SEGUNDA EXPEDIÇÃO A LUTA OS SERTÕES de Euclides da ... - Uol
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<strong>SEGUNDA</strong> <strong>EXPEDIÇÃO</strong><br />
A <strong>LUTA</strong><br />
<strong>OS</strong> <strong>SERTÕES</strong><br />
<strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cunha<br />
TEATRO OFICINA UZYNA UZONA<br />
1
P R E P A R A T I V O S D A R E A Ç Ã O<br />
G A B I N E T E E M S A L V A D O R<br />
(Um tapete ver<strong>de</strong> que <strong>de</strong> cima <strong>de</strong>ve ser visto como uma mesa <strong>de</strong> estratégias. Som <strong>da</strong>s fichas eletrônicas <strong>de</strong><br />
Las Vegas e os ecos simultâneos <strong>da</strong>s notícias que irradiam o prelúdio <strong>da</strong> guerra sertaneja:)<br />
… A FORÇA DO TENENTE PIRES FERREIRA FOI ATACADA DE SURPRESA POR UMA MULTIDÃO<br />
ENORME DE BANDID<strong>OS</strong> FANÁTIC<strong>OS</strong>…<br />
… O SOLDADO DA 2A COMPANHIA TEOTÔNIO PEREIRA BACELAR, ESTROPIADO DA MAR-<br />
CHA ATÉ UAUÁ FOI DEGOLADO POR UM BANDIDO …<br />
… MORRERAM <strong>OS</strong> ALFERES CARL<strong>OS</strong> AUGUSTO COELHO D<strong>OS</strong> SANT<strong>OS</strong>, O SEGUNDO SAR-<br />
GENTO HEMETÉRIO PEREIRA D<strong>OS</strong> SANT<strong>OS</strong> BAHIA, <strong>OS</strong> SOLDAD<strong>OS</strong> …<br />
… A FORÇA RECUOU POR FALTA DE VÍVERES E OUTR<strong>OS</strong> RECURS<strong>OS</strong> NAQUELA LOCALIDADE<br />
…<br />
… <strong>OS</strong> BANDID<strong>OS</strong> ESTAVAM ARMAD<strong>OS</strong> EM GRANDE PARTE COM CARABINAS CHUCHU, OUT-<br />
R<strong>OS</strong> TINHAM BACAMARTES, GARRUCHAS E PISTOLAS E QUASE TOD<strong>OS</strong> TRAZIAM ALÉM<br />
DAS ARMAS DE FOGO, GRANDES FACÕES, FOICES E MACHAD<strong>OS</strong> …<br />
(Retumba a Canção <strong>da</strong> Infantaria em escalas graves, num <strong>de</strong>finhamento <strong>de</strong> bits pesados <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrota. Governador<br />
<strong>da</strong> Bahia e General Solon contracenam com web-câmeras numa “ví<strong>de</strong>o conferência jogo <strong>de</strong> cassino”.<br />
As peças do jogo, praças, oficiais, médicos, armamentos, civis, po<strong>de</strong>m ser sapatos e botas diferenciados para<br />
ca<strong>da</strong> patente que são dispostos na mesa estrategicamente pela Mulher Dama do Cassino. Os armamentos<br />
também po<strong>de</strong>m ser outros objetos. O governador ativa os computadores.)<br />
GOVERNADOR LUÍS VIANA<br />
General Solon ?<br />
GENERAL FREDERICO SOLON<br />
(expectante)<br />
Governador Viana.<br />
Po<strong>de</strong> falar.<br />
GOVERNADOR LUÍS VIANA<br />
Os infantes acabam <strong>de</strong> chegar.<br />
GENERAL FREDERICO SOLON<br />
Em Juazeiro.<br />
GOVERNADOR LUÍS VIANA<br />
Em Juazeiro.<br />
Já correu a notícia<br />
pelo país inteiro ?<br />
GENERAL FREDERICO SOLON<br />
Estão Derrotados ?<br />
2
GOVERNADOR LUÍS VIANA<br />
Coitados.<br />
Mas as baixas foram o mínimo<br />
8 mortos<br />
e 17 feridos.<br />
Vamos reforçar<br />
ponho cem praças<br />
e 3 oficiais<br />
e a força volta a atacar.<br />
Tudo não passa <strong>de</strong> agitação …<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns habituais<br />
acessíveis a diligências policiais.<br />
GENERAL SOLON<br />
Desculpe Governador,<br />
eu me contrapor,<br />
mas consi<strong>de</strong>ro-a séria,<br />
capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras operações <strong>de</strong> guerra.<br />
P A R I S<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
Le peuple, lʼarmée, nʼont pas la comprenssion <strong>de</strong>lʼesprit <strong>de</strong> mes pauvres gens du sertão,<br />
Le peur, la paranoiá <strong>de</strong> petits font toujours confusion<br />
Les petites buorgeois <strong>de</strong> les villes,<br />
finissent pour provoquer, ils même cette passion.<br />
Ici a Paris, avec com chien, mon chat, mon bon Proust,<br />
en prennant ma tapioca, pinga avec romã,<br />
je vous <strong>de</strong>man<strong>de</strong>s pour mes gens du pays du <strong>de</strong><strong>de</strong><strong>da</strong>ns<br />
Moi la Baronnese <strong>de</strong> Jeremomabo,<br />
la <strong>de</strong>sterrée pour les gens <strong>de</strong> Conselheiro quʼont occupée<br />
les terres <strong>de</strong> mʼinfance perdue,<br />
un peu plus visios <strong>de</strong> vue,<br />
je suis sensible, la fievre me couronne <strong>de</strong> pardon<br />
Moi, la baiana exilé<br />
Je vous en prie, pietée!<br />
Ah, aimez avec moi ces terres<br />
De la recherche <strong>de</strong> notre temps perdu<br />
Je sens l”o<strong>de</strong>ur <strong>de</strong> la mer<strong>de</strong> cru,<br />
qui brule seche <strong>da</strong>ns mon foyer foutu .<br />
GENERAL FREDERICO SOLON<br />
Novas retira<strong>da</strong>s serão in<strong>de</strong>corosas,<br />
prejudiciais.<br />
O revés <strong>de</strong> Uauá requer reação segura.<br />
Eu ponho agora 100 praças<br />
e 8 oficiais<br />
e ao governo fe<strong>de</strong>ral<br />
peço recursos mais !<br />
3
GOVERNADOR LUÍS VIANA<br />
Mais 100 homens ?<br />
Não há motivo pra <strong>de</strong>sespero...<br />
E um oficialato inteiro ?…<br />
Não é uma guerra mundial<br />
uma epi<strong>de</strong>mia<br />
são fanáticos <strong>de</strong> um arraial<br />
agitando a Bahia !<br />
GENERAL FREDERICO SOLON<br />
São criminosos !<br />
Mando 2 médicos adjuntos<br />
para tratamentos dolorosos.<br />
GOVERNADOR LUÍS VIANA<br />
Siga logo sob meu comando estrito<br />
A tropa do Major Febrônio <strong>de</strong> Brito.<br />
(O ator que faz o major dispõe-se para a cena.)<br />
GENERAL FREDERICO SOLON<br />
Não aceito seu comando sem plano,<br />
sou um militar <strong>de</strong> consciente republicano.<br />
Recorro a nossa mais alta militar instância<br />
o Conselho <strong>de</strong> Beligerância.<br />
I M P A S S E<br />
(No centro o Major vai sendo vestido pela mulher do cassino, paramentando Distintivos, camisa, calça,<br />
chapéu. Seus homens estão no trem-galeria acompanhados pelo sol<strong>da</strong>do telégrafo-eletrônico. Apito do tremgaleria.<br />
Vai partir!)<br />
MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />
(para seus homens)<br />
Vamos seguir agora neste trem para Queima<strong>da</strong>s.<br />
Nosso objetivo: a doença cancerosa, Canudos, lanceta<strong>da</strong>.<br />
1886, dia 25 <strong>de</strong> Novembro<br />
25 dos encontros para to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,<br />
dos meus sempre lembro,<br />
neste 25 anuncio nosso encontro com Alegria !<br />
Eu, coman<strong>da</strong>nte do 9° Batalhão <strong>de</strong> Infantaria,<br />
Meu nome é Febrônio <strong>de</strong> Brito,<br />
Vosso Major favorito.<br />
O Governo <strong>da</strong> Bahia e o Chefe <strong>de</strong> nosso Distrito<br />
criam agora, neste momentâneo conflito,<br />
um Plano firme pra nossa investi<strong>da</strong><br />
com responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s<br />
O plano virá.<br />
Cabe a nós em Queima<strong>da</strong>s, esperar,<br />
Ébrios, na febre <strong>da</strong> Vitória sem <strong>de</strong>sanimar,<br />
Pois, Venceremos !<br />
4
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Venceremos !<br />
MAJOR FEBRONIO DE BRITO<br />
Já Vencemos!<br />
Embarquemos.<br />
Ouço o apito<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Viva Nosso coman<strong>da</strong>nte Febrônio <strong>de</strong> Brito.<br />
(O trem parte.)<br />
CONFLIT<strong>OS</strong> DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA<br />
R I O N O C O N S E L H O S U P E R I O R DE<br />
G U E R R A<br />
GENERAL SOLON, GOVERNADOR DA BAHIA,<br />
MINISTRO DA DEFESA, PRESIDENTE DA REPÚBLICA;<br />
INSTRUTORES AMERICAN<strong>OS</strong>, ESPIÕES, MOUR<strong>OS</strong>;<br />
ATORES EXÉRCITO AUSTRÍACO<br />
UM DUPLO DE FEBRÔNIO<br />
ATORES EXÉRCITO SERTANEJO<br />
GENERAL SOLON<br />
Exmo. Ministro <strong>da</strong> Defesa do Governo Fe<strong>de</strong>ral,<br />
informações alarmantes para o Estado Nacional:<br />
a gran<strong>de</strong>za do número <strong>de</strong> rebel<strong>de</strong>s em Canudos,<br />
que já é praticamente um estado<br />
e os empecilhos <strong>da</strong> região selvagem,<br />
aon<strong>de</strong> o arraial está acoitado.<br />
Consciente <strong>da</strong>s dificula<strong>de</strong>s que passa o país,<br />
ain<strong>da</strong> assim não me posso omitir,<br />
requisito no orçamento<br />
verba pra equipamento.<br />
Sucata <strong>da</strong> Guerra do Paraguai ?<br />
Pra nação, vergonha, <strong>de</strong>sdém.<br />
Importemos os mais mo<strong>de</strong>rnos que tem,<br />
fornecidos pelo Vale do Ruhr e Essem.<br />
Bravos sol<strong>da</strong>dos seguem agora pra luta,<br />
merecem nas corajosas mãos alta tecnologia,<br />
pra curar com precisa cirurgia,<br />
perfurando a resistência <strong>de</strong>sse bolsão,<br />
sem sangria prolonga<strong>da</strong>, indiscrimina<strong>da</strong> no sertão.<br />
(Vai projetando os catálagos <strong>de</strong> ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> armas em DVD. Música <strong>de</strong> encantamento.)<br />
Metralhadoras Nor<strong>de</strong>nfeldt, 4<br />
2 canhões Krupp, <strong>de</strong> campanha,<br />
5
e mais 250 sol<strong>da</strong>dos na façanha:<br />
De Aracajú, 100, do 26° Batalhão.<br />
De Alagoas 150 do 33º na Formação<br />
(Para o público.)<br />
Convocação militar.<br />
Que brasileiro republicano vai negar ?<br />
(Conforme ele vai falando, vão se transformando em batuques telegráficos notícias que vibram <strong>da</strong> orla dos<br />
sertões para o Brasil inteiro.)<br />
Q U E I M A D A S<br />
(Treinamento <strong>de</strong> tiro ao ar livre, linha <strong>de</strong> trem, <strong>de</strong> telégrafo, ponto <strong>de</strong> encruzilha<strong>da</strong> entre o Brasil civilizado e<br />
o sertão.)<br />
O R A Ç Ã O M E D I T A T I V A<br />
(Ao som do telégrafo, dum trem que passa… e o silêncio misterioso do sertão que começa, área limite.)<br />
MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />
Trem, Telégrafo, Tiros,<br />
Aqui, Civilização…<br />
Lá Sertão…<br />
PRAÇAS DE PRÉ<br />
Expectantes<br />
Ignorantes<br />
Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> abre as asas sobre os nós,<br />
243 praças <strong>de</strong> pré,<br />
baldos <strong>de</strong> recursos, braços e pés.<br />
OFICIAIS E MÉDIC<strong>OS</strong><br />
Desencontra<strong>da</strong>s informações,<br />
Oscilam emoções,<br />
Desalentos…<br />
Tormentos…<br />
CABO<br />
A empresa é insuperável,<br />
a luta não vai <strong>da</strong>r em na<strong>da</strong>.<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
A luta vem plena <strong>de</strong> esperança inespera<strong>da</strong>…<br />
CORO DE PRÉS<br />
E esperas <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>s…<br />
MAJOR FEBRÔNIO<br />
Vem Natal, Ano velho vai,<br />
rezemos sol<strong>da</strong>dos ao céu,<br />
Plano <strong>de</strong> Campanha sai,<br />
6
quem vai trazer é Papai Noel !<br />
C O N S E L H O S U P E R I O R D E G U E R R A<br />
GENERAL SOLON<br />
(Caminha sobre enormes mapas estratégicos que po<strong>de</strong>m ser também projetados, enquanto fala.)<br />
Atacar a revolta por dois pontos incisivos<br />
fazendo avançar para um único objetivo<br />
não uma, mas sem lacunas, duas colunas,<br />
sob a direção geral do coronel do 9.° <strong>de</strong> Infantaria<br />
Pedro Nunes Tamarindo presente nesta consultoria.<br />
(Aplausos)<br />
PEDRO NUNES TAMARINDO<br />
(Com seu cachimbo.)<br />
São <strong>da</strong> luta as circinstâncias,<br />
estabelecer cerco à distancia;<br />
bater insurretos instância por instância,<br />
apertá-los, movimentos envolventes, cila<strong>da</strong>s<br />
forças pouco numerosas, a<strong>de</strong>stra<strong>da</strong>s,<br />
entranha<strong>da</strong>s, amasia<strong>da</strong>s, aos terrenos <strong>de</strong> ameaças<br />
libertas <strong>da</strong> centopéia vagarosa <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s massas…<br />
GENERAL SOLON<br />
É original o método dos matutos,<br />
na tática estonteadora <strong>da</strong> fuga,<br />
guerrilheiros impalpáveis, absolutos.<br />
Mas atacar, atraindo-os para diferentes pontos, é vencê-los.<br />
Nossos patrícios, há cem anos, saíam dos mo<strong>de</strong>los.<br />
Criavam “tropas irregulares”,<br />
sem o embaço <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s táticas “regularesʼ<br />
sem formaturas, sem atas<br />
agiam folga<strong>da</strong>mente no trançado <strong>da</strong>s matas<br />
auxiliando, reforçando, pares<br />
a ação <strong>da</strong>s tropas regulares.<br />
Minúsculos exércitos <strong>de</strong> “capitães-do-mato”,<br />
