br />

da DRC [6]. Além disso, a obesidade<br />

é um fator de risco tradicional para o desenvolvimento<br />

de doença cardiovascular, que é a<br />

principal causa de morbimortalidade nos pacientes<br />

com DRC. Por outro lado, há uma série<br />

de trabalhos que mostram que a sobrevida de<br />

pacientes em hemodiálise aumenta conforme o<br />

índice de massa <strong>corporal</strong> (IMC), o que confere<br />

dossiê bio 19<br />

à obesidade um caráter protetor [7]. As razões<br />

para este aparente paradoxo ainda são tema de<br />

grande debate e não estão bem estabelecidas.<br />

Por esse motivo, medidas conservadoras no sentido<br />

de manter os pacientes dentro de um peso<br />

e de uma condição nutricional adequados devem<br />

ser implementadas.<br />

A avaliação e o monitoramento do estado<br />

nutricional de pacientes com DRC, durante<br />

todos os estágios da doença, são fundamentais<br />

para prevenir, diagnosticar e tratar alterações nutricionais.<br />

Não há um parâmetro isolado que forneça<br />

informação ampla sobre a condição nutricional<br />

do paciente. Por isso, diferentes métodos<br />

devem ser utilizados para a avaliação. Medidas<br />

antropométricas e bioquímicas, avaliação global<br />

subjetiva (AGS) e análise do consumo alimentar<br />

devem fazer parte da avaliação nutricional desses<br />

pacientes.<br />

em razão dos distúrbios hídricos comumente<br />

presentes, devem-se ter alguns cuidados,<br />

como descontar do peso total o volume de<br />

líquido infundido na cavidade abdominal dos<br />

pacientes em diálise peritoneal, realizar as medidas<br />

antropométricas e AGS dos pacientes em<br />

hemodiálise após a sessão de diálise (momento<br />

no qual o paciente encontra-se mais próximo do<br />

seu peso “seco”) e realizar as medidas no braço<br />

contrário do acesso vascular.<br />

Os parâmetros laboratoriais devem ser interpretados<br />

com cautela e devem também ser<br />

utilizados em conjunto com parâmetros antropométricos<br />

e com métodos que avaliem o consumo<br />

alimentar. A Tabela 2 (na página seguinte)<br />

mostra os valores de normalidade de cada<br />

parâmetro para indivíduos saudáveis, os valores<br />

desejados para os pacientes com DRC e as suas<br />

respectivas limitações.


20 dossiê bio<br />

Tabela 2. Parâmetros bioquímicos mais utilizados na avaliação nutricional de pacientes com DRC: limites de normalidade, valores desejados e principais<br />

limitações [8]<br />

Parâmetro Limites de normalidade Valores desejados na DRC Limitações<br />

Albumina (g/dL) 3,5 a 5,0 >4,0 Vida média longa (17 a 19 dias)<br />

Aumenta na desidratação<br />

Reduz na hipervolemia<br />

Reduz na presença de inflamação<br />

Pré-albumina (mg/dL) 19 a 38 >30 Reduz na inflamação<br />

Transferrina (mcg/dL) 250 a 450 DLN Reduz na inflamação<br />

Pode estar aumentada por reduzido catabolismo renal<br />

Aumenta na deficiência de ferro<br />

Reduz na sobrecarga de ferro<br />

Creatinina (mg/dL) 0,6 a 1,2 Diálise >9 Não pode ser usada na fase não dialítica<br />

Contagem total de linfócitos (mm 3 ) 1.500 a 4.000<br />

DLN<br />


Tabela 3. Equações para o cálculo do Equivalente Proteico do Aparecimento de Nitrogênio (PNA) [9]<br />

Referências Bibliográficas<br />

[1] K/DOQI Clinical practice guidelines for<br />

chronic kidney disease: evaluation, classification<br />

and stratification. Am J Kidney Dis<br />

2002;39:S1-S246.<br />

[2] Departamento de informática da SBN. Registro<br />

Brasileiro de Diálise, 2008. http:// www.sbn.<br />

org.br.<br />

[3] Sociedade Brasileira de Nefrologia, Associação<br />

Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante,<br />

Sociedade Brasileira de enfermagem em<br />

Nefrologia, Associações de Pacientes Renais<br />

Crônicos. Perfil da doença renal crônica – o<br />

Fase não dialítica ou tratamento conservador<br />

PNA(g proteína/dia) = [(NUU(g)) + (0,031g N x Kg)] x 6,25<br />

Em que NUU = nitrogênio ureico urinário = volume urinário 24h(L) x [ureia urinária(g/L) ÷ 2,14]<br />

Hemodiálise<br />

PNA do início da semana<br />

PNA(g/kg/dia)= NUS pré-diálise ÷ {[36,3 + (5,48 x Kt/V)] + (53,5 ÷ Kt/V)} + 0,168<br />

Em que: NUS = nitrogênio ureico sérico(mg/dL) = ureia sérica(mg/dL) ÷ 2,14<br />

Para pacientes com função renal residual significativa, o NUS pré-diálise deve ser ajustado (NUSa)= NUS {1+[0,79 + (3,08 ÷ Kt/V)] x Kr÷V}<br />

Em que: Kr = clearance de ureia em mL/min; V = volume corpóreo(L)<br />

Cálculo do Kt/V<br />

Kt/V = -Ln (R - 0,008 x t) + [4 - (3,5 x R)] x UF ÷ P<br />

Em que: Ln = logarítmo natural; R = NUS pós-diálise ÷ NUS pré-diálise; t = duração da sessão de HD em h; UF = volume de ultrafiltração em L; P = peso pós-diálise em kg<br />

Normalização do PNA (nPNA)<br />

O PNA pode ser normalizado pelo peso corpóreo atual ou desejável:<br />

nPNA(g/kg/dia) = PNA(g/dia) ÷ PI (kg)<br />

Ou pelo cálculo do volume corpóreo:<br />

nPNA(g/kg/dia) = [PNA g/dia) ÷ (V ÷ 0,58)]<br />

Em que: V(L) = volume de água corpórea calculado pela fórmula de Watson:<br />

Homens<br />

V = 2,447 – [0,09156 x idade(anos)] + [0,1074 x estatura(cm)] + [0,3362 x peso(kg)]<br />

Mulheres<br />

V = - 2,097 + [0,1069 x estatura(cm)] + [0,2466 x peso(kg)]<br />

Não existe um protocolo estabelecido para<br />

avaliação do estado nutricional, mas em geral peso,<br />

IMC e PNA devem ser avaliados mensalmente nos<br />

pacientes em diálise e a cada 1 a 3 meses nos está-<br />

desafio brasileiro, 2007. http://www.prefeitura.<br />

sp.gov.br/cidade/secretarias/.../Doenca_Renal_<br />

Cronica.pdf<br />

[4] Avesani CM, Carrero J, Axelsson J, et al. Inflammation<br />

and wasting in chronic kidney disease:<br />

partners in crime. Kidney Int 2006;70:S8-S13.<br />

[5] Koople JD. McCollum Award lecture, 1996.<br />

Protein-energy malnutrition in maintenance<br />

dialysis patients. Am J Clin Nutr 1997;<br />

65(5):1544-57.<br />

[6] Kramer H, Saranathan A, luke A, et al.<br />

Increasing BMI and obesity in the incident<br />

gios 4 e 5 da DRC. Albumina sérica, pré-albumina<br />

e colesterol podem ser determinados a cada 3 a 6<br />

meses nos pacientes clinicamente estáveis. Outras<br />

medidas devem ser realizadas a cada 6 meses.<br />

dossiê bio 21<br />

end-stage renal disease population. J Am Soc<br />

Nephrol 2006;17:1453-9.<br />

[7] Kalantar-Zadeh K, Block G, Humphreys MH,<br />

et al. Reverse epidemiology of cardiovascular risk<br />

factors in maintenance dialysis patients. Kidney<br />

Int 2003;63:793-808.<br />

[8] Fouque D, Vennergoor, Wee PT, et al. EBPG<br />

Guideline on nutrition. Nephrol Dial Transplant<br />

2007;22:ii45-ii87.<br />

[9] K/DOQI Clinical practice guidelines for nutrition<br />

in chronic renal failure. Am J Kidney Dis<br />

2000;35:S1-S139.


calendário<br />

set.<br />

59° Congresso Brasileiro<br />

de Coloproctologia<br />

>> 3 a 6<br />

O encontro deste ano será realizado em duas sessões<br />

simultâneas, permitindo maior diversidade de temas<br />

abordados e participação dos coloproctologistas.<br />

A sede será a cidade do Rio de Janeiro (RJ).<br />

Para inscrições: www.jz.com.br/congressos/<br />

coloproctologia/coloproctologia.htm<br />

29º Congresso Brasileiro de<br />

Endocrinologia e Metabologia >> 4 a 7<br />

O evento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e<br />

Metabologia (SBEM) acontecerá em Gramado, no Rio Grande<br />

do Sul. As informações preliminares estão disponíveis no<br />

site www.cbem2010.com.br/index.php<br />

>> Ao patrocinar e divulgar encontros científicos na área de Nutrição,<br />

a <strong>Nestlé</strong> espera contribuir para que profissionais de saúde<br />

possam debater e compartilhar suas experiências a partir da<br />

produção acadêmica mais recente. Confira alguns dos principais<br />

eventos que vão ocorrer no segundo semestre de 2010.<br />

out. nov.<br />

32nd ESPEN Congress >> 5 a 8 13º Congresso Brasileiro de >> 23 a 25<br />

Após 12 anos, a European Society for Clinical<br />

Ensino e Pesquisa em Saúde<br />

Nutrition and Metabolism volta a sediar seu<br />

da Criança e Adolescente<br />

congresso em Nice (França). Detalhes sobre o<br />

Porto Alegre será sede do evento que discutirá a<br />

evento estão disponíveis no site<br />

formação do pediatra do século XXI e suas áreas de<br />

www.espen.org/congress/nice2010/default.html atuação. Para mais informações acesse:<br />

www.ensinoepesquisa2010.com.br<br />

XIV Congresso Brasileiro<br />

de Nutrologia >> 15 a 17<br />

Simultaneamente, acontecem a XV Conferência sobre<br />

XI Congresso Brasileiro<br />

de Adolescência >> 23 a 26<br />

Obesidade e Síndrome Metabólica, a VII Conferência O principal tema a ser discutido durante o evento será<br />

de Direito Humano a Alimentação Adequada e<br />

o percentual elevado de jovens em idade escolar com<br />

a VIII Annual Meeting International Colleges for<br />

insatisfação <strong>corporal</strong> e suas associações. O encontro<br />

Advancements of Nutrition. Inscrições pelo site da vai ocorrer em Salvador e a programação pode ser<br />

ABRAN: www.abran.org.br/congresso<br />

conferida em: www.adolescencia2010.com.br<br />

4º Congresso Internacional de Bioprocessos<br />

na Indústria de Alimentos >> 5 a 8<br />

XVI Congresso Brasileiro<br />

de Infectologia Pediátrica >> 3 a 6<br />

XX Congresso Brasileiro<br />

de Perinatologia >> 21 a 24<br />

A proposta do evento é a de promover a inter-relação<br />

O enfoque do encontro contemplará as enfermidades<br />

Simultaneamente ao evento, acontece a<br />

entre a comunidade acadêmica e o setor empresarial.<br />

infecciosas e o aprimoramento dos métodos<br />

XVII Reunião de Enfermagem Perinatal.<br />

O Congresso ocorre em Curitiba (PR) simultaneamente<br />

diagnósticos, visando principalmente à prevenção e à O tema central é A busca constante da<br />

ao X Encontro Regional Sul de Ciência e Tecnologia de<br />

atualização na terapêutica. Acontece em Florianópolis: qualidade: da Assistência Perinatal hoje<br />

Alimentos. Mais informações: www.icbf2010.com<br />

www.infectoped2010.com.br<br />

à vida futura e as inscrições podem ser<br />

33º Simpósio Internacional<br />

de Ciências do Esporte >> 7 a 9<br />

XX Congresso Brasileiro de Ciência e<br />

Tecnologia de Alimentos (CBCTA) >> 7 a 10<br />

feitas pelo endereço:<br />

www.perinato2010.com.br<br />

Organizado pelo CELAFISCS (Centro de Estudos do<br />

Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul),<br />

o encontro deste ano, em São Paulo, apresenta o tema<br />

A capital da Bahia foi escolhida para sediar o evento,<br />

cujo tema será Ciência e Tecnologia de Alimentos:<br />

Potencialidades, desafios e inovações. Outras<br />

IX Semana Brasileira do<br />

Aparelho Digestivo (SBAD)<br />

>> 21 a 25<br />

Boas práticas na atividade física e no esporte. Para a<br />

informações: www.cbcta.com.br<br />

O evento vai ocorrer em Florianópolis (SC) e<br />

programação, acesse: www.simposiocelafiscs.org.br<br />

Simpósio “Perspectivas da Nutrição<br />

na Era Pós-Genoma” >> 22 a 23<br />

VIII Curso de Atualização<br />

em Pediatria<br />

>> 7 a 10<br />

O Departamento de Pediatria da Universidade Federal<br />

apresenta programa científico abrangente,<br />

com destaque para refluxo gastroesofágico,<br />

doenças inflamatórias intestinais e<br />

neoplasias. As inscrições devem ser feitas<br />

Promovido pela Sociedade Brasileira de Alimentação e<br />

de São Paulo (UNIFESP), com o apoio da Sociedade de<br />

pelo site: www.sbad.org.br<br />

Nutrição (SBAN), o evento visa debater as pesquisas de<br />

Pediatria de São Paulo, realiza, em São Paulo, a oitava<br />

interação gene-nutriente. A cidade de Aracaju foi escolhida<br />

edição do curso. Mais informações:<br />

como sede. Mais informações: www.sban.com.br<br />

www.pediatria.epm.br/viiicurso/viiicurso.html


Capacidade funcional: indicador<br />

do estado nutricional entre idosos<br />

Todos nós, profissionais da saúde, concordamos<br />

que o adequado estado nutricional é fator determinante<br />

para uma vida longa e saudável. entretanto, ainda<br />

não chegamos a um consenso sobre quais indicadores<br />

definem um adequado estado nutricional. entre<br />

os idosos, essa tarefa é para nós ainda mais complexa,<br />

uma vez que as manifestações da desnutrição e do processo<br />

de envelhecimento mutuamente se confundem.<br />

É buscando contribuir para essa temática que temos<br />

desenvolvido alguns de nossos trabalhos de pesquisa.<br />

O aumento da expectativa de vida está associado<br />

à maior prevalência de doenças crônicas. Condições<br />

como demência, fraturas, doenças reumatológicas,<br />

acidente vascular cerebral, doenças visuais, cardiovasculares<br />

e pulmonares têm levado ao aumento do<br />

número de idosos com incapacidades cognitivas e<br />

mecânicas e a um quadro de sobrevivência de idosos<br />

dependentes de terceiros.<br />

A maioria dos idosos com idade avançada tornase<br />

frágil e apresenta mudanças visíveis na capacidade<br />

funcional, a qual se deteriora aos poucos. A perda da autonomia<br />

e o comprometimento de funções que dificultam<br />

atividades simples como caminhar, alimentar-se e<br />

banhar-se podem estar presentes, exigindo mais cuidados.<br />

esses idosos estão expostos ao risco nutricional,<br />

uma vez que a incapacidade de se alimentarem<br />

sozinhos e o acesso dificultado aos alimentos levam à<br />

ingestão diminuída. especialmente nessa população,<br />

os indicadores indiretos e subjetivos do estado nutricional<br />

tornam-se importantes, apresentando melhor<br />

associação com a preservação da vida.<br />

em pesquisa recente com idosos recém-hospitalizados,<br />

verificamos que todas as variáveis relativas<br />

à capacidade funcional foram significativamente associadas<br />

ao estado nutricional (Oliveira et al., 2009). um<br />

terço dessa população classificou-se com desnutrição.<br />

O estado nutricional foi avaliado pela Miniavaliação<br />

Nutricional, e a capacidade funcional pelos Índices de<br />

Atividades de Vida Diária e de Atividades Instrumentais<br />

de Vida Diária. A deterioração do estado nutricional<br />

foi associada ao consumo alimentar reduzido, perda<br />

de peso recente, doença associada ao estresse, grau<br />

de autossuficiência e incapacidade funcional. O estado<br />

nutricional debilitado acompanhado da capacidade<br />

funcional reduzida explica-se pelo fato de indivíduos<br />

desnutridos serem mais dependentes e apresentarem<br />

maior dificuldade para estabelecerem comunicação e,<br />

então, satisfazerem suas necessidades. embora não se<br />

possa deixar de levar em conta o próprio processo da<br />

doença, que debilita simultaneamente o estado nutricional<br />

e a capacidade funcional do enfermo.<br />

entre os resultados de sua tese de doutorado,<br />

com 150 idosos institucionalizados, Galesi (2010)<br />

encontrou importante associação do estado nutricional<br />

debilitado com o uso de cadeira de rodas, a<br />

incapacidade de locomoção, de levantar-se de uma<br />

cama, de banhar-se e se vestir, além da incontinência<br />

urinária e fecal. Resultados semelhantes aos de Soini<br />

et al. (2006) e Norman et al. (2007), que encontraram<br />

associação da desnutrição energético-proteica<br />

com a perda de peso, exaustão, baixa velocidade de<br />

caminhada, força manual reduzida e inatividade física<br />

associadas. Bartali et al. (2006), por sua vez, encontraram<br />

associação das limitações físicas com risco<br />

aumentado de dieta inadequada.<br />

Quanto ao idoso hospitalizado, ainda carecemos<br />

de instrumentos e protocolos de cuidados específicos<br />

nos quais fatores como falta de apetite, fadiga, dor<br />

e saciedade precoce podem reduzir a ingestão alimentar.<br />

A intervenção correta ajuda a reduzir a mortalidade,<br />

melhorar a qualidade de vida e reduzir os<br />

custos de internação hospitalar. A partir das nossas<br />

pesquisas, afirmamos a necessidade de atenção especial<br />

à capacidade funcional durante o planejamento<br />

da assistência nutricional para idosos, especialmente<br />

quando estão debilitados por doenças.<br />

ponto de vista<br />

MARIA RITA MARQUES DE OLIVEIRA<br />

Profa. do Depto. de Nutrição<br />

do Instituto de Biociências da<br />

universidade estadual Paulista<br />

(uNeSP) e do Programa de<br />

Pós-Graduação em Alimentos<br />

e Nutrição da Faculdade de<br />

Ciências Farmacêuticas (FCFAR)<br />

da uNeSP.<br />

LILIAN FERNANDA GALESI<br />

Doutora em Alimentos e<br />

Nutrição pela FCFAR-uNeSP,<br />

Araraquara-SP.<br />

rEfErênCIAS<br />

Bartali B et al. Nutrition and aging low<br />

nutrient intake is an essential<br />

component of frailty in older persons.<br />

Journal of Gerontology, v.61a, n.6,<br />

p.589–593, 2006.<br />

Caldas CP. Envelhecimento com<br />

Dependência: responsabilidades e<br />

demandas da família. Cadernos de<br />

Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.3, n.19,<br />

p.773-781, 2003.<br />

Galesi LF. Vigilância nutricional em<br />

idosos: proposta para cuidadores<br />

sem formação específica. 2010. Tese<br />

(Programa de Pós-Graduação em<br />

Alimentos e Nutrição) – Faculdade de<br />

Ciências Farmacêuticas, Universidade<br />

Estadual Paulista, Araraquara-SP.<br />

Knickman JR & Snell EK. The 2030<br />

Problem: Caring for Aging Baby<br />

Boomers. Health Services Research,<br />

v.37, n.4, p.848-884, 2002.<br />

Norman K et al. Is bioelectrical impedance<br />

vector analysis of value in the elderly<br />

with malnutrition and impaired<br />

functionality? Nutrition, v. 23,<br />

p.564–569, 2007.<br />

Oliveira MRM et al. Nutritional status and<br />

functional capacity of hospitalized<br />

elderly. Nutrition Journal, v.8, n.54,<br />

2009.<br />

Soini H et al. Oral and Nutritional Status – Is<br />

The MNA a Useful Tool for Dental Clinics.<br />

The Journal of Nutrition, Health &<br />

Aging. v.10, n.6, 2006.


nutrição e cultura<br />

por_Teodoro Holck<br />

ilustrações_Tati Móes<br />

fotos_Iwan Baan<br />

Arquitetura<br />

orgânica<br />

Reflexões a partir da catedral<br />

de sementes do pavilhão britânico na Expo Xangai<br />

no meio de um terreno de 6.000 metros quadrados, o pavilhão britânico na Expo Xangai desponta como ouriço<br />

translúcido. É a ideia um tanto performática e extravagante de encastelar o verde, metonímia para o vigor orgânico,<br />

num objeto arquitetônico com missão diplomática e comercial.<br />

Em forma de cubo, é uma grande estrutura formada por 60 mil hastes de fibra ótica espetadas num volume central.<br />

na ponta de cada uma dessas hastes, uma semente está encapsulada, exposta à luz do sol. É essa mesma luz filtrada que<br />

viaja pelos sete metros de cada fibra transparente para iluminar, em milhares de pontos, o interior do edifício. Visto de dentro,<br />

o teto lembra uma galáxia de pequenas estrelas, que são as sementes a distância.<br />

Quando sopra o vento, esses fios transparentes balançam na brisa, agitando no ar as mais de 200 mil espécies<br />

de sementes colhidas para o pavilhão. Estendendo a poesia dos arquitetos, é como se cada uma fosse flutuar pelos<br />

ares a qualquer momento, espécie de dente-de-leão a pulverizar seu conteúdo ao longo do estirão do rio Huangpu.