num sem conto <strong>de</strong> revoltas, <strong>da</strong>ndo trato<br />
batalhas ferocíssimas, sem nome,<br />
imitando sistema do índio, do africano, homem a homem<br />
os sertanistas dominavam, não vamos esquecer<br />
no dividir para fortalecer.<br />
Neste transe igual vamos pra ofensiva,<br />
no recuo inevitável à guerra primitiva.<br />
O jagunço solerte e bravo <strong>de</strong>finiu a tática<br />
Assim como a natureza excepcional que o <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> na prática.<br />
(Esta cena será feita por dois grupos, os do teatro italiano: sol<strong>da</strong>dos do exército e os do teato, sertanejos,<br />
entre as <strong>de</strong>pendências <strong>de</strong> uma aula que começa num Palco Italiano. Em ensaios abertos será feita com o público<br />
como se fosse uma Oficina <strong>de</strong> dois Teatros. São necessários os quepes tipo teatro italiano com cortinas<br />
para os austríacos e corpos <strong>de</strong> 360 graus para os sertanejos.)<br />
T E A T R O – T E A T O<br />
PALCO ITALIANO DA ESCOLA SUPEROR DE GUERRA<br />
7
FELDMARECHAIS<br />
Nós, doutores na arte <strong>de</strong> matar hoje na Europa,<br />
invadimos a ciência com a tropa,<br />
perturbando seu remanso e <strong>de</strong>scanço,<br />
num retinir <strong>de</strong> esporas insolentes,<br />
formulando leis para a guerra, equações,<br />
batalhas inteligentes.<br />
Temos <strong>de</strong>finido o papel <strong>da</strong>s florestas: agente tático precioso,<br />
na ofensiva e <strong>de</strong>fensiva ,<br />
“Catingas” para nós, é assunto ocioso.<br />
GENERAL SOLON<br />
Senhores sábios feldmarechais vão rir,<br />
mas as caatingas pobres<br />
são muito mais difíceis <strong>de</strong> engolir.<br />
FELDMARECHAIS<br />
Nós somos Guerreiros <strong>de</strong> cujas mãos<br />
a heróica machadinha caiu<br />
famosa,<br />
<strong>de</strong> dois gumes,<br />
levávamos no quadril:<br />
a Francisca,<br />
mas foi traí<strong>da</strong>, sumiu,<br />
no lápis calculista.<br />
Uzinas <strong>de</strong> Florestas,<br />
fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa do território,<br />
nas fronteiras envoltório,<br />
quebrando o embate <strong>da</strong>s invasões,<br />
impe<strong>de</strong> rápi<strong>da</strong>s mobilizações<br />
e provoca avarias<br />
nas artilharias.<br />
FLORESTAS<br />
(São as mesmas atrizes disfarça<strong>da</strong>s <strong>de</strong> florestas que <strong>de</strong>pois se <strong>de</strong>spem e viram caatingas.)<br />
Neutras no curso <strong>da</strong>s campanhas,<br />
giletes, favorecemos os dois lados, sem barganhas,<br />
oferecendo mesma penumbra às embosca<strong>da</strong>s,<br />
mesmas cila<strong>da</strong>s, mesmos resultados,<br />
manobras dificultamos: pra touros, cobras e veados.<br />
(Tirando as vestes <strong>de</strong> Florestas.)<br />
CAATINGAS<br />
Nós não,<br />
caatingas somos alia<strong>da</strong>s incorruptíveis do sertanejo em revolta !<br />
Entramos também na Luta.<br />
Armamo-nos no combate, atacamos.<br />
Impenetráveis o forasteiro trancamos,<br />
mas abrimos em trilhas multívias<br />
para o matuto que aqui nasceu e cresceu.<br />
8
JOÃO ABADE<br />
(Com um lenço-arma <strong>de</strong> guerrilheiro tugue. Canto indiano.)<br />
O Jagunço faz-se guerrilheiro-tugue, intangível,<br />
cruel sertajeno <strong>da</strong> India, invisível,<br />
Caatingas pra além <strong>de</strong> escondrerijo,<br />
nos mimam, nos fazem rijos.<br />
SOLDAD<strong>OS</strong> AUSTRÍAC<strong>OS</strong> DO PALCO ITALIANO<br />
(Marchando.)<br />
Enfim avisto as caatingas do sertão !<br />
É verão,<br />
Coluna em marcha, mochilas a tiracolo,<br />
Sigamos, que bom, caminhos torcicólos,<br />
Sol<strong>da</strong>dos com olhos <strong>de</strong>vassemos<br />
matagal sem folhas,<br />
no inimigo, nem pensemos.<br />
Que calor,<br />
marcha <strong>de</strong>salinha<strong>da</strong>,<br />
ouvido, espreguiça<br />
é um canto, enfeitiça,<br />
o vozear confuso <strong>da</strong>s conversas, abobrinhas<br />
trava<strong>da</strong>s em to<strong>da</strong>s as linhas,<br />
virgula<strong>da</strong>s <strong>de</strong> tinidos <strong>de</strong> armas <strong>de</strong>licados,<br />
cindi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> risos joviais mal sofreados.<br />
Na<strong>da</strong> nos atormenta.<br />
Se o inimigo impru<strong>de</strong>nte aparecer pra um enfrentamento,<br />
Varreremos num momento.<br />
(olhando para as catingas)<br />
Esgallhos viram estilhas,<br />
gravetos finos, trilhas<br />
um breve choque <strong>de</strong> espa<strong>da</strong>s<br />
quebram no arranco <strong>da</strong>s manobra<strong>da</strong>s.<br />
Na<strong>da</strong> nos atormenta.<br />
Se o inimigo impru<strong>de</strong>nte aparece prum enfrentamento?<br />
varreremos num momento.<br />
(Breque. Os sertanejos escondidos dão o primeiro tiro.)<br />
De repente estoura um tiro...<br />
UM SOLDADO<br />
A bala passa, rechinante.<br />
(O sol<strong>da</strong>do é baleado e esten<strong>de</strong>-se no chão morto.)<br />
(Os sertanejos dão tiros pausa<strong>da</strong>mente passando sobre as tropas, em sibilos longos.)<br />
TROPA<br />
Nossos cem, duzentos,<br />
9
mil olhos projetemos,<br />
(Volvem impacientes, em ro<strong>da</strong>.)<br />
Na<strong>da</strong> vemos !<br />
Surpresas Primeiras !<br />
Um fluxo <strong>de</strong> espanto corre <strong>de</strong> uma a outra ponta <strong>da</strong>s fileiras.<br />
O antagonista nos vê mas não é visto por nós …<br />
(E os tiros continuam raros,<br />
mas insistentes e compassados,<br />
pela esquer<strong>da</strong>,<br />
pela direita,<br />
pela frente agora,<br />
irrompendo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a ban<strong>da</strong>.<br />
Estranha ansie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
os mais provados valentes inva<strong>de</strong>.<br />
(Uma companhia forma-se celeremente em atiradores, mal <strong>de</strong>staca<strong>da</strong> dos batalhões que estão esmagados uns<br />
sobre os outros na vere<strong>da</strong> estreita.)<br />
COMANDANTE<br />
Fogo!<br />
TROPA<br />
Um turbilhão <strong>de</strong> balas rola estrugidoramente <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s galha<strong>da</strong>s.<br />
SERTANEJ<strong>OS</strong><br />
Mas<br />
constantes,<br />
ruminantes,<br />
longamente intervalados<br />
nossos projéteis zunem traçados…<br />
Atiradores invisíveis<br />
<strong>da</strong> caatinga no seio<br />
batendo vossas fileiras em cheio.<br />
SOLDAD<strong>OS</strong> AUSTRÍAC<strong>OS</strong> DO PALCO ITALIANO<br />
Situação lisérgica<br />
exige resoluções enérgicas.<br />
(Destacam-se outras uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s combatentes por to<strong>da</strong> a estensão do caminho e ficam prontar para agir ao<br />
primeiro comando.)<br />
COMANDANTE DO PALCO ITALIANO<br />
Eu coman<strong>da</strong>nte, estou resolvido:<br />
Duen<strong>de</strong>s ou não, é povo vivo!<br />
Carregar contra o <strong>de</strong>sconhecido!<br />
(A força cala as baionetas, e forma uma linha que lampeja com a luz, com elas. Prepara-se para atravessar<br />
rapi<strong>da</strong>mente as caatingas.)<br />
SOLDAD<strong>OS</strong> AUSTRÍAC<strong>OS</strong> DO PALCO ITALIANO<br />
Vamos mais próximo <strong>da</strong> cena,<br />
10
o adversário parece recuar apenas.<br />
CAATINGAS<br />
Venham sol<strong>da</strong>dos !<br />
É a <strong>de</strong>ixa pra cena que se inicia<br />
nesse exato momento<br />
surge o antagonismo formidável <strong>da</strong> caatinga.<br />
COMANDANTE (para a tropa)<br />
Lá on<strong>de</strong> estalam estampidos!<br />
(Se atiram no Coro <strong>da</strong> Caatinga que forma uma barreira <strong>de</strong> juremas.)<br />
Ai! Uma barreira <strong>de</strong> juremas estamos fodidos.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
(Dentro do cipoal <strong>de</strong> juremas.)<br />
Não nos ren<strong>da</strong>mos ao cipoal,<br />
nos agrilhoa,<br />
nos <strong>de</strong>ixa a toa,<br />
nos arrebata as armas <strong>da</strong> mão !<br />
UM SOLDADO<br />
Mas transpor não vingamos, não!<br />
FEBRÔNIO<br />
Saiamos !<br />
(Sai ofegante, <strong>de</strong>pois em surdina para as plantas não ouvirem. Contornam, volvem aos lados. Formam novamente<br />
a linha e tentam <strong>de</strong> novo atravessar mas se divi<strong>de</strong>m batendo contra a a caatinga que forma xiquexiques.)<br />
OUTRO SOLDADO<br />
As linhas partem-se quase !? Sem Pique!<br />
Faiscando contra renques espessos <strong>de</strong> xiquexique.<br />
(Os sol<strong>da</strong>dos tontos livram-se dos xiquexiques e correm, sem saber para on<strong>de</strong>, num labirinto formado pela<br />
caatinga xiquexiques. A caatinga vira quipás reptantes e laça os pés dos sol<strong>da</strong>dos que estão correndo. Alguns<br />
caem e outros imobilizam-se, estacam chumbados pelas pernas.)<br />
COMANDANTE FEBRÔNIO<br />
Combatam sol<strong>da</strong>dos, vós sois a vanguar<strong>da</strong>.<br />
(Parte <strong>da</strong> caatinga, macambiras, feita <strong>de</strong> garras felinas cobertas <strong>de</strong> espinhos, entra na luta e cerca e se esfrega<br />
quase imóvel nos sol<strong>da</strong>dos que se <strong>de</strong>batem <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>mente. As macambiras assim, com o movimento dos<br />
próprios sol<strong>da</strong>dos, vão arrancando em pe<strong>da</strong>ços as far<strong>da</strong>s.)<br />
CABO CÚ<br />
Estão <strong>de</strong>ixando em pe<strong>da</strong>ços nossa far<strong>da</strong>.<br />
Não há na<strong>da</strong> que mais ar<strong>da</strong> !<br />
Os espinhos recurvos <strong>da</strong>s macambiras vão acabar me <strong>de</strong>ixando nu.<br />
E ain<strong>da</strong> põe no nosso cu !<br />
Estou puto, puta que o pariu,<br />
11
prefiro lutar com jagunço que nunca meu olho viu.<br />
COMANDANTE FEBRÔNIO<br />
(irritado)<br />
É or<strong>de</strong>m dispersa, sem dispersão !<br />
Não o tumulto <strong>da</strong> confusão !<br />
O Exército não admite ! Sem palavrão !<br />
(No tumultoos sol<strong>da</strong>dos atiram a esmo, sem pontaria, numa indisciplina <strong>de</strong> fogo. Acertam os próprios companheiros.)<br />
SOLDADO AUSTRÍACO DO PALCO ITALIANO<br />
Socorro ! Cessar fogo no amigo !<br />
Fomos atingidos ! Socorro ! No umbigo !<br />
SERTANEJ<strong>OS</strong><br />
Enquanto em torno<br />
C i r c u l a n d o<br />
rítmicos,<br />
fulminantes,<br />
terríveis,<br />
bem apontados,<br />
seguros,<br />
projetis vários,<br />
<strong>de</strong> <strong>da</strong>nçarinos obscuros<br />
acertamos nos adversários.<br />
Num repente,<br />
quente,<br />
sem mote.<br />
Stop.<br />
(Silêncio.)<br />
(Os sol<strong>da</strong>dos voltam para a coluna <strong>de</strong> marcha.)<br />
SOLDAD<strong>OS</strong> AUSTRÍAC<strong>OS</strong> DO PALCO ITALIANO<br />
Desaparece o inimigo que ninguém viu.<br />
Voltamos <strong>de</strong>sfalcados.<br />
Como eles agem?<br />
Tem parte com os diabos<br />
<strong>da</strong> caatinga selvagem!<br />
Saimos <strong>de</strong> um braço a braço ?<br />
Mas com quem ? Que viagem !<br />
Alucina<strong>da</strong>s giras !<br />
Armas estron<strong>da</strong><strong>da</strong>s, perdi<strong>da</strong>s! Vestes em tiras !?<br />
Claudicando estropiados…<br />
Eu queria ficar calado,<br />
mas que urtiga urtiga infernal<br />
Arma química ? Pior, vegetal !<br />
COMANDANTE FEBRÔNIO<br />
Reorganizemos a cena tropa obscena !<br />
12
(A tropa esfarrapa<strong>da</strong> reorganiza-se. Renova-se a marcha.<br />
A coluna estira<strong>da</strong> a dois <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong>riva pelas vere<strong>da</strong>s em fora, estampando no cinzento <strong>da</strong> paisagem<br />
o traço vigoroso <strong>da</strong>s far<strong>da</strong>s azuis listra<strong>da</strong>s <strong>de</strong> vermelho<br />
e o coruscar intenso <strong>da</strong>s baionetas ondulantes<br />
Alonga-se;<br />
afasta-se;<br />
<strong>de</strong>saparece.<br />
Passam-se minutos).<br />
(João Aba<strong>de</strong>, Pajeú, João Gran<strong>de</strong>, Norberto Cariri <strong>de</strong>slizam rápido até o lugar <strong>da</strong> refrega e agrupam-se. Consi<strong>de</strong>ram<br />
por momentos a tropa, indistinta, ao longe.<br />
Sopesam as espingar<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> aqueci<strong>da</strong>s, que soltam fumaça.<br />
Tomam precípites pelas vere<strong>da</strong>s para pousos ignorados.)<br />
(A força vai prosseguindo mais cautelosa agora, em silêncio, procurando paranoica o inimigo entre o publico,<br />
em to<strong>da</strong> parte. O coman<strong>da</strong>nte apenas com gestos escolhe os homens mais fortes e forma duas companhias<br />
para caminhar ca<strong>da</strong> uma em um flanco protegendo a tropa. Destaca uma vanguar<strong>da</strong> bem escolhi<strong>da</strong> que<br />
corre para a frente.<br />
Alcançam uma quebra<strong>da</strong>, uma la<strong>de</strong>ira agreste,<br />
que é preciso transpor. Uma rampa no ponto do jardim, por exemplo. Hesitam. O coman<strong>da</strong>nte toma o<br />
binóculos e observa. O vi<strong>de</strong>o revela apenas uma caatinga rara. Campo aberto. Desce por ali a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
frente. Seguem-se-lhe os primeiros batalhões.<br />
SECA. A LUZ DESENHA O TREME TREME EM CAMADAS FOLHEADAS DAS MIRAÇÕES D<strong>OS</strong><br />
FALS<strong>OS</strong> OASYS.<br />
As briga<strong>da</strong>s escoam vagarosas.<br />
VANGUARDA<br />
Vanguar<strong>da</strong> que vais antes,<br />
que a tranquili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s briga<strong>da</strong>s garante,<br />
vai bonita com armas fulgurantes<br />
feri<strong>da</strong>s pelo sol, rebrilhando <strong>de</strong> soslaio<br />
feito uma torrente escura transu<strong>da</strong>ndo raios...<br />
O CAÇADOR DE BRIGADAS<br />
(Um estremecimento, choque convulsivo e irreprimível, fá-la estacar <strong>de</strong> súbito.<br />
Passa, ressoando, uma bala.<br />
Novos tiros. No princípio partem todos do mesmo ponto, feitos por atirador único. Como anteriormente,<br />
uma seção se <strong>de</strong>staca e vai,<br />
galerias acima, rastreando a direção dos estampidos.<br />
Mas os tiros vão ecoando, TIR<strong>OS</strong> ELETRÔNIC<strong>OS</strong>, batem nas pare<strong>de</strong>s até um torvelinho <strong>de</strong> ecos numerosos,<br />
sound around. E<br />
continuam lentos, assustadores, seguros.<br />
Afinal cessam.<br />
Os sol<strong>da</strong>dos esparsos pelos pendores que pesquisavam voltam às fileiras exaustos. Vibram os clarins. A tropa<br />
renova a marcha com algumas praças <strong>de</strong> menos. E quando as últimas armas quase <strong>de</strong>saparecem, ao longe, na<br />
última ondulação do solo, alguns sol<strong>da</strong>dos no fim <strong>da</strong> fila volvem o olhar e observam apavorados.)<br />
(A Luz revela <strong>de</strong>senterrando-se <strong>de</strong> montões <strong>de</strong> blocos nas estruturas—feito uma cariáti<strong>de</strong> sinistra em ruínas<br />
ciclópicas—um rosto bronzeado e duro; <strong>de</strong>pois um torso <strong>de</strong> atleta, encourado e rud; o caçador <strong>de</strong> briga<strong>da</strong>s<br />
transpõe velozmente as la<strong>de</strong>iras vivas no sentido oposto do exército e <strong>de</strong>saparece em momentos.)<br />
13
SOLDAD<strong>OS</strong> AUSTRIAC<strong>OS</strong> DO PALCO ITALIANO<br />
(Gritando berros <strong>de</strong> terror noturno.)<br />
É um caçador <strong>de</strong> briga<strong>da</strong>s !<br />
Trágico ! Do além !<br />
Pro nosso bem,<br />
continuemos, em dispara<strong>da</strong> !<br />
COMANDANTE DUPLO DE FEBRÔNIO<br />
Alto, batam coturnos !<br />
Gritos <strong>de</strong> pavores noturnos !?<br />
(Os sol<strong>da</strong>dos se contêm, param envergonhados.)<br />
Velhos lutadores<br />
não são mais crianças<br />
pra que essa <strong>de</strong>sconfiança ?<br />
(Um estalido <strong>de</strong> <strong>de</strong>iscência, feito por um ator, novo xilique.)<br />
Estremecimentos em ca<strong>da</strong> volta do caminho ?<br />
Foi só o estalido seco <strong>de</strong> um arbustinho !<br />
Pelos ermos em frente pelotões!<br />
Ah! Não aguento esses espetáculo sem plastici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> contínuas exaustões !<br />
SOLDAD<strong>OS</strong> AUSTRÍAC<strong>OS</strong><br />
Nossas tropas estão atormenta<strong>da</strong>s<br />
nesse golpear <strong>de</strong> cila<strong>da</strong>s !?<br />
Sangra<strong>da</strong>s pelo inimigo lentamente,<br />
que nos assombra e foge,<br />
nunca na nossa frente …<br />
Com franqueza,<br />
sentimos na própria força,<br />
nossa própria fraqueza.<br />
“O Homem” e “A Terra” nos batem afinal.<br />
Estamos nʼA Luta” <strong>de</strong>sigual.<br />
E agora que o sertão nesses bochornos estua<br />
A quem cabe a a vitória ? Conclua !<br />
MINOTAURO - CORO GERAL DO EXÉRCITO<br />
Minotauro, impotente possante,<br />
na envergadura <strong>de</strong> aço<br />
e grifos <strong>de</strong> baionetas,<br />
<strong>de</strong>sarmado !<br />
Minha garganta <strong>de</strong> se<strong>de</strong> exsica !<br />
Minha barriga <strong>de</strong> fome grita !<br />
À retaguar<strong>da</strong> animal !<br />
O <strong>de</strong>serto estéril ameaça, pior mal !<br />
O Flagelo é eminente !<br />
Foge Minotauro <strong>de</strong>mente !<br />
ANTEU - CORO SERTANEJO<br />
(Paramentação do Deus Anteu pela Flora <strong>da</strong> Caatinga e a Terra.)<br />
14
Flora agressiva pro inimigo<br />
abre agora pro teu sertanejo<br />
seio carinhoso e amigo.<br />
Te mamamos nas orgias,<br />
longas travessias,<br />
nos <strong>de</strong>svios vere<strong>da</strong>s,<br />
firmes nas rotas <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>s<br />
conheçemos por afeto<br />
palmo a palmo<br />
todos os recantos<br />
do imenso lar sem teto.<br />
Que importa a se a jorna<strong>da</strong> não para.<br />
se a habitação fica rara,<br />
E a cacimba quara ?<br />
Cercam-nos relações antigas.<br />
Árvores, velhas companheiras,<br />
to<strong>da</strong>s conheci<strong>da</strong>s gan<strong>da</strong>ieiras,<br />
Nascemos juntos, bem antes<br />
crescemos amantes,<br />
lutando com os mesmos fados,<br />
sócios dos mesmos dias remansados.<br />
Umbu tu nos <strong>de</strong>saltera<br />
dá sombra, atmosfera<br />
<strong>da</strong>s <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras folhas que carrega.<br />
Auricuri virente,<br />
mais tu Mari elegante,<br />
ain<strong>da</strong> tu quixaba extravagante,<br />
alimentam fartamente.<br />
IA! Palmatórias,<br />
Glórias !<br />
Fogosas em combustão<br />
nua dos espinhos numerosos,<br />
com man<strong>da</strong>carus talhados à facão,<br />
sustentam nosso campeão<br />
Folhas dos joazeiros,<br />
ranchos nôma<strong>de</strong>s cobrem inteiros.<br />
Caroás fibrosos,<br />
cordões flexíveis e vigorosos ...<br />
Se a noite é preciso avançar<br />
lança no escuro afogado o olhar<br />
tua fosforescência azula<strong>da</strong>, cunanãs,<br />
grinal<strong>da</strong>s fantásticas <strong>de</strong>pendura<strong>da</strong>s nos galhos<br />
guia até virem as manhãs.<br />
Ramo ver<strong>de</strong> <strong>de</strong> candombá<br />
archote fulgurante pra espantar<br />
suçuaranas <strong>de</strong>slumbra<strong>da</strong>s.<br />
Natureza mãe, amante, protetora bem ama<strong>da</strong><br />
Talha-nos Anteu, <strong>de</strong>us <strong>da</strong> terra, indomável,<br />
titãs bronzeados,<br />
fazendo a marcha dos exércitos inviável.<br />
15
(Encerra<strong>da</strong> a aula prática <strong>de</strong> teatro retoma-se a discussão no Conselho <strong>de</strong> Guerra.)<br />
GENERAL SOLON<br />
Luta excepcionalíssima sim,<br />
não fui que quis mas é assim,<br />
nenhum Jomini regras vai saber <strong>de</strong>linear,<br />
pois inverte os preceitos mais vulgares <strong>da</strong> arte militar.<br />
Não se olha nunca para o ensinamento histórico.<br />
Canudos, Vietnã, Afeganistão, Iraque, e se repete o erro retórico:<br />
prestabelecer vitória massacrante,<br />
sobre a rebeldia sertaneja dita insignificante.<br />
GOVERNADOR LUIS VIANA DA BAHIA<br />
São mais que suficientes as medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s<br />
para <strong>de</strong>belar e extinguir a turba fanatiza<strong>da</strong>.<br />
Não há necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> reforçar para diligência tal<br />
o contigente <strong>da</strong> força fe<strong>de</strong>ral.<br />
Ao General Solon me dirigi<br />
por prevenção, não por receio.<br />
Não chegam a quinhentos,<br />
os homens do Conselheiro.<br />
GENERAL SOLON<br />
Discordo, são impressões superficiais,<br />
a repressão legal vingou diligências policiais.<br />
Não se trata <strong>de</strong> pren<strong>de</strong>r criminosos,<br />
mas extirpar móveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>composições, portentosos.<br />
O arraial <strong>de</strong> Canudos é um manifesto amoral,<br />
um <strong>de</strong>sprestígio à autori<strong>da</strong><strong>de</strong> e à Republica Fe<strong>de</strong>ral !<br />
A força fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>ve seguir com <strong>de</strong>cisões novas, corajosas,<br />
subtrair-se à contingência <strong>de</strong> “retira<strong>da</strong>s prejudiciais e in<strong>de</strong>corosas”.<br />
(João Aba<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa o <strong>de</strong>bate em que está presente indo pra Canudos.)<br />
JOÃO ABADE<br />
Aproveitemos o tempo enquanto segue a controvérsia<br />
vamos nos aparelhar pro revi<strong>de</strong>, sair <strong>da</strong> inércia.<br />
C A N U D O S<br />
MACAMBIRA TZU<br />
Tempo estéril perdido pro inimigo perigoso<br />
pra nós<br />
tempo <strong>de</strong> fertili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> plantio fogoso.<br />
JOÃO ABADE<br />
Num raio <strong>de</strong> três léguas<br />
em ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> Canudos,<br />
longe e perto,<br />
faça-se o <strong>de</strong>serto.<br />
Para todos os rumos, estra<strong>da</strong>s,<br />
pousos, fazen<strong>da</strong>s carboniza<strong>da</strong>s.<br />
16
Insular o arraial,<br />
num gran<strong>de</strong> círculo isolador.<br />
Queimar Tudo !<br />
MACAMBIRA<br />
Não teremos <strong>de</strong>struído na<strong>da</strong><br />
se não queimarmos<br />
até as ultimas ruínas.<br />
(Enquanto Governador e General discutem ateia-se fogo nos arredores <strong>de</strong> Canudos queimando até as ruínas,<br />
um circulo forte <strong>de</strong> fogo, no meio <strong>da</strong> reunião, preparando o cenário para a batalha.)<br />
C O N S E L H O DE G U E R R A<br />
LUIS VIANA GOVERNADOR DA BAHIA<br />
Eu governador estadual <strong>da</strong> Bahia<br />
vou agir <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> Constituição<br />
Há uma ameaça à soberania<br />
do meu Estado pela Fe<strong>de</strong>ração.<br />
Cerro, assim, esta controversa conversa.<br />
Fim.<br />
GENERAL SOLON<br />
Não dispersa !<br />
Está nos vendo como um espantalho.<br />
LUIS VIANA GOVERNADOR DA BAHIA<br />
Ao seu Plano <strong>de</strong> Campanha a Bahia bra<strong>da</strong>: REJEIÇÃO!<br />
No fundo é o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> uma intervenção,<br />
disfarça<strong>da</strong> na grave acusação <strong>de</strong> incompetência.<br />
O governo baiano sabe manter a or<strong>de</strong>m,<br />
nas suas próprias <strong>de</strong>pendências.<br />
Este plano não assino.<br />
GENERAL SOLON<br />
V. Excelência está <strong>de</strong>slembrado ?<br />
Em documento público se confessou <strong>de</strong>sarmado,<br />
impotente para suplantar a rebellião.<br />
Apelou para os cofres <strong>da</strong> União,<br />
justificou a intervenção,<br />
e procura agora passar um borrão ?<br />
Veio falar, já veio tar<strong>de</strong>, em Soberania,<br />
apisoa<strong>da</strong> pelos turbulentos já está a Bahia.<br />
Acima do <strong>de</strong>sequilibrado Conselheiro,<br />
seu diretor, seu dignatário,<br />
está to<strong>da</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> retar<strong>da</strong>tários.<br />
O ambiente moral dos sertões favorece o contágio,<br />
o alastramento <strong>da</strong> nevrose, a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m local neste estágio,<br />
po<strong>de</strong> ser núcleo <strong>de</strong> conflagração em todo o interior do Norte.<br />
A Intervenção Fe<strong>de</strong>ral exprime o superior porte,<br />
dos princípios fe<strong>de</strong>rativos brasileiros,<br />
a colaboração dos Estados,<br />
numa questão não <strong>da</strong> Bahia, mas do país inteiro,<br />
17
do mundo Republicano, nossa nação.<br />
Todos intervirão.<br />
LUIS VIANA GOVERNADOR DA BAHIA<br />
Senhor Presi<strong>de</strong>nte, senhor Ministro <strong>da</strong> Defesa:<br />
sobre as ban<strong>de</strong>iras vin<strong>da</strong>s <strong>de</strong> todos os quadrantes,<br />
do extremo norte e do extremo sul,<br />
há <strong>de</strong> pairar intangível a soberania<br />
do palco aon<strong>de</strong> acontece a historia:<br />
A Bahia.<br />
O Chefe <strong>de</strong> Distrito sediado em meu Estado,<br />
traça Plano <strong>de</strong> Campanha que não leva meu abaixo assinado.<br />
PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
Membros do Conselho, senhores ministros,<br />
generais, chefes especiais,<br />
para melhor a constituição resguar<strong>da</strong>r,<br />
seja removido do comando do terceiro distrito militar<br />
o General Solon.<br />
(O Fogo que agora cerca to<strong>da</strong> Canudos, vira cinza.)<br />
CORO CANUD<strong>OS</strong><br />
Esta pronto o cenário sem glória<br />
para o mais emocionante drama <strong>da</strong> nossa história.<br />
Q U E I M A D A S<br />
MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />
Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ste tempo esterilmente comprido,<br />
minha coluna, pela tropa policial reforça<strong>da</strong><br />
po<strong>de</strong> partir pro <strong>de</strong>sconhecido.<br />
Eu meio perdido, adstrito ao plano<br />
do governo baiano !?<br />
Mas estou revoltado,<br />
Até agora o transporte não chegou.<br />
Acabou a paciência.<br />
Chega <strong>de</strong> esperar Godot !<br />
Meu intento é uma arremeti<strong>da</strong> fulminante.<br />
Sigamos pois celeremente, ao couto <strong>da</strong> rebelião,<br />
levando apenas munição<br />
que possam os praças, já na lona,<br />
carregar nas patronas.<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Tragica <strong>de</strong>cisão.<br />
Quem fala por nós nesta situação ?<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
A Parti<strong>da</strong> rápi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Queima<strong>da</strong>s<br />
não vai con<strong>de</strong>nar a mais <strong>de</strong>mora em Monte Santo ?<br />
18
FEBRÔNIO BRITO<br />
Não Alferes. Não.<br />
Marchar, Marchar,<br />
É o nosso canto,<br />
mesmo no <strong>de</strong>sencanto.<br />
(As colunas saem marchando.)<br />
Ano Velho a<strong>de</strong>us<br />
pro novo preparemos o colo:<br />
trilhando esse solo,<br />
abrolhado <strong>de</strong> cactos, pedras, enquanto é tempo,<br />
Marchar, Marchar,<br />
É o nosso canto,<br />
mesmo no <strong>de</strong>sencanto.<br />
(Levando um susto.)<br />
Tropa ! Estacar !<br />
Cá em Quirinquinquá,<br />
(Volvem pare o levante a vista <strong>de</strong>slumbra<strong>da</strong>.)<br />
Vejam entre o firmamento claro<br />
e as chapa<strong>da</strong>s amplas,<br />
Miragem !<br />
Estonteadora e gran<strong>de</strong><br />
o ondular dos ares referventes<br />
a fascinação <strong>da</strong> luz<br />
alteiam do ano novo esse canto<br />
estamos diante <strong>de</strong> Monte Santo.<br />
(Todos se ajoelham extasiados. Continuam a marchar até chegar em frente na rua <strong>da</strong> esca<strong>da</strong>ria do Monte.)<br />
Picoaraçá ! Os índios la viram pela primeira vez o sol se <strong>da</strong>r<br />
Eldorado ! Os Ban<strong>de</strong>irantes nunca chegaram a encontrar !<br />
Apolônio <strong>de</strong> Toddi Batisou<br />
Conselheiro cem anos <strong>de</strong>pois reinventou<br />
E nós neste fim <strong>de</strong> ano <strong>de</strong> tanto esperar<br />
Nos cabe a missão <strong>de</strong> inaugurar<br />
como base <strong>da</strong>s operações guerra<br />
contra o povo selvagem <strong>de</strong>sta terra !<br />
Lugar mais se avantajado <strong>de</strong>stes sertões,<br />
com o litoral rápi<strong>da</strong>s comunicações<br />
por Queima<strong>da</strong>s, <strong>da</strong> estação pra outras estações !<br />
VERONICA DE MONTE SANTO<br />
(Diante dos que chegam.)<br />
As lágrimas <strong>de</strong> sangue que a virgem chorou<br />
anunciaram esse dia que Monte Santo virou<br />
Praça <strong>de</strong> Guerra.<br />
19
Verônica, faço vossos retratos sonoros,<br />
nos séculos <strong>de</strong> tristezas sangrentas que o Monte encerra.<br />
Descobridores, invasores,<br />
séculos opostos, <strong>de</strong>samores,<br />
mesmos rancores.<br />
Massa <strong>de</strong> quartzito <strong>de</strong> serra,<br />
<strong>da</strong>s arquiteturas monumentais <strong>da</strong> terra,<br />
a vertente oriental caindo, a pique, lembra vejam, a muralha chinesa.<br />
Rua saindo <strong>da</strong> praça —a via-sacra <strong>da</strong> pobreza,<br />
nem foi preciso man<strong>da</strong>r ladrilhar,<br />
maca<strong>da</strong>miza<strong>da</strong> <strong>de</strong> quartzito alvíssimo,<br />
em um século <strong>de</strong> romarias ao santissimo,<br />
traz os passos <strong>de</strong> multidões sem conta a talhar,<br />
em milhares <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus em caracol,<br />
vere<strong>da</strong> branca <strong>de</strong> sílica, mais <strong>de</strong> dois quilômetros ao sol<br />
esca<strong>da</strong> subindo fugindo pros céus...<br />
Vosso retrato me dói na voz do coração.<br />
Monte Santo Centro <strong>de</strong> Guerra, <strong>de</strong> Operação !<br />
(Todos que<strong>da</strong>m mudos.)<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Santa Veronica, esta sua estação,<br />
Não foi uma boa recepção.<br />
Mas seu amor por esse Monte,<br />
Vamos levar em consi<strong>de</strong>ração<br />
É belo, é forte, nos passa sua emoção.<br />
FEBRÔNIO<br />
Não <strong>da</strong> palpite Rei <strong>da</strong> Anarquia,<br />
um dia ain<strong>da</strong> te faço engolir à força,<br />
a Força <strong>da</strong> Hieraquia<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Minhas <strong>de</strong>sculpas major,<br />
minha emoção com Veronica foi maior.<br />
FEBRÔNIO<br />
Monte Santo… No chão<br />
o in<strong>de</strong>fectível barracão <strong>da</strong> feira,<br />
a igrejinha fuleira,<br />
que <strong>de</strong>cepção!<br />
(Com entusiasmo, abraçando a árvore.)<br />
Um único ornamento — talvez secular,<br />
uma cacimba<strong>da</strong> para quem advinhar.<br />
CABO CÚ<br />
É a árvore do Coronel Tamarindo<br />
É azedo, é doce, é lindo.<br />
Um Taramarineiro.<br />
Que nossas vi<strong>da</strong>s durem assim, um século inteiro.<br />
FEBRÔNIO<br />
20
Vem fumar o cachimbo em paz<br />
Acertastes Cabo Cú !, já basta, não precisa prolongar.<br />
(Passa ao sol<strong>da</strong>do o cachimbo, este lhe oferece um canudo <strong>de</strong> pito.)<br />
CABO CÚ<br />
Um Canudo <strong>de</strong> Pito.<br />
FEBRÔNIO<br />
Então brindo.<br />
Ao último sol do ano se pondo no monte até as copas.<br />
Esse sobrado único será o quartel-general <strong>da</strong>s tropas.<br />
Acampar.<br />
E os cachimbos <strong>da</strong> paz <strong>de</strong>pois,<br />
vai sobrar tempo pra fumar.<br />
E o Ano Novo logo se Manifesta<br />
Vamos com o o povo fazer a festa.<br />
F E S T A D E A N O N O V O<br />
PREFEITO E CORO DA CIDADE<br />
Raça que ía morrer,<br />
<strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong> à história,<br />
entre pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> taipa,<br />
<strong>de</strong> nossas casas <strong>de</strong> escória,<br />
quease aci<strong>de</strong>ntes do solo,<br />
estilo brutalmente chato<br />
que os primitivos colonizadores achavam um barato.<br />
As mais novas, nasciam velhas, mal…<br />
Mas agora <strong>de</strong> obscuro arraial,<br />
grandíssimo quartel acaçapado !<br />
Major Febrônio o povo está reanimado.<br />
Que um levantamento<br />
do vosso glorioso equipamento<br />
seja pra este humil<strong>de</strong> povo mostrado.<br />
MAJOR FEBRÔNIO<br />
Excelentíssimo Senhor Prefeito<br />
Este Major vos saú<strong>da</strong><br />
e a vossa gente<br />
São 13 oficiais combatentes,<br />
3 médicos,<br />
543 praças,<br />
“primeira expedição regular” contra Canudos.<br />
Massa heterogênea <strong>de</strong> três cascos <strong>de</strong> batalhões,<br />
o 9°, o 26° e o 33°,<br />
tendo, adi<strong>da</strong>s, duzentas e tantas praças <strong>de</strong> policia<br />
e pequena divisão <strong>de</strong> artilharia,<br />
duas metralhadoras Nor<strong>de</strong>nfeldt.<br />
E dois canhões Krupp 7-1/2.<br />
PREFEITO<br />
Tragam criança o arco do triunfo !<br />
Tudo é uma novi<strong>da</strong><strong>de</strong> estupen<strong>da</strong>.<br />
21
Triunfo aos vencedores, Ban<strong>da</strong> surpreen<strong>da</strong> !<br />
(Crianças trazem caniços curvados, com enfeites patrióticos, natalinos e <strong>de</strong> boa vin<strong>da</strong> ao ano, ao mesmo<br />
tempo que montam um banquete enquanto a tropa se instala. Uma feira, uma exposição, uma quermesse.<br />
Vem a Ban<strong>da</strong> Local, esten<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>corações ban<strong>de</strong>iras e ramagens! Chegam pelas ruas cheias <strong>de</strong> combatentes,<br />
vaqueiros, amarrando o “campeão” à sombra do tamarineiro, na praça, e que<strong>da</strong>ndo-se, longo tempo,<br />
contemplando as “peças” em que tanto ouviam falar.)<br />
VAQUEIRO I<br />
Diz que é capaz <strong>de</strong> esboroar o Monte Santo.<br />
VAQUEIRO II<br />
Abalar com um só tiro,<br />
mais forte que mil “roqueiras”,<br />
as rochas do sertão, inteiras.<br />
Já tremelico todo <strong>de</strong>baixo <strong>da</strong> minha armaduras <strong>de</strong> couro, é o cão !<br />
O que não po<strong>de</strong> o progresso <strong>da</strong> civilização !?<br />
Pulo pro meu lombilho é já .<br />
Largo <strong>de</strong> susto pra caatinga me abrigá !<br />
VAQUEIRO I<br />
(Falando baixo ao Vaqueiro III, que chega como que pra um apontamento <strong>de</strong> guerrilha, marcado.)<br />
Toco pro norte,<br />
pra Canudos.<br />
Ninguém me percebe<br />
encantados com o triunfo.<br />
É nosso trunfo.<br />
VAQUEIRO III<br />
Fico aqui espiando,<br />
in<strong>da</strong>gando,<br />
contando o numero <strong>de</strong> praças.<br />
Todo trem <strong>de</strong> guerra vai passar por nossa olha<strong>da</strong>,<br />
<strong>de</strong>spacha já tu, conta tudo pra al<strong>de</strong>ia sagra<strong>da</strong>.<br />
(Vaqueiro I parte no Chispo.)<br />
(Numa casa, num cantinho escondido, uma beata faz catimbó.)<br />
BEATA<br />
Prelúdio hilariante <strong>de</strong> um drama <strong>de</strong> amargar.<br />
O profeta não erra , é o povo que vai triunfar<br />
Invasão, essa festança não adianta,<br />
não vão nem ver as torres <strong>da</strong> igreja sacrossanta.<br />
Acen<strong>de</strong>, meu altar secreto.<br />
O riso <strong>da</strong> sol<strong>da</strong><strong>da</strong>,<br />
<strong>da</strong> bota o estrépito,<br />
percutindo na calça<strong>da</strong>,<br />
é bati<strong>da</strong> pra minha macumba<strong>da</strong>.<br />
Vibrações <strong>de</strong> clarins,<br />
vivas <strong>da</strong>s ruas,<br />
batem em mim.<br />
Minha pare<strong>de</strong> tudo coa,<br />
música, penetra minhas frestas, ecoa.<br />
22
Vem perturbar aqui, <strong>de</strong>ntro do meu “mim”.<br />
Mixa<strong>da</strong> na toa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s minhas preces abafa<strong>da</strong>s !<br />
Louvado Seja Nosso Senhor Jesus <strong>da</strong> Diaba<strong>da</strong> !<br />
(Dança. Solta uma gargalha<strong>da</strong>, cospe pinga e incen<strong>de</strong>ia um clarão <strong>de</strong> pólvora.)<br />
B A N Q U E T E<br />
DISCURSO<br />
FEBRÔNIO<br />
(Já ligeiramente bêbado.)<br />
Distinto Povo <strong>de</strong> Monte Santo<br />
Autori<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
Senhoras e Senhores,<br />
Senhoritas,<br />
Crianças do Brasil.<br />
Honra à eloqüência militar,<br />
esta eloquência do sol<strong>da</strong>do, singular,<br />
tanto mais expressiva quanto mais ru<strong>de</strong>,<br />
feita <strong>de</strong> frases sacudi<strong>da</strong>s, breves,<br />
como as vozes <strong>de</strong> comando,<br />
invocando palavras mágicas:<br />
Pátria, Glória e Liber<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
em todos os tons,<br />
(Febrônio varia o tom como ator ensaiando sua fala.)<br />
-“Pátria… Glória… Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> !”<br />
-“Pátria Glória Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> !”<br />
Canta eloquência, vibrante,<br />
matéria-prima dos períodos retumbantes.<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Como as ro<strong>da</strong>s dos carros <strong>de</strong> Shiva,<br />
as ro<strong>da</strong>s dos canhões Krupp,<br />
ro<strong>da</strong>ndo pelas chapa<strong>da</strong>s amplas,<br />
ro<strong>da</strong>ndo pelas serranias altas,<br />
ro<strong>da</strong>ndo pelos tabuleiros vastos,<br />
<strong>de</strong>ixarão sulcos sanguinolentos.<br />
FEBRÔNIO<br />
Os rebel<strong>de</strong>s serão <strong>de</strong>struídos a ferro e fogo !<br />
É preciso um gran<strong>de</strong> exemplo e uma lição.<br />
Esses ru<strong>de</strong>s impenitentes, criminosos retar<strong>da</strong>tários do sertão,<br />
que têm a gravíssima culpa <strong>de</strong> um apego estúpido à mais antiga tradição,<br />
requerem corretivo enérgico:<br />