Mais de 200 mil<br />

espécies de sementes<br />

encapsuladas por<br />

hastes de fibra ótica<br />

com 7,5 metros<br />

de extensão<br />

Isso porque numa exposição universal cada país<br />

tenta mostrar o que tem de melhor. Nada é gratuito e<br />

a missão é impressionar. No pavilhão do Reino Unido,<br />

montado para a maior mostra mundial já organizada na<br />

história desse tipo de evento, Londres gaba-se de ser a<br />

metrópole mundial com mais áreas verdes em sua malha<br />

urbana.<br />

Também lembra o fato de o primeiro parque público<br />

do planeta ter surgido na terra de Shakespeare e a<br />

criação do Royal Botanic Gardens, em Kew, com um laboratório<br />

de estudo de sementes que reúne agora 25% das<br />

espécies de plantas existentes no planeta.<br />

Encomendado ao designer Thomas Heatherwick,<br />

do Heatherwick Studio, o projeto do pavilhão precisava<br />

atender a três quesitos. Primeiro, tinha de ser uma estrutura<br />

que pela forma já deixasse claro qual seria seu<br />

conteúdo. Em segundo lugar, era preciso criar espaços<br />

abertos em abundância, para que o público pudesse escolher<br />

entrar no pavilhão ou contemplar sua fachada a<br />

distância. Por último, o governo britânico exigiu que este<br />

fosse diferente de todos os outros pavilhões em Xangai.<br />

nutrição e cultura 25<br />

Os filamentos<br />

transformam a área<br />

interna da "catedral"<br />

em uma galáxia<br />

de sementes


26 nutrição e cultura<br />

Este projeto simboliza uma espécie de retorno ao<br />

mundo pré-revolução industrial. Ao estado das coisas<br />

antes do surgimento das exposições universais<br />

Em um evento de relevância geopolítica como uma<br />

exposição universal, esse apelo exacerbado dos britânicos<br />

ao verde faz todo sentido. Mas parece dar um passo<br />

além do programa. Se está embutido nessa estrutura<br />

todo o discurso em prol da sustentabilidade e o surrado<br />

panfletarismo ecológico, também está presente um<br />

aceno discreto à potência das sementes como alimento.<br />

Sublinham, com certa sutileza, a natureza comestível<br />

dessa arquitetura, extravasando para além da forma<br />

seu caráter orgânico.<br />

Não deixa de ser curioso que esse tipo de fusão entre<br />

arquitetura e comida tenha aparecido com pompa e certa<br />

eloquência numa ocasião como a Expo Xangai. Contrasta o<br />

vigor da coisa viva, processada por organismos para virar<br />

energia, com a decadência e a perda de importância das<br />

exposições universais, relegadas a segundo plano político<br />

e comercial desde a Segunda Guerra Mundial.<br />

1851 – Palácio de Cristal (Londres):<br />

marco das grandes construções,<br />

destruído no início do século passado<br />

1889 – Torre Eiffel (Paris): estrutura<br />

mais alta do mundo por 40 anos,<br />

localizada no Champ de Mars<br />

De certa forma, a mensagem implícita nessa arquitetura<br />

de sementes, projeto biodegradável que será<br />

todo reciclado ao término da mostra, é a de devolver o<br />

mundo à ordem primordial. É a ideia de aparar arestas,<br />

restaurar uma natureza a seu estado prístino, de antes<br />

do aquecimento global, da superpopulação, dos excessos<br />

e cataclismas.<br />

É uma espécie de retorno ao mundo pré-revolução<br />

industrial, ou seja, o estado das coisas antes do<br />

surgimento das exposições universais. A primeira exposição<br />

desse tipo, que ocorreu, não por acaso, em<br />

Londres, em 1851, inaugurou o bicentenário de exploração<br />

desmedida, que culminou em um mundo de secas,<br />

fome e poluição, espécie de falência múltipla dos<br />

órgãos naturais.<br />

1925 – Pavillon de l’Esprit Nouveau (Paris): projetado<br />

por Le Corbusier, um dos maiores arquitetos do século 20


1937 – Pavilhão Soviético (Paris):<br />

imponente construção dedicada à arte<br />

e à tecnologia na vida moderna<br />

Dentro de uma estrutura de ferro e vidro, o Palácio<br />

de Cristal, que acabou destruído no início do século<br />

passado, a Grande Exposição de Londres foi o ponto de<br />

partida para o capitalismo espetacular, a junção da aristocracia<br />

combalida à burguesia pujante, tudo em prol do<br />

consumo desenfreado, que serviria para bancar a tão<br />

almejada modernidade.<br />

No rastro de Londres, Paris fez sua primeira exposição<br />

universal em 1889, marcada pela construção da Galerie<br />

des Machines, então a maior sala do mundo, e da Torre<br />

Eiffel, hoje símbolo da cidade, e na época a construção mais<br />

alta do mundo, só superada 40 anos depois de erguida.<br />

Uma década depois, na mostra da virada do século,<br />

em 1900, a cidade-luz apostou no art nouveau e formas<br />

em ferro retorcido, o ápice da modernidade então, que<br />

sobrevive até hoje nas estações de metrô da capital francesa.<br />

Le Corbusier, arquiteto franco-suíço considerado um<br />

dos pais do modernismo, exaltaria sua visão de moderno<br />

no Pavillon de l’Esprit Nouveau, em 1925. Quatro anos depois,<br />

Mies van der Rohe lançou a célebre cadeira Barcelona<br />

na mostra universal da cidade espanhola.<br />

Se por um lado as mostras mundiais foram terrenos<br />

para reunir toda a modernidade do mundo, uma prova<br />

do que o desenvolvimento humano é capaz de atingir,<br />

nas palavras do príncipe Albert, quando abriu a primeira<br />

exposição de Londres, também virou arena de excessos<br />

kitsch e amostras até fálicas de poderio político. Em<br />

1937, o pavilhão alemão, de Albert Speer, digladiando<br />

na paisagem com o pavilhão soviético, de Boris Iofan,<br />

ilustra bem essa ideia.<br />

Esse estado de excessos, querendo ou não, dura<br />

até hoje. Enquanto sai de voga no mundo desenvolvido,<br />

ainda é palavra de ordem e símbolo de status nas economias<br />

emergentes. A China consolida seu poder global<br />

sediando esse tipo de evento e Londres tenta dar o sinal<br />

de novos tempos com seu pavilhão orgânico, sustentável,<br />

comestível.<br />

nutrição e cultura 27<br />

Paris fez sua primeira exposição universal<br />

em 1889, marcada pela construção<br />

da Galerie des Machines e da Torre Eiffel<br />

2010 – Catedral de Sementes (Xangai): estrutura<br />

orgânica projetada por thomas Heatherwick


28 nutrição e cultura<br />

Uma necessidade do verde na arquitetura vem ga-<br />

nhando cada vez mais peso nos últimos anos. Embalada<br />

pela crise econômica de dois anos atrás, a arquitetura<br />

atual descarta projetos mirabolantes, o estilo que teve<br />

seu ápice em empreendimentos imobiliários da dimensão<br />

dos vistos em Dubai e outras metrópoles emergentes, e<br />

cede terreno às obras efêmeras, autoconsumíveis.<br />

Nas artes visuais, o alarme já estava dado, transbordando<br />

às vezes para o terreno da arquitetura. Marta<br />

Minujin, artista conceitual argentina, soube devorar o<br />

símbolo fálico dos excessos quando fez uma réplica do<br />

obelisco da avenida Nueve de Julio, em Buenos Aires, de<br />

pão doce. Instalou uma performance em praça pública,<br />

em que tombava seu monumento de rosquinhas para<br />

que fosse devorado pela população vítima dos horrores<br />

da ditadura argentina.<br />

Na mesma época, fim dos anos 1970, o artista<br />

alemão Joseph Beuys denunciou os abusos do mundo<br />

refazendo o encanamento do espaço expositivo com<br />

tubos transparentes. Bombeou mel pela estrutura aparente,<br />

em alusão ao trabalho coletivo das abelhas, ideia<br />

mais próxima da perfeição que o socialismo almejava.<br />

Também chegou a usar chocolate, linguiças, gelatina,<br />

margarina, manteiga e gordura em suas obras.<br />

Trabalhos de Maria Thereza Alves, artista brasileira<br />

radicada na Europa há mais de três décadas, têm a<br />

O verde ganha<br />

cada vez<br />

mais peso na<br />

arquitetura<br />

atual, embalada<br />

pela crise<br />

econômica de<br />

dois anos atrás<br />

mesma pegada. Mais próxima das ideias da Seed Cathedral,<br />

nome do pavilhão britânico na atual Expo Xangai,<br />

ela traça as origens das sementes que encontra em terrenos<br />

que esquadrinha para suas obras. Cada vez que<br />

participa de uma exposição, elege um trecho de terra<br />

para destrinchar as relações comerciais e políticas que<br />

culminaram naquele espaço.<br />

Sua obra é o oposto da arquitetura pomposa dos<br />

britânicos. Em vez de explodir em três dimensões, com<br />

a volúpia das fibras óticas, Maria Thereza leva ao espaço<br />

expositivo uma caçamba de terra e retira dali as<br />

sementes caídas ao acaso. Descobre que a China teve<br />

rotas comerciais com a África, que magnatas europeus<br />

trouxeram sem saber algumas espécies traficadas do<br />

novo mundo, que os camelos presenteados ao imperador<br />

traziam nas patas sementes de algumas espécies<br />

de plantas hoje dadas por nativas da China.<br />

É de uma sofisticação ímpar esse traçado arqueológico<br />

da comida e das espécies. Denuncia um estado atual<br />

de origens desconhecidas e torna as pessoas mais próximas<br />

daquilo que comem, da natureza que exploram para a<br />

sobrevivência em tempos de natureza ameaçada.<br />

Vai nessa mesma direção a obra da brasileira Rivane<br />

Neuenschwander. Numa fusão com a arquitetura, ela<br />

espelha o teto anguloso do Malmö Konsthall, na Suécia,<br />

onde expõe neste ano, com estruturas em acrílico cheias<br />

de temperos coloridos. A instalação é um eco do espaço<br />

construído com as cores da comida, forma perecível que<br />

passa por transformações incontroláveis pela artista.<br />

Neuenschwander funde o acaso à obra. Em parte,<br />

tem o mesmo impacto da Seed Cathedral britânica, com<br />

sementes aprisionadas na fibra ótica mas que dependem<br />

da ação do vento e da incidência da luz solar para<br />

atingirem o ápice da expressividade.<br />

Longe da natureza estrambótica da Expo Xangai, a<br />

próxima Bienal de Arquitetura de Veneza vai avançar sobre<br />

esse mesmo ponto, com nuvens artificiais, presença<br />

solar no espaço expositivo e outros toques orgânicos.<br />

Mostra que a arquitetura, num mundo em perigo, precisa<br />

ser digerida em doses calculadas, da mesma forma que<br />

recursos naturais que já passaram do ponto da escassez.


Entre as melhores<br />

fontes dietéticas de<br />

cálcio encontram-se<br />

o leite, o iogurte<br />

e o queijo<br />

qualidade<br />

Via<br />

láctea<br />

por_Maria Fernanda Elias Llanos<br />

fotos_Shutterstock<br />

um caminho de<br />

sabor e saúde<br />

Os primeiros registros sobre a importância do leite de vaca e seus derivados<br />

para a nutrição humana foram encontrados no deserto do Saara, em documentos<br />

que remontam a 4.000 a.C. De fato, a proteína do leite é considerada de alto valor<br />

biológico por conter todos os aminoácidos essenciais em quantidades e proporções<br />

ideais para atender às necessidades orgânicas [1]. Além disso, os produtos<br />

lácteos são importantes fontes de micronutrientes, podendo-se destacar os minerais<br />

cálcio e fósforo e as vitaminas A, D e B2 [2].<br />

O leite é consumido principalmente no café da manhã, podendo ser utilizado<br />

como ingrediente culinário nas mais variadas preparações doces e salgadas.<br />

As melhores fontes dietéticas de cálcio são leite, queijo e iogurte, sendo<br />

que, sem eles, dificilmente consegue-se atender às recomendações diárias deste<br />

nutriente, quando comparados a outros alimentos considerados fontes, como os<br />

vegetais verde-escuro [2,3]. Isso se deve ao fato de que, em condições favoráveis,<br />

o aproveitamento metabólico do cálcio varia entre 25% a 40% do valor ingerido. Portanto,<br />

a recomendação é a de que seja privilegiada a seleção de alimentos cuja<br />

composição química apresente valores mais elevados do mineral [3]. Os leites<br />

com baixo teor de gordura e os desnatados também são ricos em cálcio [4].


30 qualidade<br />

Para o melhor aproveitamento do cálcio dietético,<br />

deve-se evitar a ingestão concomitante de alimentos<br />

fontes de ácido oxálico, como o espinafre. Essa combinação<br />

promove a formação de complexos que se precipitam<br />

no lúmen intestinal e são, posteriormente, excretados<br />

[5]. O excesso de sódio também pode interferir de<br />

forma negativa no aproveitamento do cálcio [3].<br />

A literatura científica oferece amplo conhecimento<br />

sobre a importância do cálcio para as diversas funções<br />

biológicas e seu envolvimento na saúde óssea, pressão<br />

arterial, manutenção do peso <strong>corporal</strong>, síndrome da resistência<br />

à insulina, dentre outros [3].<br />

Saúde óssea<br />

O papel do cálcio na saúde óssea está relacionado<br />

principalmente à prevenção da osteoporose, caracterizada<br />

pelo aumento da fragilidade esquelética, em razão<br />

do decréscimo da massa óssea e da deterioração estrutural<br />

do tecido ósseo. Estima-se que, em um futuro próximo,<br />

os impactos econômicos e de saúde dessa patologia<br />

serão extraordinários, com uma projeção de mais<br />

de 6 milhões de casos por ano de fraturas de fêmur proximal<br />

— a mais incapacitante delas. A mulher, em razão<br />

do fator endócrino, é o gênero mais atingido [5].<br />

De modo geral, a variação da massa óssea ocorre<br />

em dois períodos distintos. Seu pico é alcançado durante<br />

a infância e a adolescência, enquanto uma progres-<br />

O papel do<br />

cálcio na saúde<br />

óssea está<br />

relacionado,<br />

principalmente,<br />

à prevenção da<br />

osteoporose<br />

siva perda se dá com o avançar da idade. Tal dinâmica<br />

é determinada por um conjunto de fatores endógenos e<br />

exógenos que interagem entre si, como: genéticos, endócrinos,<br />

mecânicos e nutricionais — incluindo a ingestão<br />

de cálcio [6]. O consumo adequado desse mineral<br />

nos primeiros estágios da vida promove a elevação do<br />

pico de massa óssea, ao mesmo tempo em que reduz o<br />

risco de osteoporose décadas mais tarde [5].<br />

Deve-se considerar que, além do cálcio, outros<br />

nutrientes presentes no leite também são necessários<br />

para a manutenção da saúde óssea, como proteínas, potássio,<br />

magnésio, zinco e as vitaminas D e K [3,6].<br />

Pressão arterial<br />

Existe na literatura uma série de investigações<br />

sobre o possível papel do cálcio na redução do risco de<br />

hipertensão arterial. Extensas revisões de estudos de<br />

intervenção randomizados e observacionais demonstraram<br />

que a suplementação do mineral reduz moderadamente<br />

a pressão sistólica (1-2 mm Hg) em adultos<br />

hipertensos, mas não apresenta efeito significativo nos<br />

normotensos. Não foram observadas, ainda, alterações<br />

significativas da pressão diastólica [7,8] .<br />

Outros estudos concluíram que indivíduos normotensos<br />

e hipertensos que adotaram uma dieta com maior<br />

quantidade de derivados lácteos de baixos teores de gorduras,<br />

frutas, vegetais e menores níveis de gorduras totais<br />

e saturadas apresentaram redução nos níveis de pressão<br />

arterial. Neste estudo, o consumo de produtos lácteos foi<br />

aumentado de 443 mg para 1.265 mg (11,1 mmol para<br />

31,6 mmol) por dia [7].<br />

Câncer de cólon<br />

As evidências sobre influência da ingestão dietética<br />

de cálcio sobre o risco de câncer de cólon ainda são inconsistentes.<br />

Enquanto alguns estudos reportam à redução<br />

na proliferação da mucosa após suplementação com cálcio,<br />

outros demostraram um aumento. Dados coletados<br />

a partir de estudos observacionais de caso-controle não<br />

são conclusivos. Além disso, não existem estudos prospectivos<br />

que demonstrem a relação da suplementação de<br />

cálcio e a incidência de câncer de cólon [7].


Manutenção do peso<br />

Evidências científicas publicadas nas últimas<br />

décadas mostram que o leite e seus derivados podem<br />

auxiliar no controle do peso <strong>corporal</strong>. A revisão da literatura<br />

de Van Loan (2009) sugere que a ingestão<br />

de cálcio atua na prevenção do armazenamento do<br />

excesso de gordura pelos adipócitos. Os dados provenientes<br />

de seis estudos observacionais e de três<br />

casos-controle, em que a ingestão de cálcio era a variável<br />

independente, confirmaram a relação da maior<br />

ingestão do mineral com a menor porcentagem de<br />

gordura <strong>corporal</strong> e/ou peso <strong>corporal</strong> [7,9].<br />

recomendações diárias<br />

Organizações internacionais já estabeleceram as<br />

recomendações diárias para a ingestão de cálcio em<br />

diferentes etapas da vida (DRIs), embora ainda em nível<br />

de ingestão adequada (AI) em razão da dificuldade<br />

de serem estabelecidas quantidades ideais de ingestão<br />

para um nutriente que se incorpora ao organismo ao longo<br />

da vida [10].<br />

No país, a recomendação do Guia Alimentar para<br />

a População Brasileira e a da Pirâmide dos Alimentos é<br />

a de que sejam consumidas diariamente três porções<br />

de leite e derivados, sendo uma porção equivalente a<br />

um copo de leite (200 ml) ou 1 ½ fatia (50 g) de queijo<br />

tipo Minas [2,4].<br />

Pesquisas realizadas no Brasil nos últimos anos<br />

apontam a ingestão de cálcio pela população como de<br />

cerca de 300 mg a 500 mg por dia, valores muito inferiores<br />

às recomendações atuais de cerca de 1.000 mg para<br />

a população adulta [3,7]. Os dados são confirmados<br />

pelo estudo BRAZOS (2009), que constatou que 99% da<br />

população apresenta ingestão inadequada do mineral,<br />

com um consumo médio de apenas 52% das necessidades<br />

diárias [11].<br />

rEfErênCIAS<br />

99% da<br />

população<br />

brasileira<br />

apresenta<br />

ingestão<br />

inadequada de<br />

cálcio [11]<br />

qualidade 31<br />

Molico totalCálcio<br />

Atenta a todas essas questões, a <strong>Nestlé</strong> oferece o<br />

novo Molico TotalCálcio, o único leite que fornece 100%<br />

das recomendações diárias de cálcio [12] em apenas<br />

dois copos (400 ml), além de ser rico em vitamina D.<br />

O ícone TotalCálcio, em destaque na embalagem do produto,<br />

é a garantia desse compromisso. Molico TotalCálcio<br />

tem 0% teor de gorduras e pode ser encontrado nas opções<br />

em pó e líquida.<br />

Informação nutricional<br />

Molico<br />

TotalCálcio UHT<br />

Porção 200 mL<br />

(1 copo)<br />

Molico<br />

TotalCálcio Pó<br />

20 g (2 colheres<br />

de sopa)<br />

Calorias (kcal) 70 69<br />

Carboidratos (g) 9,5 10<br />

Açúcares (g) N/D N/D<br />

Proteínas (g) 5,8 6,7<br />

Gorduras totais (g) 0,9 0<br />

Gorduras Saturadas (g) 0,5 0<br />

Gorduras Trans (g) Não contém Não contém<br />

Fibra alimentar (g) 0 0<br />

Colesterol (mg) 0 0<br />

Sódio (mg) 112 94<br />

Cálcio (mg) 500 500<br />

Vitamina A (mcg RE) 132 113<br />

Vitamina D (mcg) 1,5 1,5<br />

[1] Miller, G.D.; Jarvis, J.K.; McBean, L.D. Handbook of dairy foods and nutrition. National Dairy Council. CRC Press. 3rd. Edition. 2007. [2] Philippi, S.T. Pirâmide dos alimentos: fundamentos básicos da nutrição. Barueri, São<br />

Paulo: Manole, 2008. [3] Cozzolino, S.M.F. Deficiências de minerais. Estud. Av.; v.21, n.60, p.119-126, 2007. [4] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e<br />

Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília, 2006. [5] Morais, G.Q.; Burgos, M.G.P. de A. Impacto dos nutrientes na saúde óssea: novas tendências. Rev. Bras. Ortop.<br />

2007;42(7):189-94. [6] Ramalho, R.A.; Peres, W.A.; Campos, L.F.; Accioly,E. Vitamina K e Saúde Óssea. Rev Bras Nutr Clin 2006; 21(3):224-8. [7] IOM – Institute of Medicine. DRI – Dietary Reference Intakes: for Calcium,<br />

Phosphorus, Magnesium, Vitamin D, and Fluoride. Washington, DC: National Academy Press, 1997. 432p. [8] Chung M, Balk EM, Brendel M., et al. Vitamin D and calcium: a systematic review of health outcomes. Evid Rep<br />

Technol Assess (Full Rep). Aug (183):1-420 (2009). [9] Heaney, R.P.; Davies, K.M.; Barger-Lux, M.J. Calcium and Weight: Clinical Studies. Journal of the American College of Nutrition, Vol. 21, No. 2, 152S–155S (2002). [10]<br />

Pereira, V.B. de L.; Cozzolino, S.M.F. Suprimento dietético de cálcio: uma questão para a prática do nutricionista. Parecer CRN3 - aprovado na 932ª Reunião Plenária Extraordinária, 25 mar. 2010. [11] Pinheiro, M.M.; Schuch,<br />

N.J.; Genaro, P.S. et al. Nutrient intakes related to osteoporotic fractures in men and women – The Brazilian Osteoporosis Study (BRAZOS). Nutrition Journal; v.8, n.6, p.1-8, 2009. [12] BRASIL. Resolução RDC nº. 269, de 22<br />

de setembro de 2005. Regulamento Técnico sobre a Ingestão Diária Recomendada (IDR) de proteína, vitaminas e minerais. ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 23 set. 2005.


32 foco


Branco, verde,<br />

vermelho, preto...<br />

o arco-íris do<br />

Há muitos e muitos anos, vivia na China um impe-<br />

rador justo e sábio. Preocupado com as epidemias que<br />

devastavam o Império do Meio, Sheng nong (este era o<br />

nome do imperador) ordenou que todos os súditos fervessem<br />

a água que fossem beber.<br />

Certa tarde, passeando pelos jardins do palácio,<br />

Sheng nong sentou-se à sombra de uma árvore e pediu<br />

uma xícara de água fervida a seus servidores. Enquanto<br />

esperava o líquido amornar, o vento fez com que algumas<br />

folhas verdes caíssem em sua xícara.<br />

A água ganhou um tom dourado e o imperador resolveu<br />

prová-la. Satisfeito com o aroma e sabor, introduziu a<br />

nova bebida em seu império. Estava inventado o chá.<br />

feita com a infusão de folhas da Camellia sinensis,<br />

a bebida descoberta pelo imperador, segundo a lenda,<br />

tornou-se uma das mais consumidas no mundo.<br />

Rituais,<br />

histórias,<br />

lendas e<br />

efeitos<br />

terapêuticos<br />

que cabem<br />

em uma<br />

xícara desta<br />

bebida<br />

ancestral<br />

foco<br />

fotos_Shutterstock<br />

Mas se passaram muitos séculos antes da popularização<br />

e globalização do chá. O mais antigo registro<br />

sobre o uso da bebida foi escrito por volta do<br />

ano 800 d.C.<br />

“O Livro do Chá” (Ch’a Ching) foi escrito pelo<br />

monge Lu Yu após cinco anos de retiro meditativo. Enquanto<br />

refletia sobre o sentido da vida, o monge estudou<br />

os diferentes métodos de cultivo e preparo do chá<br />

na antiga China.<br />

na obra, Lu Yu discorre sobre os melhores métodos<br />

de plantio e as formas de fazer e servir a bebida. Define<br />

poeticamente a qualidade que a folha da Camellia sinensis<br />

deve ter para fazer um bom chá: “[deve ser] ondulada<br />

como a nuca do touro, encurvada como a bota de um tártaro,<br />

clara como a neblina elevando-se sobre a ravina e macia<br />

como o fino pó da terra deslizando com a chuva”.