que saiam afinal <strong>da</strong> barbaria em que escan<strong>da</strong>lizam o nosso tempo,<br />
e entrem para a civilização ilumina<strong>da</strong>,<br />
a prancha<strong>da</strong> !<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Está selado, brin<strong>da</strong>do:<br />
o exemplo será <strong>da</strong>do.<br />
23
(Brin<strong>de</strong>. Aplausos crepitantes! Bravos!)<br />
PREFEITO<br />
Vencedores !<br />
Meia Noite !<br />
Cidra, e confete !<br />
TOD<strong>OS</strong><br />
Feliz Ano <strong>de</strong> l897 !<br />
PREFEITO<br />
Crianças ao assunto:<br />
O Arco do Triunfo !<br />
(Ao som <strong>de</strong> fogos <strong>de</strong> artifício, <strong>de</strong> uma quadrilha, os sol<strong>da</strong>dos passam pelo arco do triunfo, as mulheres jogam-se<br />
em beijos, flores, lenços, os homens lançam os chapéus para o alto, e todos vão recebendo taças <strong>de</strong><br />
cidra <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos contraregras. Luz passa para a vere<strong>da</strong> <strong>da</strong> subi<strong>da</strong> do Monte.)<br />
S U B I D A A M O N T E S A N T O N O P R I M E I R O D I A DO A N O<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
(Meio pileque, falando com o céu, com o público, com as estrelas, os ventos, consigo mesmo.)<br />
Consegui me livrar <strong>de</strong>sse mulherio roceiro,<br />
pra ficar só comigo um pouco, nesse dia primeiro.<br />
Na busca <strong>de</strong> uma perspectiva nova,<br />
numa investi<strong>da</strong>,<br />
ascendo a montanha do meu novo ano <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Ventos cruzados, circulados<br />
meu corpo balança na <strong>da</strong>nça<br />
<strong>de</strong> não saber pra que lado…<br />
Ah! La<strong>de</strong>ira sinuosa <strong>de</strong> capelinhas brancas orla<strong>da</strong>,<br />
nesse “passo”, dou uma Para<strong>da</strong>.<br />
Ah! Meu coração bate, ascensão exaustiva, mas queri<strong>da</strong>.<br />
Registros, estampas, esperanças, <strong>da</strong>s pare<strong>de</strong>s pendi<strong>da</strong>s,<br />
<strong>de</strong>ixo aqui o meu:<br />
(Rindo muito.)<br />
Jesus meu, nesse passo,<br />
on<strong>de</strong> tu caíste.<br />
me levante, <strong>de</strong> aço.<br />
Me faça uma ascenção maior,<br />
me faça, antes dos 30, Major.<br />
Me case com a sobrinha do Imperador,<br />
mas sem que eu <strong>de</strong>ixe minhas aventuras <strong>de</strong> amor.<br />
Quʼeu aconteça na corte republicana,<br />
e na rua do Ouvidor,<br />
Senão o Senhor vai passar a sofrer ain<strong>da</strong> mais dor.<br />
(Sobe mais, até o pico.)<br />
Ah! Que na<strong>da</strong>,<br />
quero tanto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
que arrisco nesta guerra ela perdi<strong>da</strong>.<br />
Só sei que meu sangue está <strong>da</strong>nçando<br />
vibrando aqui no alto <strong>da</strong> Santa Cruz.<br />
Olho para o norte: pontos <strong>de</strong> luz<br />
24
Lufa<strong>da</strong>s fortes. Me leva na tua mora<strong>da</strong> furacão.<br />
Estou aqui —<strong>de</strong>fronte o Sertão ...<br />
(Silêncio.)<br />
Uma opressão… um breu.<br />
Me salta na boca o coração…<br />
Pronto. Desapareceu.<br />
Feliz Ano Novo Major Wan<strong>de</strong>rley<br />
Volte tranqüilo pra vila, discuta as estratégias,<br />
altere os lugaress comuns <strong>de</strong> lei …<br />
Acen<strong>de</strong>m-se os primeiros fogos <strong>de</strong> Aurora.<br />
A campanha começa bem auspicia<strong>da</strong> Deusa Troiana.<br />
Monte Santo antecipa-nos honras <strong>de</strong> vitória e fama.<br />
Sob a sugestão <strong>de</strong> nosso aparato bélico,<br />
os habitantes preestabelem o triunfo.<br />
Invadi<strong>da</strong>s pelo contágio <strong>de</strong>sta espontânea crença,<br />
eu e a tropa compartilhamos a mesma esperança ?<br />
Não tenho esperança, não espero na<strong>da</strong>.<br />
Gosto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> gota que me é <strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />
Porque ser assim ? Acho que sou lunático.<br />
Não torço pra ninguém, nem pra <strong>de</strong>rrota do fanático.<br />
S O L D O N O V O A N O R A I A N D O<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
A expedição<br />
na opinião <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a gente,<br />
vai positivamente<br />
vencer.<br />
A consciência do perigo <strong>de</strong>termina mobilização, correr,<br />
no adversário investir, <strong>de</strong> surpresa.<br />
A certeza do sucesso imobiliza, a expedição fica presa<br />
quinze dias em Monte Santo.<br />
Sol<strong>da</strong>ldos, cantem do “vis a tergo” o canto<br />
C A N Ç Ã O D O V I S A T E R G O<br />
CORO<br />
Nos sucessos guerreiros<br />
tem to<strong>da</strong> quota<br />
a preocupação <strong>da</strong> <strong>de</strong>rrota.<br />
O melhor estímulo dos vencedores:<br />
Se imaginar per<strong>de</strong>dores.<br />
Vis a Tergo<br />
A certeza do perigo estimula<br />
Vis a Tergo<br />
A certeza <strong>da</strong> vitória <strong>de</strong>prime<br />
Oh! Guerra ! Guerra !<br />
Monstruosa e ilógica em tudo!<br />
Organização técnica superior,<br />
na sua forma atual,<br />
25
macula<strong>da</strong> <strong>de</strong> estigmas do banditismo original.<br />
Acima do rigorismo <strong>da</strong> estratégia,<br />
do preceitos <strong>da</strong> tática <strong>de</strong> enciclopédia,<br />
dos aparelhos sinistros, <strong>da</strong> segurança fria,<br />
<strong>de</strong> to<strong>da</strong> a altitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> arte sombria,<br />
<strong>de</strong> por na frieza <strong>da</strong> matemática equação ,<br />
o arrebentamento <strong>de</strong> um shrapnel na explosão,<br />
e subordinar à invioláveis parábolas,<br />
o curso violento <strong>da</strong>s balas,<br />
vale o impulso <strong>de</strong> trás pra diante,<br />
<strong>da</strong>s brutali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do homem <strong>de</strong> antes,<br />
que permanecem intactas,<br />
são, a vis a tergo, a motivação<br />
permanente,<br />
<strong>da</strong> ação .<br />
A C A M I N H O D O C A M I N H O<br />
FEBRÔNIO<br />
(Enquanto o Alferes fixa a Or<strong>de</strong>m do Dia)<br />
Levante a Ban<strong>de</strong>ira Alferes<br />
Partimos pro Cambaio agora,<br />
Não vamos esperar nem mais uma hora.<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Desculpe a intromissão na hieraquia,<br />
<strong>de</strong>sse pobre porta ban<strong>de</strong>ira,<br />
mas diante do que vejo porque me calaria ?<br />
Esperemos <strong>de</strong> Queima<strong>da</strong>s os trens <strong>de</strong> guerra, mantimentos.<br />
Aproveitemos o tempo agremiando melhores elementos.<br />
Ganhemos em força o que per<strong>de</strong>mos em celeri<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
A aventura <strong>de</strong> um assalto é temeri<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Operação que mais tempo dura<br />
Po<strong>de</strong> acabar sendo mais segura.<br />
FEBRÔNIO<br />
Audácia do Alferes !<br />
Falas-me o que tu queres ?!<br />
Desconheces tua categoria ?<br />
Falas-me como um Major !<br />
Que ousadia !?<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Desculpe minha mo<strong>de</strong>sta pretensão.<br />
Sou sol<strong>da</strong>do por minha opção.<br />
Amo, estudo as artes,<br />
e a militar com paixão.<br />
FEBRÔNIO<br />
Então apren<strong>da</strong> essa,<br />
<strong>de</strong>pressa.<br />
26
(Bra<strong>da</strong>.)<br />
Depois <strong>de</strong>sta inativi<strong>da</strong><strong>de</strong> inexplicável aqui em Monte Santo,<br />
Precisamos acabar com o estado <strong>de</strong> encanto !<br />
E vamos com equipamentos <strong>de</strong>mais.<br />
Duas Krupps, pra que mais ?!<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Quer ain<strong>da</strong> partir com a expedição<br />
menos aparelha<strong>da</strong><br />
que na chega<strong>da</strong> ?<br />
quinze dias atrasa<strong>da</strong> ?<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Não admito esse Alferes cruzar a hieraquia superior.<br />
Cale essa Boca. Quer se expor ?<br />
Mas infelizmente concordo <strong>de</strong> fato.<br />
Não será uma vitória no prato,<br />
chegam sobre o número dos fanáticos informações <strong>da</strong> guar<strong>da</strong> civil,<br />
falam em em mais <strong>de</strong> cinco mil.<br />
OFICIAL<br />
Discordo com fun<strong>da</strong>mento.<br />
Soube hoje, não passam <strong>de</strong> 500.<br />
FEBRÔNIO<br />
Nem 500 nem 5000<br />
Vocês estão doentes do torpor<br />
Uma média por favor !<br />
TENENTE PIRES FERREIA<br />
Ouvi em to<strong>da</strong>s as pronúncias,<br />
sussurar <strong>de</strong> cautelosas <strong>de</strong>núncias,<br />
mal boquejados avisos, correndo informação<br />
esboça-se uma traição.<br />
FEBRÔNIO<br />
Traição !?<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Dos mandões locais,<br />
<strong>de</strong> prontidão,<br />
na socapa estão<br />
fornecendo a Canudos material<br />
instruindo dos menores movimentos <strong>da</strong> tropa o arraial.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Alferes! Deixa <strong>de</strong> ser intrometido.<br />
Ponha-se em seu lugar, não quero ser interrompido.<br />
Mando o senhor pra ca<strong>de</strong>ia.<br />
Lavar todo o quartel. Apanhar <strong>de</strong> correia !<br />
27
FEBRONIO<br />
Eu Major,<br />
<strong>da</strong> minha hierarquia exijo,<br />
sob ameaça <strong>de</strong> corte marcial:<br />
Fale tudo o que souber Alferes,<br />
apesar <strong>de</strong> não passares <strong>de</strong> um animal!<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
(Gaguejando amendontrado.)<br />
Obrigado Major.<br />
Desculpe Tenente.<br />
Major Febrônio…<br />
(Olhando dos lados e para um Oficial.)<br />
Vou ter que ser indiscreto, mas sem medos…<br />
na cama me revelam segredos,<br />
estamos la<strong>de</strong>ados por espias espertos do inimigo,<br />
aqui na própria vila há vários,<br />
fazendo amiza<strong>de</strong>s com os expedicionários.<br />
OFICIAL<br />
O que o senhor está insinuando olhando para mim ?<br />
Que sou espia ? O sr. que vai ser chicoteado agora assim.<br />
(Tira a correia <strong>da</strong> cintura.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Proíbo manifestações <strong>de</strong> histerias<br />
nas baixas hierarquias.<br />
Alferes falante, volte a falar.<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
(Para Oficial)<br />
Nem passa por mim o intento <strong>de</strong> vos acusar<br />
mas eles já tem to<strong>da</strong> a informação<br />
<strong>da</strong> estra<strong>da</strong> escolhi<strong>da</strong> por nós para a linha <strong>da</strong> operação.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
É a reedição do caso <strong>de</strong> Uauá,<br />
combate em caminho, po<strong>de</strong> contar.<br />
A parti<strong>da</strong> agora po<strong>de</strong> ser o início<br />
<strong>de</strong> um erro <strong>de</strong> ofício.<br />
M A T O G R O S S O<br />
(Eucli<strong>de</strong>s no exílio <strong>de</strong> Solon em Mato Grosso, abraçando o sogro.)<br />
EUCLIDES<br />
Meu querido General Solon,<br />
estou aqui em nome dos republicanos.<br />
Que vilipêndio estar aqui pela gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> seus planos.<br />
Nesta Siberia Canicular <strong>de</strong> Mato Grosso<br />
Enquanto nosso exército sofre a con<strong>de</strong>nacão <strong>de</strong>ssa politicagem<br />
no osso.<br />
28
GENERAL SOLON<br />
As notícias do telégrafo transmitem pra quem sabe enten<strong>de</strong>r<br />
triunfos que são erros primários no militar saber.<br />
A expedição endireita para o objetivo <strong>da</strong> disputa<br />
como se voltasse <strong>de</strong> uma luta.<br />
Abandonou parte <strong>da</strong>s munições nas estra<strong>da</strong>s,<br />
parte pobre <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> Queima<strong>da</strong>s,<br />
paupérrima <strong>de</strong> Monte Santo <strong>de</strong> tudo,<br />
como se fosse abastecer-se, em Canudos !!!<br />
Desarma-se à medi<strong>da</strong> que se aproxima do inimigo.<br />
Afrontam com o <strong>de</strong>sconhecido sem perspectiva,<br />
só contando com fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> tropa impulsiva.<br />
EUCLIDES<br />
Não há nenhuma tática sobre inevitáveis assaltos inesperados,<br />
nem <strong>de</strong> acordo com os terrrenos calcinados.<br />
O chefe expedicionário leva o pequeno corpo <strong>da</strong> tropa<br />
como se passeasse em algum campo esmoitado <strong>da</strong> Europa.<br />
GENERAL SOLON<br />
A <strong>de</strong>rrota é inevitável ?!<br />
M O N T E S A N T O<br />
FEBRÔNIO<br />
(Diante <strong>de</strong> to<strong>da</strong> sol<strong>da</strong><strong>de</strong>sca pronto para partir.)<br />
Vamos sol<strong>da</strong><strong>da</strong>ria,<br />
com to<strong>da</strong> nossa fraterni<strong>da</strong><strong>de</strong>, simpatia,<br />
cumprir o que está na Or<strong>de</strong>m do Dia:<br />
A tropa seguirá dividi<strong>da</strong> em três colunas:<br />
Atiradores,<br />
(Avança a infantaria <strong>de</strong> baionetas cala<strong>da</strong>s.)<br />
reforço,<br />
(Avança outra parte <strong>da</strong> infantaria.)<br />
e Apoio,<br />
(Os canhões posicionam-se para marchar guar<strong>da</strong>dos na retaguar<strong>da</strong> por outro grupo <strong>de</strong> atiradores.)<br />
Seguimos mo<strong>de</strong>los rígidos,<br />
velhos ditames clássicos <strong>da</strong> guerra.<br />
Ora, são clássicos !<br />
O que é Classico não erra.<br />
C A N Ç Ã O D A G U E R R A<br />
N Ã O C L A S S I F I C A D A<br />
(Cantam todos. Em Mato Grosso e em Monte Santo.)<br />
CORO DE MONTE SANTO<br />
Von <strong>de</strong>r Goltz, prussiano já dizia,<br />
Bom General<br />
Reflete o temperamento nacional.<br />
A tática prussiana fala,<br />
tudo está na precisão mecânica <strong>da</strong> bala.<br />
A nervosa tática latina,<br />
29
pura adrenalina,<br />
arroja<strong>da</strong>,<br />
na arte cavalheiresca <strong>da</strong> espa<strong>da</strong>.<br />
SERTANEJ<strong>OS</strong><br />
Esgrima primitivo,<br />
sou guerrilheiro esquivo,<br />
vou na esperteza,<br />
força na própria fraqueza,<br />
nas fugas,<br />
no vaivém nas terras em rugas,<br />
arranca<strong>da</strong>s e recuos na doi<strong>de</strong>ira.<br />
Cargas, <strong>de</strong>scargas besteira.<br />
Contra nós antagonistas<br />
na pista, nesse terreno,<br />
não po<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r-se a mais apaga<strong>da</strong> linha <strong>de</strong> combate.<br />
Não há combate, no vosso rigorismo técnico do termo.<br />
Há caça<strong>da</strong> humana.<br />
Bati<strong>da</strong> Brutal a Canudos.<br />
SOLDADO<br />
Não há <strong>de</strong>bate<br />
nem esten<strong>de</strong>r-se a mais prepara<strong>da</strong> linha <strong>de</strong> combate.<br />
Nem possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> luta,<br />
no rigor técnico do termo e <strong>da</strong> conduta.<br />
M A T O G R O S S O<br />
GENERAL SOLON<br />
(Sola.)<br />
Função do homem e <strong>da</strong> terra<br />
É pra golpes <strong>de</strong> estrategista revolucionário essa guerra.<br />
Um exército pronto a encontrar<br />
o inimigo em to<strong>da</strong>s as voltas do seu marchar<br />
até vê-lo romper na investi<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong>ntre as próprias fileiras surpreendi<strong>da</strong>s.<br />
EUCLIDES (perguntado)<br />
Diante <strong>da</strong> astúcia sutil dos jagunços,<br />
A potência ronceira <strong>de</strong> três falanges compactas ?<br />
Homens inermes carregando armas magníficas.<br />
M O N T E S A N T O<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Nosso chefe militar nos ama, somos seus sol<strong>da</strong>dos,<br />
mas não leva em conta psicólogicos <strong>da</strong>dos.<br />
Não toca no complexo, nos furúnculos.<br />
Baba pelo sinistro i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> homúnculos,<br />
mecanizado pela disciplina, minúsculos,<br />
feixe <strong>de</strong> ossos amarrados por feixe <strong>de</strong> músculos,<br />
energias inconscientes sobre alavancas rígi<strong>da</strong>s,<br />
30
sem nervos, sem temperamento,<br />
agindo autômatos, pela vibração dos clarins.<br />
Homens Inermes<br />
Armas Magníficas<br />
Mas na guerra<br />
As emoções<br />
operam transfigurações !<br />
E os sertões, as marchas constantes<br />
Despertam-nas a todo instante.<br />
Trilhando <strong>de</strong>svio <strong>de</strong>sconhecido,<br />
no sertão selvagem, pobre, esquecido,<br />
viramos corajosos diante do inimigo aparecido.<br />
SERTANEJ<strong>OS</strong><br />
(Com <strong>de</strong>boche)<br />
Acovar<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> temores quando ficamos escondidos<br />
sem aparecer a jagunça<strong>da</strong> revela, ensaia<br />
impalpável <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> tocaia.<br />
Um tiroteio na comissão <strong>de</strong> frente.<br />
As seções se baralham, é <strong>de</strong>primente!<br />
Sacudi<strong>da</strong>s pelo espanto,<br />
numa <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e tanto,<br />
refluem ataranta<strong>da</strong>s<br />
pra retaguar<strong>da</strong>.<br />
M A T O G R O S S O<br />
GENERAL SOLON<br />
(Solo)<br />
Diversi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
precisam seguir no máximo afastamento,<br />
agindo primeiro no isolamento.<br />
O ânimo alteado no perigo,<br />
a certeza <strong>de</strong> pronto auxílio,<br />
na reação ao inimigo,<br />
se vem outra uni<strong>da</strong><strong>de</strong> trazendo socorro<br />
evita o alastramento do pânico<br />
<strong>de</strong>sdobra o <strong>de</strong>safogo.<br />
Agindo autônomas no tormento,<br />
<strong>da</strong>s circunstâncias, <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> momento,<br />
dispersas em comandos <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s pequenas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o partir <strong>da</strong> base <strong>da</strong>s operações,<br />
<strong>da</strong>s primeiras cenas.<br />
A pouco e pouco, apertando os fanáticos ação por ação<br />
até Canudos numa gran<strong>de</strong> concentração.<br />
31
M O N T E S A N T O<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Mas ao contrário, vamos partir uni<strong>da</strong>s, alinha<strong>da</strong>s<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> estrutura maciça <strong>da</strong>s briga<strong>da</strong>s.<br />
Embola<strong>da</strong>s pelos caminhos em frente,<br />
para dispersarmo-nos, repentinamente,<br />
em Canudos...<br />
(A força parte para Canudos.)<br />
FEBRÔNIO<br />
12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1897<br />
Saímos juntos, no mesmo balaio,<br />
para a estra<strong>da</strong> do Cambaio.<br />
É a mais curta, chegamos todos logo lá.<br />
Vejam o vale do Cariacá,<br />
terrenos férteis sombreados <strong>de</strong> cerradões<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras matas europeias, tropa junta acen<strong>de</strong> pulsões!<br />
GUIA DOMING<strong>OS</strong><br />
Eu o Guia Domingos Jesuino<br />
Capitão Jagunço por <strong>de</strong>stino<br />
Servi A Guar<strong>da</strong> Nacional <strong>de</strong> Capitão<br />
Fui juiz <strong>de</strong> paz, republicano <strong>de</strong> coração<br />
Mas caí <strong>de</strong> amor por Conselheiro e pelas bacantes<br />
Deixei tudo por Canudos com outros comerciantes<br />
Pra quê ó Deus dos Infernos !?<br />
Paguei minha tentação a esses subalternos<br />
Prejuízo Financeiro<br />
Me esfolaram. Só queriam meu dinheiro.<br />
Me apaixonei por mulher erra<strong>da</strong>,<br />
<strong>de</strong> Pajeú amiga<strong>da</strong>,<br />
fui estraçalhado<br />
Chicoteado<br />
Empalado<br />
Escarrado<br />
Pela Mandrágora<br />
a quem me tinha entregado.<br />
Me <strong>de</strong>ixaram num banho <strong>de</strong> sal grosso,<br />
com feri<strong>da</strong> até no osso<br />
Fui expulso do arraial.<br />
Meu ódio cresceu como animal.<br />
Hoje sou cão farejador,<br />
vivo por vingança <strong>de</strong>ssa dor.<br />
Só sossego acabando eu mesmo com Pajeú<br />
É minha razão <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, meu <strong>de</strong>us, meu vodu.<br />
E Juro pro Brasil inteiro<br />
Vou acabar até com cadáver do Conselheiro<br />
Por isso meu olhar <strong>de</strong> guia é forte,<br />
Aclara a rota, tem um norte.<br />
Há um caminho <strong>de</strong> Pedras <strong>de</strong> Rocha Viva<br />
Um transmonte <strong>de</strong> três la<strong>de</strong>iras na serraria sucessiva,<br />
32
galgar trezentos metros acima até Lajem <strong>de</strong> Dentro,<br />
Vamos, minha vingança, minha santa, minha guia,<br />
grato, enfrento.<br />
ARTILHEIR<strong>OS</strong><br />
Em marcha reduzi<strong>da</strong><br />
Força nas Krupps, é subi<strong>da</strong>!<br />
SAPADORES<br />
Na frente reparando a estra<strong>da</strong>,<br />
entulha<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong>stocando<br />
<strong>de</strong>svios inventando<br />
<strong>de</strong>clives fortes evitando.<br />
ARTILHARIA<br />
Tropa<br />
Breque<br />
Ufa!<br />
High Teque!<br />
Ufa !<br />
Os canhões emperram.<br />
FEBRÔNIO<br />
Deixa. Sol<strong>da</strong>dos revesam.<br />
ARTILHARIA<br />
Nós chegamos à impotência.<br />
Não é por complacência !<br />
Sol<strong>da</strong>dos já, na mão,<br />
na tração,<br />
(Os sol<strong>da</strong>dos acorrem ao pedido, a artilharia cai no chão pedregoso.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Essa tropa, com todo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mobilização<br />
presa agora fica no travão<br />
<strong>de</strong>ssa massa metálica<br />
castra<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua potência fálica !?<br />
GUIA JESUINO<br />
Na travessia do meu <strong>de</strong>stino um vira mundo,<br />
vamos <strong>de</strong>scer vale fundo,<br />
até outro sitio, na noturna,<br />
acampamos numa furna.<br />
ALFERESWANDERLEY<br />
Acampamento envolto <strong>de</strong> rocha viva escarpa<strong>da</strong> ?<br />
Pro inimigo nos topos foguear na cila<strong>da</strong> ?!<br />
GUIA JESUINO<br />
Sou o cão.Vivi com eles no arraial.<br />
Meu faro diz, ain<strong>da</strong> não é hora <strong>da</strong> minha vingança fatal.<br />
33
(Acampam, dormem, menos o Alferes. Aurora. Sobem novamente.)<br />
ARTILHARIA<br />
Estra<strong>da</strong>s pira<strong>da</strong>s<br />
vere<strong>da</strong>s criva<strong>da</strong>s,<br />
serpenteia nos morros,<br />
alça-se em jorro,<br />
cai em grotões,<br />
Socorro !<br />
Patinações!<br />
FEBRÔNIO<br />
Mas é imprescindível máximas aceleracões.<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Uma fogueira ain<strong>da</strong> com um foguinho.<br />
Aqui na margem do caminho !?<br />
OFICIAL<br />
Viven<strong>da</strong>s incendiando-se. Perigo,<br />
sinais do inimigo.<br />
(Acampam. Todos dormem. Os sertajenos ron<strong>da</strong>m. Estalidos.)<br />
ALFERES WALDERLEY<br />
(Gritando como num ataque <strong>de</strong> terror noturno.)<br />
Espias Espias !<br />
Só eu sinto, assim próximos ? Vigias !<br />
(Acor<strong>da</strong>m)<br />
na sombra, encobertos<br />
inimigos ron<strong>da</strong>m em torno, perto.<br />
FEBRÔNIO<br />
Sol<strong>da</strong>dos, dormir em armas.<br />
GUIA JESUÍNO<br />
(Para o Alferes)<br />
Alarma ! Alarmas !<br />
Estamos nas montanhas encravados,<br />
Canudos há três dias <strong>de</strong> marcha, sigamos sol<strong>da</strong>dos.<br />
COZINHEIRO<br />
Não quero mais marcar toca.<br />
Coragem. Acabaram-se as munições <strong>de</strong> boca.<br />
Dois últimos bois aqui no abate<br />
para quinhentos sol<strong>da</strong>dos em combate.<br />
SOLDADO<br />
A Noite é <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencanto!<br />
Desapareceram os cargueiros contratados em Monte Santo.<br />
O Comissário <strong>da</strong> base <strong>de</strong> operações<br />
pretextou provi<strong>de</strong>nciar remessa urgente <strong>de</strong> munições,<br />
34
largou e não voltou, fugiu, pra ignorados rincões.<br />
OFICIAL<br />
São sinais que Deus nos esqueceu.<br />
O inimigo nos venceu.<br />
FEBRÔNIO<br />
Mas triufaremos, xô recaí<strong>da</strong> !<br />
Deus ?! Agora vamos lutar por nossa vi<strong>da</strong>.<br />
A sorte está <strong>de</strong>ci<strong>da</strong>.<br />
Foi divina inspiração<br />
Canudos será nossa salvação.<br />
DOMING<strong>OS</strong> JESUINO<br />
Agora meu cão fareja.<br />
Cheiro Pajeú <strong>de</strong> sobremesa.<br />
O cansaço abandono.<br />
FEBRÔNIO<br />
Não. Todos caem exaustos <strong>de</strong> sono.<br />
Em armas dormir, a noite mais forte fala.<br />
Se o inimigo aparecer, Bala !<br />
(Todos caem num dominó exaustos <strong>de</strong> sono.)<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Minha insônia, vi<strong>da</strong>, alerta<br />
Luzes fracas fulgem, extinguem-se noite aberta<br />
No alto estrelas rubras nos nevoeiros,<br />
posições inimigas <strong>de</strong>marcam: facheiros.<br />
DOMING<strong>OS</strong> JESUÍNO<br />
Dorme que vais <strong>da</strong>r ban<strong>de</strong>ira noites e dias inteiros.<br />
(Alvorecer. Desdobraram-se imponentes as massas do Cambaio.)<br />