34 foco<br />

Da China, o hábito de beber chá expandiu-se para<br />

o Japão, introduzido por um monge budista entre os séculos<br />

8 e 9. Era recomendado para ajudar na meditação,<br />

provavelmente por ser rico em cafeína.<br />

O chá tornou-se tão importante na cultura japonesa<br />

que sua apreciação foi sistematizada em uma forma<br />

de arte, a cerimônia do chá. O preparo e a degustação<br />

da bebida são feitos segundo uma rígida estrutura ritual,<br />

que visa trazer harmonia, respeito, pureza e tranquilidade<br />

aos participantes (1).<br />

A relação dos europeus com a bebida foi diferente.<br />

Introduzido na Europa em 1560 por um jesuíta português,<br />

beber chá era mania (e ostentação) dos ricos. O culto era<br />

mais ao prazer da degustação, embora suas possíveis<br />

propriedades medicinais já fossem ventiladas. O primeiro<br />

anúncio de chá em jornal inglês, em 1658, dizia: “Todos<br />

os médicos aprovaram esta bebida, chamada pelos chineses<br />

de Cineans Tcha e por outras nações Tay ou Tee”.<br />

Da China,<br />

o hábito de<br />

beber chá<br />

expandiu-se<br />

para o Japão,<br />

introduzido<br />

por um monge<br />

budista entre<br />

os séculos<br />

8 e 9<br />

Séculos depois, foi o potencial medicinal da bebida<br />

que virou mania e é responsável pelo atual boom<br />

do chá, especialmente nas versões “verde” ou “branco”,<br />

que nada mais são do que diferentes formas de processar<br />

a mesma folha de Camellia sinensis.<br />

Os estudos vieram na esteira das descobertas sobre<br />

os polifenóis, uma vez que o chá é rico em alguns<br />

desses compostos, em especial as catequinas (2).<br />

Os polifenóis do chá já foram bastante estudados<br />

in vitro e em animais como agentes químicos preventivos<br />

do câncer e de doenças cardiovasculares. No entanto,<br />

ainda não está claro quais são os efeitos do consumo<br />

da bebida em humanos. Um estudo de coorte realizado<br />

com 40.530 japoneses, publicado no JAMA (3), concluiu<br />

que consumir chá verde está associado à redução de<br />

mortalidade por todas as causas e por doença cardiovascular,<br />

mas não à menor mortalidade por câncer.<br />

Saúde cardiovascular<br />

O efeito cardioprotetor do chá está relacionado à<br />

ação de seus compostos fenólicos, que têm propriedades<br />

anti-inflamatórias, antitrombóticas e capacidade de diminuir<br />

o nível de lipídeos no sangue. Estas características<br />

foram observadas em vários estudos experimentais.<br />

Do ponto de vista epidemiológico, há pelo menos<br />

dois grandes estudos recentes que apontam para isso.<br />

Além do estudo japonês citado acima, um estudo europeu<br />

(4), publicado online em junho de 2010, estabelece<br />

a relação entre o consumo de chá e a saúde do coração.<br />

O trabalho utiliza o coorte holandês do EPIC (European<br />

Prospective Investigation into Cancer and Nutrition),<br />

com dados de 37.514 participantes acompanhados<br />

por 13 anos.<br />

Os pesquisadores compararam a quantidade de<br />

chá e café consumida e os eventos cardiovasculares<br />

ocorridos. Os dados apontam que o consumo de três a<br />

seis xícaras de chá por dia reduz o risco de doença cardiovascular<br />

em 45%. O tipo de chá mais consumido pela<br />

população pesquisada é o preto.


Câncer<br />

Estudos in vitro mostram a ação das catequinas<br />

contra células cancerosas, mas as concentrações usadas<br />

em laboratórios costumam ser maiores do que as<br />

encontradas no plasma de seres humanos ou animais, o<br />

que torna esses trabalhos inconclusivos (5).<br />

Embora essa atividade anticancerígena também<br />

tenha sido observada em estudos com animais (6), infelizmente<br />

não há evidência, até o momento, sobre os<br />

benefícios reais em seres humanos.<br />

Uma meta-análise de 2009 da Fundação Cochrane<br />

(7), com a revisão sistemática de 51 estudos, incluindo<br />

1,6 milhão de participantes, concluiu que as evidências<br />

para indicar o consumo de chá verde para a prevenção<br />

do câncer são insuficientes e contraditórias no geral.<br />

Nos estudos específicos para diferentes tipos de<br />

câncer, os autores da revisão concluíram que as evidências<br />

para câncer de fígado e de pulmão são limitadas e<br />

para câncer gástrico, do esôfago, do cólon, do reto e do<br />

pâncreas, contraditórias.<br />

Estudos<br />

com cultura<br />

de células<br />

e animais<br />

mostram que<br />

o chá verde<br />

aumenta a<br />

oxidação de<br />

gorduras e a<br />

termogênese<br />

foco 35<br />

Os melhores resultados apareceram nas revisões<br />

sobre câncer de próstata, que sugerem uma diminuição<br />

do risco desse câncer nos homens que consomem maiores<br />

quantidades de chá verde.<br />

No caso de câncer de bexiga, no entanto, a análise<br />

dos estudos mostrou que o chá pode até aumentar o<br />

risco da doença.<br />

Mas os autores afirmam na conclusão que, obedecida<br />

a recomendação de três a cinco xícaras diárias, o<br />

consumo de chá verde é seguro.<br />

Manutenção do peso <strong>corporal</strong><br />

Estudos com cultura de células e animais mos-<br />

tram que o chá verde aumenta a oxidação de gorduras<br />

e a termogênese, o que contribui para a perda de peso e<br />

massa gorda (8). Este efeito também foi verificado em<br />

seres humanos.<br />

Uma revisão sistemática (9) dessas investigações,<br />

publicada no início deste ano, verificou que a ingestão<br />

de catequinas do chá com cafeína mostrou maior<br />

redução do IMC (Índice de Massa Corpórea), do peso e<br />

da circunferência abdominal do que o consumo de cafeína<br />

isolada. A ingestão de catequinas sem cafeína não<br />

reduziu os parâmetros corporais.<br />

Uma meta-análise anterior (10), divulgada em<br />

2009, também concluiu que as catequinas favorecem<br />

o emagrecimento e ajudam a manter o peso adquirido<br />

após a perda. Entretanto, os autores dos dois estudos<br />

esclarecem que os efeitos são pequenos.


36 foco<br />

Dermatologia<br />

A divulgação dos possíveis efeitos antioxidantes<br />

do chá verde e do branco atraiu a indústria de cosméticos,<br />

que cada vez mais utiliza extratos do ingrediente<br />

em creme “antienvelhecimento”.<br />

Mas há estudos de dermatologia que mostram algum<br />

grau de benefício no uso tópico de extratos do chá. Um deles,<br />

publicado ano passado, avaliou a eficácia fotoprotetora<br />

da aplicação local de extratos de chá verde e branco (11).<br />

Os autores concluíram que tanto o chá verde quanto<br />

o branco aumentam a proteção da pele contra os efeitos<br />

dos raios ultravioleta, reduzindo o dano ao DNA e às<br />

células cutâneas, mas não diminuem a absorção dos<br />

raios solares pela pele.<br />

Já o uso oral de suplementos com polifenóis de chá<br />

verde não se mostrou superior ao placebo na prevenção<br />

do fotoenvelhecimento, segundo um estudo controlado<br />

e duplo-cego de 2009 (12).<br />

Estudos recentes<br />

avaliam uma<br />

possível ação do<br />

chá em patologias<br />

cognitivas e<br />

neurodegenerativas<br />

No entanto, o estudo mostrou que o grupo que<br />

consumiu suplementos à base de chá verde teve melhores<br />

resultados em eritemas e telangietase nas análises<br />

feitas após seis meses e 12 meses de uso.<br />

Outra promessa é o uso tópico do chá verde para<br />

tratamento de acne leve à moderada, segundo um estudo<br />

publicado este ano (13).<br />

O trabalho foi feito com a aplicação de uma loção<br />

de chá verde a 2% por um período de seis semanas. Os<br />

resultados mostraram uma redução de 58% nas lesões e<br />

de 39% no grau de severidade da acne vulgar.<br />

função cognitiva<br />

Há muita expectativa sobre as propriedades neu-<br />

roprotetoras dos compostos do chá verde e sua possível<br />

ação nas patologias cognitivas e neurodegenerativas.<br />

Um estudo populacional publicado em 2006 (14),<br />

que incluiu 1.003 japoneses de 70 ou mais anos de idade,<br />

concluiu que o maior consumo de chá verde está associado<br />

à menor perda cognitiva.<br />

Dados como esses aumentam as esperanças de<br />

que o chá possa ter ação preventiva contra o Alzheimer,<br />

e estudos com animais estão sendo feitos com<br />

esse viés.<br />

No entanto, um encontro organizado<br />

pelo National Institutes of Health em maio<br />

deste ano concluiu que, até o momento, não<br />

existe eficácia cientificamente comprovada para<br />

prevenir a doença. As conclusões dizem<br />

respeito aos diversos compostos e técnicas<br />

pesquisadas para a prevenção da<br />

doença, não apenas ao chá.


Branco, verde, preto...<br />

Provenientes da mesma planta, a Camellia sinensis,<br />

os chás são divididos em quatro grandes categorias, de<br />

acordo com a forma com que a planta é processada (15).<br />

O chá branco é obtido dos brotos da Camellia sinensis,<br />

que passam apenas por um processo de secagem,<br />

sem fermentação. O verde é feito com as folhas da<br />

planta, que são torradas imediatamente após a colheita,<br />

para que não ocorra a fermentação.<br />

No chá Oolong, as folhas torradas passam por um<br />

processo de fermentação que é interrompido prematuramente<br />

e portanto é considerado semifermentado.<br />

No chá preto, o processo de fermentação é realizado<br />

até o fim.<br />

O conteúdo de polifenóis do chá pode variar conforme<br />

o local de cultivo, clima e processamento. Os chás<br />

verdes e brancos costumam apresentar maior teor de<br />

catequinas (16).<br />

Por esse motivo, o chá verde (que é mais comum<br />

do que o branco) é o mais utilizado nas pesquisas sobre<br />

os efeitos do chá na saúde.<br />

No entanto, pesquisas recentes têm mostrado<br />

que, em alguns aspectos, o chá preto pode ser tão eficaz<br />

quanto o verde. É o caso da ação cardioprotetora apontada<br />

no estudo com dados do EPIC (4).<br />

Um novo estudo, aprovado para publicação no periódico<br />

Nutrition (17), aponta que o extrato de chá preto<br />

pode ser tão eficaz quanto o de chá verde na redução de<br />

peso e gordura <strong>corporal</strong>. O estudo foi feito em animais<br />

por pesquisadores do Japão.<br />

rEfErênCIAS<br />

O tipo verde<br />

é o mais<br />

utilizado nas<br />

pesquisas<br />

sobre os<br />

efeitos<br />

do chá na<br />

saúde<br />

foco 37<br />

E o vermelho?<br />

Na verdade, “chá vermelho” é uma confusão de<br />

termos. Em alguns países, é apenas mais uma designação<br />

do chá preto.<br />

Mas uma infusão feita com uma planta africana,<br />

Rooibos (Aspalanthus linearis), também é comercializada<br />

como chá vermelho. Tecnicamente, não é chá, já que<br />

não vem da Camellia sinensis.<br />

O Rooibos é usado por tribos sul-africanas para<br />

tratar asma, eczemas, distúrbios intestinais e aliviar febres,<br />

mas as pesquisas científicas sobre a planta ainda<br />

são poucas e incipientes.<br />

(1) “Vivência e Sabedoria do Chá”, Soshitsu Sen XV, ed. T.A. Queiroz, 1981. (2) Higdon JV, Frei B. Tea catechins and polyphenols: health effects, metabolism, and antioxidant functions.<br />

Crit Rev Food Sci Nutr. 2003;43:89–143. (3) Kuriyama S, Shimazu T, Ohmori K, Kikuchi N, Nakaya N, Nishino Y, Tsubono Y, Tsuji I. Green tea consumption and mortality due to<br />

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J.M.A. Boer, D.E. Grobbee, W.M.M. Verschuren, J.W.J. Beulens. Tea and Coffee Consumption and Cardiovascular Morbidity and Mortality. Arteriosclerosis, Thrombosis, and Vascular Biology.<br />

Pusblished online June, 18. (5) McKay DL, Blumberg JB. The role of tea in human health: an update. J Am Coll Nutr, 2002, Feb: 21 (1): 1-13. (6) Yang CS, Sang S, Lamber JD, Hou Z, Ju<br />

J, Lu G. Possible mechanisms of the cancer-preventive activities of green tea. Mol Nutr Food Res, 2006, feb: 50(2):170-5. (7) Boehm K, Borrelli F, Ernst E, Habacher G, Hung SK, Milazzo<br />

S, Horneber M. Green tea (Camellia sinensis) for the prevention of cancer. The Cochrane Database of Systematic Reviews 2010, Issue 6. (8) Wolfran S, Wang Y, Thieleck F. Anti-obesity<br />

effects of green tea: from beside to bench. Mol Nutr Food Res. 2006, GFeb: 50 (2): 176-87. (9) Phung OJ, Baker WL, Matthews LJ, Lanosa M, Thorne A, Coleman CI. Effect of green tea<br />

catechins with or without caffeine on anthropometric measures: a systematic review and meta-analysis. Am J Clin Nutri, 2010, Jan: 91 (1): 73-81. (10) Hursel R, Viechtbauer W,<br />

Westerterp-Plantenga MS. The effects of green tea on weight loss and weight maintenance: a meta-analysis. Int J Obes (Lond) 2009 Sep:33 (9):956-61. (11) Camouse MM, Domingos<br />

DS, Swain FR, Conrada EP, Matsui MS, Maes D, Declerq L, Cooper KD, Stevens SR, Baron ED. Topical application of green and white tea extracts provides protection from solar-simulated<br />

ultraviolet light in human skin. Exp Dermatol. 2009 Jun:18 (6): 522-6. (12) Janjua R, Munoz C, Gorell E, Rehmus W, Egbert B, Kern D, Chang AL. A two-year, double-blind, randomized<br />

placebo-controlled trial of oral green tea polyphenols on the long term clinical and histologic appearance of photoaging skin. J Drugs Dermatol. 2009 Apr: 8(4): 358-64. (13) Elsaie ML,<br />

Abdelhamid MF, Elsaaiee LT, Emam HM. The efficacy of topical 2% green tea lotion in mild-to-moderate acne vulgaris. Am J Clin Nutr. 2010 Jan:91 (1): 73-81. (14) Kuriyama S, Hozawa<br />

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J Clin Nutri, 2006, Feb: 83 (2): 355-61. (15) “The Book of Tea”, Alain Stella, 2009, ed. Flammarion. (16) Henning SM, Fajardo-Lira C, Lee HW, Youssefian AA, Go VL, Heber D. Catechin<br />

content of 18 teas and a green tea extract supplement correlates with the antioxidant capacity. Nutr Cancer, 2003:45(2): 226-35. (17) S. Uchiyama, Y. Taniguchi, A. Saka, A. Yoshida, H.<br />

Yajma. Prevention of diet-induced obesity by dietary Black tea polyphenols extract in vitro and in vivo. Nutrition. Published online ahead of print. Doi:10.1016/j.nut.2010.01.019.


esultado<br />

por_Julia Alquéres<br />

fotos_Hans Georg e Marcos Fachini<br />

Economia verde:<br />

muito além do sentido ecológico<br />

Unindo gastronomia e inclusão social,<br />

a Gastromotiva cria oportunidades para<br />

jovens de baixa renda<br />

O Brasil está entre os 10 países que mais desperdiçam<br />

comida no mundo, chegando a jogar fora até<br />

40% de tudo o que é produzido. Se os dados indicam<br />

que algo precisa ser feito, algumas iniciativas chamam<br />

a responsabilidade para si e mostram que são<br />

capazes não apenas de educar, mas também de gerar<br />

renda. É o caso da Gastromotiva, idealizada pelo chef<br />

David Hertz. Incentivando jovens de baixa renda a<br />

ingressarem no mercado de trabalho e a abrirem seu<br />

próprio negócio, a organização já formou 95 alunos<br />

em quatro anos, sendo que 93% estão empregados.<br />

“trabalhava como empregada doméstica e não tinha<br />

muita expectativa. Agora sou sous-chef da Quitanda<br />

Gourmet [1]. tenho um salário melhor, maior reconhe-<br />

cimento profissional e estou muito feliz”, conta a exaluna<br />

fernanda Souza.<br />

“Hoje focamos muito em uma economia verde,<br />

não só no sentido ecológico, mas no que diz respeito a<br />

uma prática inclusiva, que quebre um pouco a lacuna<br />

de acesso”, afirma David Hertz, que recebeu o Prêmio<br />

Empreendedor Social de Futuro 2009, do jornal Folha<br />

de S. Paulo, copatrocinado pela nestlé.<br />

na Gastromotiva, jovens menos favorecidos socialmente<br />

recebem formação em um curso profissionalizante<br />

em cozinha. Além das aulas, eles estagiam no bufê da<br />

organização, e toda a renda é reinvestida para gerar mais<br />

capacitação, ou seja, formar mais jovens. Dessa maneira, a<br />

iniciativa gastronômica firma-se como um negócio social.


esultado 39


40 resultado<br />

Jamie Oliver lá, David Hertz cá<br />

Formado pela Faculdade de Gastronomia do SENAC,<br />

em Águas de São Pedro (SP), David Hertz adquiriu gran-<br />

de experiência no mercado de eventos ao trabalhar no<br />

Andréa Fasano Buffet [2] e restaurantes de renome.<br />

Hoje, faz no Brasil o que um dia o chef Jamie Oliver<br />

criou no Reino Unido. O britânico ficou famoso internacionalmente<br />

pelo seu trabalho de educar, treinar e empregar<br />

pessoas de baixa renda, sempre destacando a<br />

importância da alimentação saudável. Atualmente, faz<br />

programa na TV e dissemina boas práticas pelo mundo<br />

todo. Como Jamie Oliver, David é ambicioso. “Por ora,<br />

o curso só existe em São Paulo, mas a ideia é abrir em<br />

Brasília e no Rio de Janeiro, aproveitando a vinda da<br />

Copa do Mundo e a das Olimpíadas, quando o país vai<br />

precisar de muita profissionalização técnica”, diz.<br />

No Brasil, o chef David Hertz foi influenciado pela história de vida da jovem Uridéia<br />

Andrade, sua aluna no “Cozinheiro cidadão”, um programa de formação de auxiliares<br />

de cozinha destinado aos jovens da favela do Jaguaré, que, em 2005, obteve o<br />

reconhecimento da ONU como uma das melhores práticas de inclusão de jovens na<br />

sociedade. Com a ajuda de Uridéia, criou a Gastromotiva. No começo, com poucos<br />

recursos, as aulas eram ministradas para cinco alunos na casa de David, onde ficava<br />

também o bufê.<br />

Em 2008, com o apoio da Universidade Anhembi Morumbi e do banco JP Morgan,<br />

as aulas passaram a ser realizadas na própria universidade e o número de alunos<br />

subiu para uma média de 30 por turma. No ano de 2009, o bufê também ganhou<br />

um espaço novo. Com o crescimento do negócio, a ideia para o ano que vem é formar<br />

120 jovens, o dobro do que se pretende em 2010.<br />

Os alunos que mais se destacam no curso ganham bolsas para estudar Gastronomia<br />

ou Administração na Anhembi Morumbi. É o caso de Carlos Henrique dos<br />

Santos, que tem apenas 20 anos e está terminando o curso de Gastronomia. Ele já<br />

trabalhou no Andréa Fasano Buffet e hoje está no restaurante Nadeli delicatessen &<br />

Bistrô [3]. Determinado, o jovem morador da Vila Leopoldina deseja mais:<br />

“Quero me especializar em cozinha Italiana e abrir o meu restaurante. Com a Gastromotiva,<br />

vou ajudar as mães da minha comunidade”.<br />

Com uma visibilidade cada vez maior, a primeira turma de 2009 recebeu o número<br />

máximo de inscrições, foram 300. Não foi tarefa fácil selecionar apenas 30. “O perfil<br />

que procuramos é o jovem de baixa renda que tenha muita vontade de entrar na cozinha”,<br />

diz Vera Lúcia de Almeida Silva, coordenadora do curso e responsável pela disciplina<br />

de Ecogastronomia. São jovens cuja renda familiar não ultrapassa R$ 1.500. Vera<br />

conta que muitos alunos moram longe e há quem demore três horas só para chegar até<br />

o curso. Para os alunos, o esforço vale a pena. “Eu vi que fazia tudo errado na cozinha<br />

e aqui estou aprendendo muita coisa, desde como afiar uma faca até sobre diferentes<br />

molhos e técnicas de corte”, afirma o aluno Marcos Paulo.


O premiado chef David Hertz com seus alunos: receitas de gastronomia e sustentabilidade<br />

Ecogastronomia<br />

A sustentabilidade é uma das principais bandeiras da Gastromotiva. A exemplo de<br />

programas como o Nutrir, da <strong>Nestlé</strong> [5], seu “objetivo é o de ensinar como aproveitar ao<br />

máximo o alimento e fazer menos lixo possível. Mostrar que é importante usar o produ-<br />

tor mais próximo, porque gera renda e o alimento vem mais fresco”, explica Vera Lúcia.<br />

Esses ensinamentos também estão presentes no bufê, que recebe produtos de fornecedores<br />

locais e de pequenos produtores. Estagiando no Gastromotiva Bufê, os alunos<br />

têm ainda a oportunidade de realizar eventos corporativos para as classes A e B.<br />

“Professores e chefs nos ensinaram o quanto é importante a sustentabilidade<br />

na cozinha, a utilização total de todos os ingredientes. Tenho que assumir que antes<br />

eu não tinha esse conceito, mas hoje me identifico com ele”, conta o ex-aluno Leandro<br />

Chaves Batista, que hoje é auxiliar de cozinha no restaurante italiano e contemporâneo<br />

Valentina [4]. “Quero me destacar na área e colocar Taboão da Serra, onde<br />

moro, no mapa gastronômico”, anseia ainda.<br />

rEfErênCIAS<br />

(1) Av. Jacutinga, 96, São Paulo-SP (www.quitandagourmet.com.br). (2) Rua Professor Atílio Innocenti, 52, São Paulo-SP.<br />

(3) Rua Caros Steinen, 66, São Paulo-SP (www.nadeli.net). (4) Rua Dr. Renato Paes de Barros, 62, São Paulo-SP<br />