C A M B A I O<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Cambaio<br />
Contraio<br />
Não manco<br />
Arranco<br />
Não caio.<br />
C A N T O D A S A L M A S P E N A D A S D O C A M B A I O<br />
ALMAS DO CAMBAIO<br />
Pedras no caminho<br />
Sobremarinho<br />
Amontoando<br />
convulsivos colossos<br />
recortando fossos<br />
35
fun<strong>da</strong>s gargantas,<br />
<strong>de</strong>graus sucessivos, espantas.<br />
Trilhas só pra cabras <strong>de</strong> Pã,<br />
baluarte <strong>de</strong>rruído,<br />
<strong>de</strong> Titãs<br />
Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> Encanta<strong>da</strong><br />
Por Órion Constela<strong>da</strong>.<br />
Matutos<br />
sábias socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s ,<br />
institutos,<br />
sobem a caverna <strong>de</strong> perdi<strong>da</strong>s i<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />
Vale Vaza-Barris estranheza<br />
fortaleza<br />
redutos <strong>de</strong> Marte<br />
obras <strong>de</strong> arte.<br />
Necrópoles vastas,<br />
morros túmulos <strong>de</strong> castas,<br />
pontudos ossos furando terra acima,<br />
em blocos <strong>de</strong> rima<br />
partidos em portas<br />
gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s mortas<br />
matuto passa com medo <strong>de</strong> alma pena<strong>da</strong>,<br />
sem <strong>de</strong>sfitar a espora do cavalo em dispara<strong>da</strong>,<br />
lá <strong>de</strong>ntro população silenciosa e trágica<br />
jagunços encrustrados na montanha mágica.<br />
Velhíssimos castelos,<br />
outrora e hoje em elos,<br />
assaltos<br />
sobressaltos<br />
<strong>de</strong>smantelam<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nam<br />
pe<strong>de</strong>stais<br />
verticais<br />
torres finas<br />
montanham alma <strong>de</strong> ruínas.<br />
rachando no embate <strong>da</strong>s tormentas<br />
insolações intensas,<br />
<strong>de</strong>smoronamentos seculares<br />
lento emocionamento eterno nos ares<br />
A via sacra pra Canudos<br />
passa retilinea<br />
subindo em <strong>de</strong>clive,<br />
comprimi<strong>da</strong> convive,<br />
mergulhando por fim,<br />
no labirinto<br />
on<strong>de</strong> mora o inextinto<br />
Touro Preto Serpente<br />
bem enfrente,<br />
na estrutura<br />
angustura<br />
não tem a largura <strong>da</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança<br />
tem é a largura do arame<br />
36
D<br />
E<br />
S<br />
F<br />
I<br />
L<br />
A<br />
D<br />
E<br />
I<br />
R<br />
Passagem para um teatro <strong>de</strong> passagem<br />
E a exata<br />
A precisa estreiteza<br />
De crista <strong>de</strong> Gilete .<br />
FEBRÔNIO<br />
(Ao guia)<br />
Por ali nos fiamos?<br />
GUIA JESUINO<br />
Enfiamos,<br />
trago comigo o fio<br />
não nos percamos …<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Nessa hora matinal, montanhas,<br />
<strong>de</strong>slumbras os raios do sol nas vossas entranhas,<br />
pelas arestas <strong>da</strong>s lajens em <strong>de</strong>spe<strong>da</strong>ço,<br />
refrangendo em vibrações jóias no aço,<br />
alastrando-se pelas assoma<strong>da</strong>s,<br />
febres movimenta<strong>da</strong>s,<br />
fulgores <strong>de</strong> armas cintilantes,<br />
em rápi<strong>da</strong>s manobras<br />
<strong>de</strong> forças numerosas distantes,<br />
se apercebem cabras cobras<br />
a chamar-te:<br />
VOZES DAS ALMAS PENADAS<br />
“Ao combate!”<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Os binóculos percorrem inutilmente as encostas <strong>de</strong>sertas.<br />
São só terras ameaçadoras, <strong>de</strong>spertas.<br />
Cambaio<br />
Contraio<br />
Não manco<br />
Arranco<br />
Não caio.<br />
SERTANEJ<strong>OS</strong><br />
Cambaio<br />
Entocaio<br />
37
Manco<br />
Estanco<br />
Caio<br />
Rentes com o chão,<br />
nas dobras do vão ,<br />
entaliscados<br />
espaçados,<br />
imóveis, expectantes no rastilho ,<br />
<strong>de</strong>dos presos aos gatilhos<br />
sertanejos silenciamos,<br />
pontarias tenteamos ,<br />
olhos fitos nas colunas distantes,<br />
embaixo marchantes<br />
seus antecessores<br />
sapadores<br />
esquadrinham cautelosos<br />
os em torno, perigosos<br />
Caminham vagarosos<br />
Atulham as primeiras,<br />
La<strong>de</strong>iras.<br />
Devagar cambaios, mancando<br />
aqueles <strong>de</strong>clives vingando<br />
empurra<strong>da</strong>ndo dois canhões<br />
revezam sol<strong>da</strong>dos ofegantes<br />
burros auxíliando, impotentes às trações.<br />
P R I M E I R O R E CO N T R O<br />
SERTANEJ<strong>OS</strong><br />
É já inimigo surpresa<br />
Alma jagunço pena<strong>da</strong> acesa<br />
viro<br />
no repentino <strong>de</strong>flagar do tiro.<br />
(Tiros unissonos )<br />
Há! Há! Há!<br />
To<strong>da</strong> a expedição <strong>de</strong>smonta<br />
Cai <strong>de</strong> ponta a ponta,<br />
já no ensaio,<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>da</strong>s trincheiras do Cambaio.<br />
“Viva o Bom Jesus!”<br />
“Viva o Conselheiro!”<br />
(Brados escan<strong>da</strong>losos <strong>de</strong> linguagem solta, apóstrofes insolentes.)<br />
“Avança ! fraqueza do governo !”<br />
(Todos caem <strong>de</strong>itados no chão ao mesmlo tempo chumbados. Vacilação em to<strong>da</strong> a linha. A vanguar<strong>da</strong> estaca<br />
e quer recuar.)<br />
38
(O MAJOR FEBRÔNIO Rompe pelas fileiras alarma<strong>da</strong>s e centraliza a resistência em réplica fulminante e<br />
admirável.)<br />
FEBRONIO<br />
Conteirar rápidos, canhões, Trupe …<br />
bombar<strong>de</strong>io a queima-roupa, Krupp<br />
(Os Krupps Atiram. Vendo pela primeira vez armas po<strong>de</strong>rosas que <strong>de</strong>cuplam o efeito <strong>de</strong>spe<strong>da</strong>çando pedras,<br />
os jagunços <strong>de</strong>ban<strong>da</strong>m, tontos.)<br />
33.° <strong>de</strong> Infantaria atacar…<br />
(Tropeçando, escorregando nas estruturas , atirando a esmo para a frente, as praças arremetem nas galerias.)<br />
Linha <strong>de</strong> assalto estirar-se.<br />
(Estira-se tortuosa e ondulante.)<br />
9º a direita, 16° à esquer<strong>da</strong><br />
com a policia baiana somemos,<br />
Linhas ! Estão se rompendo<br />
nos obstáculos dos terrenos !<br />
Or<strong>de</strong>m e Progressso no Embaralho!<br />
Caralho!<br />
(Fracionados, galgando penhascos a pulso,<br />
carabinas presas aos <strong>de</strong>ntes pelas bandoleiras,<br />
abordoando-se às armas,<br />
os combatentes arremetem em tumulto—sem o mínimo simulacro <strong>de</strong> formatura.)<br />
CORO (Acompanhado pelo clarim.)<br />
vagas humanas<br />
raivando contra os morros,<br />
num marulho <strong>de</strong> corpos,<br />
arrebentando em <strong>de</strong>scargas,<br />
espa<strong>da</strong>nando brilhos <strong>de</strong> aço,<br />
estrugindo em estampidos<br />
sobre que passam,<br />
estrídulas, as notas dos clarins soando a carga.<br />
ARTILHARIA<br />
Animais <strong>de</strong> tração, cargueiros,<br />
espavoridos pelas balas,<br />
partem os tirantes, saco<strong>de</strong>m fora malas<br />
somem galopando<br />
tombando<br />
pelas ossaturas<br />
íngremes <strong>da</strong>s estruturas !<br />
(Bois e tropeiros caem <strong>da</strong> estrutura. FEBRÔNIO ameaça com revolveres engatilhados os tropeiros que querem<br />
abandonar a batalha junto com os cavalos e bois.)<br />
39
FEBRÔNIO<br />
Está tudo Surdo ?!<br />
Fuga ! Não ! Tropeiros ! Absurdo !<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Os jagunços estão reaparecendo!<br />
No teso <strong>da</strong>s la<strong>de</strong>iras !<br />
estão aí velozes !<br />
Já <strong>de</strong>saparecendo às carreiras.<br />
OFICIAL<br />
Olha ! Nas posições alterosas !<br />
Mais perigosas,<br />
a cavaleiro do assalto,<br />
um Atirador Fantástico !<br />
(Retorna o Tecno Shote <strong>de</strong> terror do Cozinheiro do Prelúdio.)<br />
CORO D<strong>OS</strong> <strong>LUTA</strong>DORES FANTASTIC<strong>OS</strong> EM LINHA DE MONTAGEM<br />
(Sentados no fundo <strong>da</strong> trincheira, sertanejos invisíveis.)<br />
Evoluímos na linha <strong>de</strong> fabricação,<br />
<strong>da</strong> primeira pra segun<strong>da</strong> expedicão.<br />
Solitário <strong>de</strong>morado que aflição na punheta<br />
Agora nós faz junto, na suruba sem boceta.<br />
PRIMEIRO <strong>LUTA</strong>DOR<br />
A porva, a bucha as balas, enfio no chote<br />
Vai passo Clavinote<br />
(passa para o segundo)<br />
SEGUNDO <strong>LUTA</strong>DOR<br />
Te pego, na mesma ó<strong>de</strong><br />
Cévo, soco, como quem fo<strong>de</strong><br />
(passa para o terceiro)<br />
TERCEIRO <strong>LUTA</strong>DOR<br />
Engatilho o cão<br />
Disparação!<br />
(Baqueia. O atirador é substituido logo pelo segundo. O morto entra na primeira posição e vai se renovando<br />
o trio ao infinito.)<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Tomba,<br />
Zomba<br />
Ressucita ameaça<br />
Na fumaça<br />
o mesmo busto dá o bote,<br />
com o véio clavinote<br />
Alvejavo <strong>de</strong> novo.<br />
40
Caiu o corvo<br />
<strong>de</strong> bruços, baleado ficou<br />
outra vez se alevantou<br />
mal assombrado<br />
se abate, levanta aprumado<br />
Hectoplamástico !<br />
atirador fantástico.<br />
SOLDADO 1<br />
Tropeço na escala<strong>da</strong> do colo !<br />
Caio, <strong>de</strong>ito e rolo!<br />
SOLDADO 2<br />
As cargas batem na pedraria<br />
Amortecem, é uma fria!<br />
MERGULHÃO DA DANÇA DO GASTA BALA<br />
JOÃO GRANDE<br />
(Falando na gíria <strong>de</strong> bandido hoje.)<br />
Aço <strong>de</strong>ssa serventia<br />
É pra acabar com a valentia<br />
Mas resta <strong>da</strong>nçar<br />
Sem parar<br />
Até essas balas gastar<br />
E não chegar até o arraial,<br />
Falsear a peleja franca pessoal!<br />
Corpo, clavinote cumprido,<br />
negro estirado, benzido ,<br />
mira<br />
te atira,<br />
Vem Comigo Bexigão !<br />
Corografar o Sertão !<br />
Criança<strong>da</strong> bala !<br />
Abala !<br />
Canhão estrala !<br />
Bexigão quer bala !<br />
Cambaio<br />
Entro e Saio,<br />
Canhão ,<br />
manuliche man<strong>de</strong><br />
Sou Bexigão<br />
Sou João Gran<strong>de</strong>.<br />
( O Coro do Bixigão e dos sertanejos , imitam os movimentos<br />
na estrutura do Oficina<br />
carreiras,<br />
saltos,<br />
figurações selvagens,<br />
vaivém <strong>de</strong> avança<strong>da</strong>s e recuos,<br />
dispersos,<br />
agrupados,<br />
<strong>de</strong>sfilando em fileiras sucessivas,<br />
41
epartindo-se extremamente rarefeitos;<br />
a rojões,<br />
rolantes pelos pendores,<br />
subindo,<br />
<strong>de</strong>scendo,<br />
atacando,<br />
fugindo,<br />
baqueando trespassados <strong>de</strong> balas, muitos;<br />
mal feridos, outros,<br />
em plena <strong>de</strong>sci<strong>da</strong>,<br />
caem <strong>da</strong>s estruturas<br />
e rolam até ao meio <strong>da</strong>s praças,<br />
que os acabam a coice <strong>de</strong> armas.<br />
Desaparecem inteiramente,<br />
Os projetis <strong>da</strong>s mannlichers estralam à toa na ossamenta rígi<strong>da</strong> <strong>da</strong> estrutura.<br />
As seções avança<strong>da</strong>s ascen<strong>de</strong>m,<br />
rápi<strong>da</strong>s, pelas estruturas ;<br />
conquistam terreno,<br />
vem outra irrupção repentina sertaneja<br />
toma a frente.<br />
As seções param<br />
recuam tolhi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> espanto,<br />
não as animam os oficiais acobar<strong>da</strong>dos.)<br />
ALFERES WALDERLEY<br />
Oficiais parados ?!<br />
Não merecem ser nomeados !<br />
Sol<strong>da</strong><strong>da</strong><strong>da</strong>,<br />
vira lata<strong>da</strong>,<br />
vamos nós sem hierarquia ,<br />
Dar o troco na valentia<br />
Drásticos! Práticos!<br />
Espingar<strong>de</strong>ar à queima-roupa os fanáticos!<br />
(Atiram mas os jagunços não recuam.)<br />
CABO ROQUE<br />
Sai Gorila<br />
Avança tropa, fora <strong>da</strong> fila !<br />
Vai Oficial Venceslau!<br />
Mostra que é o tal !<br />
Vai herói, te coroa !<br />
ARTILHEIRO<br />
Vai lanterneta estraçoa !<br />
(A lanterneta explo<strong>de</strong> , corta o passo do João Gran<strong>de</strong> e dos jagunços do bexigão mais próximos, enquanto os<br />
<strong>de</strong>mais fojem para as trincheiras no alto.)<br />
VENCESLAU<br />
Às Trincheiras <strong>de</strong>les, atacar !<br />
Sou Leal,<br />
Venceslau<br />
42
Sou Oficial<br />
Vão indo que já estou a chegar !<br />
(A tropa avança e supera Venceslau. o Oficial se per<strong>de</strong> e começa a cagar no mato <strong>de</strong> medo. Entram nas trincheiras<br />
<strong>da</strong>s estuturas, sacos <strong>de</strong> terra , que servem como bancos para o público.)<br />