(www.valentinarestaurante.com.br). (5) www.nestle.com.br/portalnestle/nutrir<br />

resultado 41<br />

Em busca de maior profissionalização, Fernando<br />

Pulcino, 26 anos, deixou Ilhabela (SP), onde trabalhou<br />

por dois anos em restaurante, e veio para São Paulo fazer<br />

o curso. “O David está me dando todo o apoio para<br />

levar esse negócio para lá. Quero montar um curso igual<br />

a esse em Ilhabela”, afirma o aluno. “Aprendi muito sobre<br />

cozinha brasileira e a estrutura da faculdade, com laboratórios<br />

e biblioteca, ajuda muito em pesquisa”.<br />

Educação empreendedora<br />

O próximo objetivo da organização é o de se tornar<br />

uma incubadora de pequenos grupos. O projeto existe,<br />

mas está em fase de capacitação de recursos. O projeto<br />

piloto da incubadora é um grupo de mulheres de Paraisópolis.<br />

“Elas são lideradas pela empreendedora Ana Laura,<br />

que faz bufê na comunidade e emprega outras sete<br />

pessoas para fazerem a produção”, conta o chef David.<br />

“O apoio que nós passamos para ela é o da capacitação<br />

em plano de negócios e acesso a crédito. Há um planejamento<br />

para o negócio dela ganhar escala”. Parte do plano<br />

de negócios é desenvolver cardápios saudáveis para<br />

o bufê de Ana Laura. Uma vez capacitada, ela repassa o<br />

conhecimento aos aprendizes. É assim que, ao dar asas<br />

os sonhos dos jovens, David Hertz e seus colaboradores<br />

almejam fazer da Gastromotiva um centro de educação<br />

empreendedora. Alçando voos cada vez mais altos rumo<br />

a um futuro de inclusão e sustentabilidade.


sabor e saúde<br />

por_João Luiz Guimarães<br />

fotos_Ricardo Teles<br />

ilustrações_Félix Reiners


O Mercado Municipal de<br />

São Paulo proporciona<br />

aromas e sabores, aulas<br />

de nutrição e, até mesmo,<br />

um encontro com o<br />

Modernismo brasileiro<br />

sabor e saúde 43<br />

Você tem<br />

fome de quê?<br />

Logo na entrada, no brasão da prefeitura, a famosa divisa latina anuncia em<br />

tom quase ameaçador: Ducor, non duco (Conduzo, não sou conduzido). Mas é preci-<br />

so ignorá-la. Porque a ideia hoje é justamente deixar-se conduzir pelas monitoras da<br />

visita guiada — bem como pelos aromas que percorrem os corredores de delícias do<br />

Mercado Municipal de São Paulo.<br />

São dez da manhã de uma ensolarada quarta-feira de inverno. Estamos diante<br />

do portão 4, na Rua da Cantareira, região central de São Paulo. O ponto de encontro do<br />

grupo de 11 pessoas é o mezanino — espaço gourmet com restaurantes e praça de<br />

alimentação panorâmica adicionado ao projeto original na última reforma de 2004.<br />

Antes de entrar no prédio, porém, percebo que, do alto de sua fachada em estilo<br />

arquitetônico eclético, oito décadas de história contemplam os visitantes. Com seus<br />

olhos de pedra, as efígies femininas em baixo-relevo testemunham as vertiginosas<br />

transformações sofridas pela cidade.<br />

Se hoje observam o caótico fluxo de automóveis da Avenida do Estado, em sua<br />

origem acompanhavam o lento escoar de embarcações pelo Rio Tamanduateí, transportando<br />

hortifrutigranjeiros das chácaras da região. Este rio — na época limpo e repleto<br />

de peixes — associava-se ao Rio Tietê no transporte de pessoas e de grande parte da<br />

produção de alimentos de São Paulo. Uma cidade que tinha muita fome. Principalmente<br />

de expressão modernista, em meio a uma pauliceia que se urbanizava<br />

rapidamente, canibalizando sua própria história e diluindo na fumaça<br />

das indústrias nascentes suas origens rurais.<br />

Ao entrar no Mercadão e abrir caminho por entre a pletora de<br />

cheiros, nos saúdam duas jovens estudantes da USP, Luísa e Letícia,<br />

nossas guias na visita.<br />

A geografia do tempo<br />

O geógrafo Milton Santos dizia que todo espaço é<br />

formado por um acúmulo de tempos. Ou seja, todo espaço<br />

físico humano pode ser entendido como um acúmulo de<br />

tempos históricos — nos quais estamos, por definição,<br />

mergulhados até o pescoço.<br />

E lá estávamos nós, um grupo atento às explicações<br />

da primeira guia, Letícia Xavier Pereira, estudante de Turismo<br />

da USP, destrinchando todas as camadas históricas que<br />

se acumulavam nos 12.600 metros quadrados do Mercadão,<br />

tal qual as múltiplas fatias do sanduíche de mortadela<br />

do tradicional Bar do Mané. Deliciosas, mas<br />

também repletas de sódio, calorias e<br />

gorduras saturadas, nos lembrava a<br />

segunda guia, Luísa Portásio, aluna<br />

do último ano do curso de Nutrição<br />

da mesma universidade, recomendando<br />

moderação.


44 sabor e saúde<br />

Se o modernista idealizador da Revista<br />

de Antropofagia Oswald de Andrade ainda pu-<br />

desse frequentar o Mercadão, talvez trocasse<br />

sua fixação pela deglutição do Bispo Sardinha<br />

pela do peixe em si, rico em ômega-3, vendido<br />

em lata no boxe do Empório Cruzília — ou mes-<br />

mo a versão in natura encontrada na Peixaria<br />

Renato Rabelo. Quem sabe até se permitisse<br />

ingerir um tradicional pastel de bacalhau do Hocca Bar,<br />

ignorando sua maior quantidade de calorias e de sódio.<br />

Oswald, assim como o Mercadão, são produtos específicos<br />

de um momento de intensa ebulição histórica,<br />

econômica e social em que a pujança cafeeira consolidava<br />

a ascensão de uma burguesia ávida por construir<br />

monumentos que destacassem seu sucesso — fossem<br />

eles literários ou arquitetônicos.<br />

Legítimo filho de sua época, após ser concebido nas<br />

pranchetas do escritório de arquitetura Ramos de Azevedo<br />

(cujo DNA pode ser encontrado também no<br />

Teatro Municipal e no Palácio das Indústrias), o<br />

Mercadão teve um parto lento: durou de 1926<br />

a 1933. E sofrido: antes de abrir suas portas<br />

oficialmente ao público, teve de servir de paiol<br />

e abrigo para as forças revolucionárias paulistas<br />

de 32 que se opunham a Getúlio Vargas.<br />

Letícia continuava a discorrer sobre<br />

a história com H, aquela em que os acontecimentos<br />

ocorrem apenas uma vez no tempo. Mas os<br />

queijos de Minas servidos como aperitivo aos visitantes<br />

no boxe do Queijos Roni nos convidavam a percorrer o<br />

universo literário de Guimarães Rosa, que preferia as<br />

estórias com E — aquelas que acontecem no domínio<br />

da fábula, situadas fora do tempo, para que possam<br />

acontecer sempre.<br />

Enquanto beliscava ao lado de Luísa uma tábua<br />

mista de queijos (e aprendia qual deveria ser<br />

minha cota diária de cálcio, vitamina D e gordura<br />

saturada), desejava secretamente que aquela visita<br />

guiada não acabasse nunca. E que não demorássemos<br />

para provar a goiabada cascão do boxe<br />

ao lado.<br />

Oswald de Andrade e a<br />

obcessão pelo Bispo Sardinha<br />

Em 1928, Oswald de Andrade publicou seu Manifesto<br />

Antropofágico com algumas de suas principais ideias<br />

sobre o Movimento Modernista brasileiro. A noção de<br />

canibalismo incorporada por Oswald origina-se do papel<br />

simbólico que este possui para certas sociedades<br />

tribais: ao comer outro ser humano, o interesse do<br />

canibal não está em nutrir-se, mas em incorporar as<br />

virtudes do outro. na tradução de Oswald, a cultura<br />

brasileira, ao digerir aquela do europeu colonizador,<br />

torna-se mais forte que ela. não é por outra razão que<br />

os exemplares de sua Revista de Antropofagia eram<br />

numerados, pela ordem, como primeira, segunda, terceira...<br />

dentição. Ou que ele tenha desafiado a lógica<br />

do calendário gregoriano, datando seu Manifesto como<br />

sendo do “Ano 374 da deglutição do Bispo Sardinha.”<br />

Vítima do mais conhecido “banquete antropofágico”<br />

do país, o português Dom Pedro fernandes Sardinha,<br />

primeiro Bispo do Brasil, foi devorado por índios em<br />

1556 com mais dezenas de tripulantes que, com ele,<br />

naufragaram entre o litoral de Sergipe e Alagoas.


Ao mesmo tempo, alheio a tudo<br />

e a todos — e salpicado de gelo moído<br />

— o salmão fresco parecia não se impressionar<br />

com a nossa presença. Que<br />

inventário de abismos submarinos não<br />

haveria sido no passado impresso em<br />

suas retinas?<br />

Luísa revela que de sua dieta de<br />

crustáceos restava apenas a coloração<br />

rósea de sua carne, rica de triptofano e<br />

outros aminoácidos essenciais. Mas nem Luísa nem Letícia<br />

conseguiam imaginar por quais mares nunca antes<br />

navegados teria singrado o bacalhau fresco ao seu lado.<br />

E as tilápias, tucunarés, tambaquis, bagres e demais<br />

peixes de água doce? Quantas camadas de tempo os<br />

separam das espécies semelhantes que nadavam pelo<br />

vizinho Rio Tamanduateí e eram desembarcadas como<br />

importante fonte proteica no cais do porto que existia no<br />

local em que hoje se localiza a vizinha Ladeira Porto Geral?<br />

O quê? A água chegava até lá? Muitos do grupo, que<br />

não eram naturais de São Paulo, se perguntaram.<br />

Sim, chegava, responde Letícia, observada pelos<br />

personagens mostrados nos translúcidos e coloridos<br />

vitrais antigos criados pelo artista russo Conrado<br />

Sorgenicht, que ajudam a iluminar o átrio do Mercadão.<br />

São imagens rurais, idealizadas, de camponeses<br />

das fazendas de café. Uma das senhoras do nosso grupo<br />

diz que acha bonito, mas um pouco acadêmico demais<br />

para seu gosto. Preferiria que os vitrais tivessem a assinatura<br />

de um Portinari.<br />

Sob essa luz, Luísa nos introduz à fartura de proteína<br />

animal fornecida pelas carnes do balcão do boxe<br />

Porco Feliz. Aqui, além da carne suína tradicional, podemos<br />

comprar carne de bichos tão<br />

diversos como avestruz, pato,<br />

jacaré, coelho, faisão, paca, cateto,<br />

queixada, vitelo e cabrito<br />

– todos criados e abatidos<br />

de forma sustentável.<br />

Modismos e escolhas alimentares<br />

Das carnes, passamos às bancas de frutas do Boxe 18.<br />

sabor e saúde 45<br />

Junto às tradicionais bananas, uvas, maçãs, melancias<br />

e suas cotas de fibras, carboidratos e vitaminas,<br />

encontramos também parentes exóticas que desafiam<br />

descrições, como pitayas, chirimoias, mangostins,<br />

coroas-de-frade (um tipo de cacto) e rambotins –<br />

uma espécie de lichia barroca.<br />

No estande Massas Nancy, a disputa pela atenção dos<br />

fregueses é tão dura quanto pode ser um legítimo grano duro.<br />

Raviólis brigam com fusilis. Nhoques entram em choque com talharins.<br />

Espaguetinis partem para a ignorância com tortelonis. Todos parecem ter sangue al<br />

dente. Mas, olhando mais de perto, vemos que é só molho de tomate.<br />

A última parada do grupo é no boxe Mr. Josef, especializado em temperos. Luísa recomenda<br />

usarmos mais especiarias naturais em vez de pesar a mão no sódio do sal de<br />

cozinha comum — especialmente nocivo aos hipertensos (e havia alguns no grupo). E,<br />

no lugar do aroma artificial de baunilha, que tal usar as favas da baunilha legítima? Parece<br />

uma ótima pedida.<br />

De sobremesa, aprendemos que doces e compotas são repletos de carboidratos<br />

simples, com elevado índice glicêmico, sem oferecer quantidades significativas de fibras<br />

e outros nutrientes. Isso quando não carregam gorduras saturadas envolvidas em seu<br />

preparo. Todos concordamos que é melhor pegar leve.<br />

Ao final da visita guiada, Luísa despede-se com uma provocação:<br />

“O sistema de produção de alimentos de certo momento histórico é que<br />

determina nosso consumo alimentar. Ao longo do último século, o papel<br />

exercido pela publicidade e pelos meios de comunicação também não<br />

pode ser desprezado como influente formador de opinião nutricional”. E<br />

conclui: “Para escapar dos modismos gastronômicos, é muito importante<br />

que todos nós busquemos as melhores e mais confiáveis fontes de informação<br />

antes de fazermos nossas escolhas”.


leitura crítica<br />

foto_Michigan State University<br />

Aterosclerose: uma<br />

mudança de paradigma?<br />

As doenças cardiovasculares são as<br />

maiores causas de morte no mundo. Entre<br />

os principais fatores de risco encontra-se a<br />

obesidade, uma epidemia que acomete cerca<br />

de 1,1 bilhão de adultos e 10% das crianças<br />

no mundo todo. Embora tais números representem<br />

manifestações clínicas distintas em<br />

diferentes órgãos, remetem a um mesmo fenômeno:<br />

a aterosclerose.<br />

Há anos, considerou-se que seu aparecimento<br />

e desenvolvimento fossem meramente<br />

acúmulo de lipídios na parede arterial.<br />

Estudos recentes, contudo, principalmente<br />

nas duas últimas décadas, mudaram essa<br />

visão. Avanços em biologia vascular têm<br />

esclarecido que as lesões são de fato uma<br />

série de respostas celulares e moleculares<br />

altamente específicas e dinâmicas, es-<br />

Cristais de colesterol sendo projetados da parte interna do<br />

vaso, provocando lesão. As cores foram adicionadas para<br />

intensificar a visualização<br />

sencialmente inflamatórias por natureza.<br />

Em pacientes vulneráveis, fatores de risco<br />

traumatizam a porção mais interna do vaso<br />

(endotélio), estimulando uma resposta inflamatória/proliferativa<br />

que leva ao desenvolvimento<br />

da aterosclerose.<br />

Vários mecanismos têm sido descritos<br />

para explicar como uma placa estável<br />

pode tornar-se instável, romper-se e expor<br />

seu conteúdo e as porções mais internas<br />

da parede vascular — desencadeando ativação<br />

do sistema de coagulação e formação<br />

de trombo que pode ocluir completamente<br />

o vaso. A inflamação, porém, permeia todos<br />

eles e está intimamente envolvida na gênese,<br />

desenvolvimento, progressão e manifestação<br />

da aterosclerose.<br />

Recentemente, conforme estudo publicado<br />

na revista Nature (1), observou-se<br />

depósito de cristais de colesterol em fases<br />

muito precoces da aterosclerose. Sua presença<br />

foi relacionada à maior agregação<br />

celular, maior atividade inflamatória e instabilização<br />

da placa, levando a manifestações<br />

clínicas catastróficas.<br />

Diversos são os fatores e substâncias<br />

envolvidos nos fenômenos inflamatórios<br />

que incidem sobre a aterosclerose. Logo, é<br />

difícil apontar um só culpado nessa cadeia<br />

[1] Duewell P, Kono H, Rayner KJ e col. NLRP3 inflammasomes are required for atherogenesis and activated by cholesterol crystals. Nature 2010; 464: 1357-1362.<br />

de eventos, bem como discutir uma estratégia<br />

terapêutica específica. Se as lesões primordiais<br />

são de manifestação muito precoce,<br />

inclusive na infância, como determinar o<br />

momento de iniciar a terapia? É impossível<br />

abandonar a gordura e o colesterol da cadeia<br />

alimentar. O “bandido”, em algumas situações,<br />

é “mocinho” em outras, visto que a<br />

gordura é uma fonte indiscutível de energia<br />

e não podemos viver sem ela. Nosso foco é<br />

o equilíbrio de cada componente nutricional<br />

dentro da dieta.<br />

Esse estudo mostra, pela primeira vez,<br />

a presença dos cristais de colesterol nas fases<br />

precoces da aterosclerose e como se relaciona<br />

à gênese da inflamação. Entretanto,<br />

trata-se de um estudo experimental observacional,<br />

sem descrição detalhada da amostra<br />

e sem população controle, o que limita a interpretação<br />

dos dados e impede a extrapolação<br />

dos resultados para seres humanos. Assim,<br />

há um longo caminho a ser trilhado nesse<br />

campo e estudos clínicos são necessários<br />

para dar robustez ao achado inicial.<br />

À luz dos conhecimentos atuais, a aterosclerose<br />

deve ser considerada uma doença<br />

multifatorial, onde fatores genéticos predisponentes<br />

encontram um ambiente favorável<br />

a seu desenvolvimento, uma vez que o estilo<br />

de vida moderno concorre para o consumo de<br />

alimentos industrializados, ricos em gorduras<br />

saturadas e colesterol e a atividade física<br />

regular parece uma condição cada vez mais<br />

distante. Cabe a nossa contribuição e decisão<br />

para quebrar esse círculo vicioso.<br />

fábio Cardoso de Carvalho é Doutor em Cardiologia pela faculdade de Medicina de Botucatu – UnESP e médico do setor de Hemodinâmica e Cardiologia<br />

Intervencionista do Hospital das Clínicas da UnESP.


Modulação da microbiota<br />

intestinal: uma nova perspectiva<br />

para a saúde do hospedeiro?<br />

A microbiota intestinal (MI) é composta<br />

por trilhões de células microbianas que influenciam<br />

uma série de reações bioquímicas<br />

determinantes da saúde e de diversas doenças<br />

do hospedeiro. Por isso, é cada vez maior<br />

o interesse em modulá-la no sentido de melhorar<br />

a saúde e reduzir o risco de doenças ao<br />

longo da vida.<br />

A composição da MI é similar na maioria<br />

dos indivíduos saudáveis, com cerca de 90% dos<br />

micro-organismos pertencentes aos filos Firmicutes<br />

e Bacteroidetes. No entanto, as espécies<br />

podem variar entre indivíduos [1,2]. A composição<br />

e a atividade metabólica da MI podem<br />

ser alteradas por fatores como tratamento com<br />

antibióticos, processos inflamatórios, idade e<br />

dieta. Evidências sugerem que tais alterações<br />

se acompanham por mudanças no genoma coletivo<br />

da MI (microbioma) e estudos recentes<br />

têm buscado verificar como alterações no padrão<br />

alimentar podem influenciar o microbioma<br />

e, deste modo, a fisiologia humana.<br />

Nossa dieta pode conter prebióticos,<br />

ingredientes seletivamente fermentáveis que<br />

permitem mudanças específicas na composição<br />

ou atividade da MI [3]. Vários polissacarídeos<br />

complexos não digeríveis de origem<br />

vegetal podem ser considerados prebióticos,<br />

como os frutanos do tipo inulina e os fruto-oligossacarídeos.<br />

Estudos in vitro e in vivo mostram<br />

que esses compostos podem estimular<br />

seletivamente gêneros de bactérias benéficas<br />

ao hospedeiro, como, por exemplo, Lactobacillus<br />

spp. e Bifidobacterium spp. Esses carboidratos<br />

não digeríveis são a maior fonte de<br />

energia para a comunidade microbiana e sua<br />

fermentação é uma das principais funções codificadas<br />

no microbioma. Assim, alterações no<br />

tipo e quantidade de prebióticos poderiam resultar<br />

em mudanças na composição e funções<br />

metabólicas da MI.<br />

Em estudo recente [4], foi investigado o<br />

locus gênico de utilização de frutanos do Bacteroides<br />

thetaiotaomicron (Bt), com o objetivo<br />

de saber como espécies de Bacteroides spp.<br />

metabolizam essa classe de carboidratos. Presentes<br />

em maior proporção na microbiota humana,<br />

apresentam ampla capacidade de utilizar<br />

diferentes tipos de polissacarídeos que<br />

são codificados no seu genoma por clusters<br />

de genes corregulados. Análises revelaram<br />

um “sensor/receptor” para frutose, que controla<br />

o locus de utilização de frutano em Bt. Os<br />

resultados mostraram, ainda, que o conteúdo<br />

genético desse locus difere entre as espécies<br />

de Bacteroides spp., sugerindo uma especificidade<br />

e abrangência na utilização dos frutanos.<br />

Além disso, foi verificado que a endofrutanase<br />

ß2-6 extracelular (BT1760) distingue, geneticamente<br />

e funcionalmente, a espécie Bt e<br />

permite que esse micro-organismo utilize o<br />

frutano tipo levano com ligações ß2-6. Os re-<br />

[1] Zoetendal, E.G.; Rajilic-Stajanovic, M.; de Vos, W.M. High-throughput diversity and functionality analysis of the gastrointestinal tract microbiota. Gut 57:1605-1615, 2008. [2] Turnbaugh, P.J.; Hamady, M.; Yatsunenko, T.,<br />

et al. A core gut microbiome in obese and lean twins. Nature, 457:480-484, 2009. [3] Roberfroid, M.B. General introduction: prebiotics in nutrition. In: Gibson, G.R.; Roberfroid, M.B. Handbook of prebiotics. Boca Raton: CRC,<br />

2008. p.1-11. [4] Sonnenburg, E.D.; Zheng, H.; Joglekar, P. et al. Specificity of polysaccharide use in intestinal Bacteroides species dertermines diet-induced microbiota alterations. Cell, 141:1241-1252, 2010.<br />

Dra. raquel Bedani, Mestre e Doutora em Alimentos e nutrição pela faculdade de Ciências farmacêuticas-UnESP e Pós-Doutoranda do Departamento de<br />

tecnologia Bioquímico-farmacêutica da faculdade de Ciências farmacêuticas-USP.<br />

leitura crítica 47<br />

sultados indicaram que BT 1760 é uma enzima<br />

específica para esse tipo de frutano, com atividade<br />

não detectada para frutanos com ligação<br />

ß2-1 (inulina, por exemplo). Entre as espécies<br />

de Bacteroides spp. testadas, Bt pareceu ser<br />

a única capaz de utilizar levano. No entanto,<br />

outras espécies foram capazes de utilizar frutanos<br />

poliméricos com ligação ß2-1.<br />

Os autores sugerem que diferenças fenotípicas<br />

associadas a alterações da dieta poderiam<br />

explicar a variabilidade vista entre indivíduos<br />

em estudos de enumeração da microbiota<br />

humana. Assim, espécies de micro-organismos<br />

mais adaptadas em utilizar um certo prebiótico<br />

levariam vantagem competitiva em relação às<br />

outras espécies em hospedeiros submetidos a<br />

uma dieta rica neste ingrediente.<br />

Os resultados do estudo sugerem que<br />

mudanças na MI, induzidas pela dieta, poderiam<br />

ser predeterminadas baseadas na capacidade<br />

intrínseca das espécies de micro-organismos<br />

de metabolizar substratos consumidos<br />

pelo hospedeiro. Nesse sentido, a hipótese<br />

levantada é a de que dietas enriquecidas (ou<br />

deficientes) de determinados polissacarídeos<br />

complexos poderiam resultar em microbiotas<br />

com diferentes espécies, bem como com diferentes<br />

atividades metabólicas.<br />

Confirmada essa hipótese, a dieta poderia<br />

ser personalizada para otimizar a função da<br />

microbiota e a interação da mesma com o hospedeiro,<br />

tendo por base informações obtidas de<br />

análises genéticas da comunidade microbiana<br />

intestinal do indivíduo. Entretanto, é de suma<br />

importância que novos trabalhos sejam realizados,<br />

no sentido de se compreender melhor a relação<br />

entre estrutura e função dos prebióticos,<br />

bem como o papel dos micro-organismos intestinais<br />

na saúde e doença do hospedeiro.

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