CABO ROQUE<br />
Vamos pra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> trincheira !<br />
Está conquista<strong>da</strong> a montanha inteira!<br />
Três horas <strong>de</strong> conflito !<br />
A coragem cega venceu, admito !<br />
Mas queremos sair nessa or<strong>de</strong>m do dia<br />
nós os cabos <strong>de</strong> esquadra nessa covardia,<br />
estamos sendo os cabos <strong>de</strong> guerra, bela porcaria!<br />
(Os jagunços somem amedrontados com o po<strong>de</strong>r <strong>da</strong>s armas disparando à toa as carabinas, num fanfarrear<br />
irritante e numa alacri<strong>da</strong><strong>de</strong> feroz.)<br />
CABO SURUBIM<br />
Estamos no último lance <strong>da</strong> caça<strong>da</strong> <strong>de</strong> porco do mato !<br />
Estão fugindo, vamos perseguir pra comer no prato !<br />
Vamos subir artilharia, respirar outro clima<br />
puxar a pulso as irmãs Krupps la<strong>de</strong>ira acima.<br />
MÉDICO<br />
Tirante o dispêndio <strong>de</strong> munições, só quatro mortos<br />
vinte e tantos feridos em nossos corpos.<br />
Em troca os sertanejos <strong>de</strong>ixaram 115 cadáveres contados<br />
fantasmas rigorosamente <strong>de</strong>sencarnados<br />
na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> encata<strong>da</strong>, encantados.<br />
ARTILHEIRO<br />
Nossas cargas dos trabucos<br />
estão acabando malucos<br />
nossa munição<br />
já é quase uma ilusão.<br />
FEBRÔNIO<br />
Olha lá, bólo!<br />
Oblíqua<br />
mal tocando por um dos extremos o solo,<br />
uma mesa <strong>de</strong> pedra nem sei se construí<strong>da</strong> !<br />
Dolmem dos drui<strong>da</strong>s !<br />
Um túmulo a mais !<br />
Pedra chata sobre duas outras verticais !<br />
Abrigo coberto, Ogiva!<br />
De rocha viva !<br />
(sussurando)<br />
Jagunços escondidos na placenta!<br />
Uns quarenta !<br />
OFICIAL DE CÁLCULO<br />
A terra protetora <strong>da</strong>ndo aos vencidos seu último reduto.<br />
43
Vai artilheiro, sou engenheiro <strong>de</strong> cálculo, não erro no absoluto<br />
bombar<strong>de</strong>ia só com um tiro um dos pés do viaduto !<br />
ARTILHEIRO<br />
Acertei na pontaria estou salvo!<br />
A grana<strong>da</strong> acertou no alvo!<br />
OFICIAL DE CÁLCULO<br />
Arrebentou a pedra na juntura.<br />
Dilata <strong>de</strong> alto a baixo a estrutura.<br />
O bloco vai <strong>de</strong>spregando,<br />
Está caindo, <strong>de</strong>smoronando,<br />
o peso todo <strong>da</strong>s matrizes<br />
(um baque surdo)<br />
sobre os infelizes,<br />
sepultando!<br />
(Fazem o sinal <strong>da</strong> cruz.)<br />
ALFERES WNDERLEY<br />
Os últimos <strong>de</strong>fensores do Cambaio.<br />
Cambaiando, raios !<br />
Tocam para Canudos.<br />
Desaparecem mudos,<br />
Enfim,<br />
estão no fim.<br />
OFICIAL VENCESLAU<br />
E nós no final!<br />
(Seguem a marcha.)<br />
T A B U L E I R I N H O S<br />
OFICIAL VENCESLAU<br />
(Exausto)<br />
Não vamos prosseguir, estou mal.<br />
CABO ROQUE<br />
Estamos na orla do arraial.<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Vamos aproveitar o ímpeto na marcha caça,<br />
Perseguição.<br />
CORO DE OFICIAIS<br />
Estamos combalidos <strong>da</strong> refrega,<br />
não aguentamos mais não<br />
Cambaio. Já cambaio!<br />
Estou torto, quase morto, cai não caio…<br />
Famintos ontem comemos na<strong>da</strong>s,<br />
Viramos almas pena<strong>da</strong>s.<br />
CABO SURUBIM<br />
Um oasys!<br />
44
(Surge Uma mulher com o parangolé <strong>da</strong> Lagoa do Cipó)<br />
GUIA JESUINO<br />
(Começa a fuçar comoCaxangá, em círculos <strong>de</strong> ser canino.)<br />
A aproxima<strong>da</strong> <strong>de</strong> Canudos me cachorra,<br />
ca<strong>da</strong> lugar que sigo sinto cheiro <strong>de</strong> cú<br />
cheiro o cheiro do buraco antigo<br />
mais o <strong>de</strong> hoje, <strong>de</strong> Pajeú.<br />
Lagoa essa tua carinha é <strong>de</strong> vodu<br />
Aqui essa titica, esse buraquinho dʼágua<br />
Sempre me anunciou mágoa…<br />
Desta vez você Lagoa você passa<br />
Aqui ele me escarrou, me sangrou, estrupou Ariana pelo rabo<br />
Touro preto minotauro, não foi mas eu te acabo, está jurado.<br />
Aqui trago teu fio.<br />
Conheço teu labirinto, fazendo um c <strong>de</strong> cu no rio<br />
Cheguei no teu Ó<br />
Lagoa do Cipó.<br />
Vamos continuar<br />
Esse lugar não dá pra ficar.<br />
FEBRÔNIO<br />
Guia <strong>da</strong>nado <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> praguejá<br />
Triunfamos! Vamos <strong>de</strong>scansar.<br />
(Os sol<strong>da</strong>dos e cabos estão donos <strong>da</strong> situação os oficiais estão por baixo. Todos caem exaustos, menos Jesuino<br />
Ariadne.)<br />
C A N U D O S<br />
(Chegam ao arraial os foragido)<br />
FORAGID<strong>OS</strong><br />
Eles vem com armas do cão,<br />
máquinas <strong>de</strong> matar o sertão.<br />
Tem que arrancar <strong>de</strong>les no braço<br />
Ou não vai sobrar na<strong>da</strong> com esse novo aço.<br />
(João Aba<strong>de</strong> mal assobia e um bando entre os mais fortes,<br />
homens e mulheres vão para direção <strong>da</strong> Lagoa do Cipó. Metem-se, imperceptíveis, pelas caatingas; e aproximam-se<br />
do acampamento.<br />
À noite circulam os sol<strong>da</strong>dos que não pressentem em torno a <strong>da</strong>nça <strong>de</strong> Ron<strong>da</strong> dos jagunços. A tropa adormece<br />
sob a guar<strong>da</strong> terrível do inimigo.)<br />
S E GU N D O C O M B A T E<br />
(Amanhece. Os sol<strong>da</strong>dos estão preparando a parti<strong>da</strong>.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Alferes, leia a or<strong>de</strong>m do dia.<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Sau<strong>de</strong>mos essa manhã triunfal do tudo !<br />
45
Que Nossa Rainha cante seu lá mais agudo !<br />
Abençoando nossa marcha para Canudos.<br />
( A Artilharia empertiga-se. A Krupp emperra. O Corneteiro faz um chamado <strong>de</strong> atenção, que vai acontecer<br />
alguma coisa, mas não acontece na<strong>da</strong> com o canhão.)<br />
ARTILHEIRO<br />
Uma schrapnel emperrou na alma do canhão.<br />
Resiste a todo esforço <strong>de</strong> extração.<br />
FEBRÔNIO<br />
A Rainha do Mundo está <strong>da</strong>ndo sua sugestão<br />
Aceitemos.<br />
Disparemos o Krupp pra Canudos, na sua direção.<br />
Uma aldrava<strong>da</strong> batendo às portas do arraial,<br />
Chegou seu visitante esperado, abra o portal.<br />
(O Tiro parte e os sertanejos enterreiram-se, tomam conta do terreiro <strong>da</strong> luta. Surgem <strong>de</strong> to<strong>da</strong> ban<strong>da</strong> em<br />
grita, todos a um tempo, como se aquele disparo lhes fosse um sinal prefixo para o assalto.)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Que peça mais repetitiva<br />
Não mu<strong>da</strong>, só aditiva !<br />
O que mais eu temia aí está<br />
Reedição do episódio <strong>de</strong> Uauá.<br />
(Os jagunços no arremesso <strong>da</strong> investi<strong>da</strong> jogam-se <strong>de</strong>ntro dos intervalos dos pelotões,armados <strong>de</strong> fueiros dos<br />
carros <strong>de</strong> bois, foices, forquilhas, aguilha<strong>da</strong>s longas, facões <strong>de</strong> folha larga agarram-se aos sol<strong>da</strong>dos, que são<br />
obrigados a abandonar as espingar<strong>da</strong>s, tentando fugir, <strong>de</strong> repente tudo foca numa dupla. Ouve-se somente a<br />
respiração ofegante dos dois homens.)<br />
UM CABO<br />
Consegui te escapar,<br />
estou aqui com a minha baioneta.<br />
SERTAJEJO<br />
Meu ferrão <strong>de</strong> vaqueiro tem mais po<strong>de</strong>,<br />
mostro minha cara só pra tu me ver.<br />
E morrer.<br />
UM CABO<br />
É a primeira vez que tem coragem covar<strong>de</strong><br />
Deixa ver, mostra essa tua cara trigueira<br />
Estou tranquilo agora, cara a cara, traiçoeira<br />
Sempre no escon<strong>de</strong> escoon<strong>de</strong>, assim, a vista,<br />
tua morte será faceira.<br />
(Matam-se ao mesmo tempo, ficando o Jagunço trespassado pela baioneta e o Cabo atravessado com o ferrão<br />
<strong>de</strong> vaqueiro. O movimento paralisado é retomado, os sol<strong>da</strong>dos conseguem agarrar-se as armas replicando<br />
logo em <strong>de</strong>scargas rolantes e nutri<strong>da</strong>s, os jagunços não recuam, a on<strong>da</strong> assaltante e os sol<strong>da</strong>dos passa sobre<br />
os dois cadáveres.)<br />
MAMALUCO P<strong>OS</strong>SANTE<br />
46
(Rosto possante, <strong>de</strong> bronze, afeado pela pátina <strong>da</strong>s sar<strong>da</strong>s como uma estátua viva <strong>de</strong> gladiador sobressai no<br />
tumulto. Salta sobre o canhão que abarca nos braços musculosos, como se estrangulasse um monstro, todos<br />
olham.)<br />
Viram, canalhas, o que é ter coragem ?<br />
(A guarnição <strong>da</strong> peça recua espavori<strong>da</strong>, enquanto o Matuto Ro<strong>da</strong> arrastando o canhão apresado no braço.<br />
Silêncio, os jagunços seguem ao mesmo tempo que estão <strong>de</strong> prontidão. Os sol<strong>da</strong>dos acovar<strong>da</strong>m-se, recuam,<br />
como que oferecendo-se para serem fuzilados.)<br />
CORPO A CORPO<br />
FEBRONIO<br />
Vai no braço !<br />
(Precipita-se contra o grupo. Os sol<strong>da</strong>dos encorajam-se e a luta trava-se braço a braço, brutalmente, sem armas,<br />
a punha<strong>da</strong>s, sur<strong>da</strong>: um torvelinho <strong>de</strong> corpos enleados, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se difun<strong>de</strong>m estertores <strong>de</strong> estrangulados,<br />
ronquidos <strong>de</strong> peitos ofegantes, baques <strong>de</strong> que<strong>da</strong>s violentas...)<br />
CANHÃO RETOMADO & FUTEBOL DO NEGACEAR<br />
( O canhão é retomado, volve à posição primitiva.)<br />
COROGRAFIA<br />
(Música na linha <strong>de</strong> Parabello )<br />
SERTANEJO JOGADOR DANÇARINO DE FUTEBOL<br />
Já que não conseguimos as AR15<br />
Jagunços o jogo está valendo<br />
<strong>da</strong>nçar<br />
En arreiére<br />
Paço pra traz,<br />
Não é fuga,<br />
Não é baqueá<br />
É negaça perigosa,<br />
fervilhar na preguiçosa<br />
a ro<strong>da</strong>r<br />
virar vulto<br />
acelerar<br />
fulgaz<br />
indistintos,<br />
aparecer<br />
nos claros <strong>da</strong>s galha<strong>da</strong>s<br />
a gragalha<strong>da</strong>s<br />
Invisilvar<br />
ressoantar,<br />
tomatar<br />
ovacionar,<br />
pontas <strong>de</strong> chifre,<br />
seixos rolados,<br />
pontas <strong>de</strong> pregos,<br />
velhas ferramentas <strong>da</strong> morte <strong>de</strong>susa<strong>da</strong>s,<br />
trabucos <strong>de</strong> cano largo enferruja<strong>da</strong>s,<br />
o chuço do Conselheiro<br />
o cassête dos Cetês,<br />
47
os mosqueteiros<br />
mosquetões cheios <strong>de</strong> glórias<br />
<strong>de</strong>rrotador <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as Holan<strong>da</strong>s <strong>de</strong> nossa historia.<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Mannlichers fulminantes.<br />
SERTANEJ<strong>OS</strong><br />
Vocês estão com pressa?<br />
Devagarinho ora essa<br />
Devagarão<br />
Monotona,<br />
sem peripécias ,<br />
Por vocês na lona,<br />
Vamos te <strong>da</strong>r canseira<br />
Gastem suas balas estrangeiras<br />
Em nossos corpos<br />
Fechados por almas<br />
dos nossos mortos .<br />
(O Exército dispara sua fuzilaria)<br />
A L É G I O F U L M I N A T A<br />
D E J O Ã O A B A D E<br />
(A beataria se <strong>de</strong>sespera <strong>de</strong> medo protegendo as crianças.)<br />
HABITANTES DE CANUD<strong>OS</strong><br />
Que intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> esses tiroteios,<br />
ca<strong>da</strong> tiro bombar<strong>de</strong>ia a nossa fé pelo meio.<br />
Se os sol<strong>da</strong>dos aqui chegarem beatas medrosas?<br />
caindo sobre nós tropas gloriosas ?!<br />
Seremos furados.<br />
Atravessados.<br />
JOÃO ABADE<br />
(Recruta no público entre homens e mulheres.)<br />
Vamos juntar seiscentos lutadores válidos,<br />
seguir já em reforço aos que enfrentam o aço pálidos.<br />
(Num extremo <strong>da</strong> pista, a Lagoa do Cipó)<br />
FEBRÔNIO<br />
Sol<strong>da</strong>dos, vocês estão vários !?<br />
Acertem a pontaria,<br />
contra nossos agressores.<br />
Estão atirando ao léu,<br />
mirando o sol nos céus.<br />
(Na extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> oposta <strong>da</strong> pista as balas vão atingir os homens ain<strong>da</strong> a caminho, distantes do campo <strong>da</strong><br />
luta.)<br />
JAGUNÇO VEDOR<br />
(Na Lagoa do Cipó, entre os dois campos, sob os arcos <strong>da</strong> trajetória <strong>da</strong>s balas.)<br />
Balas perdi<strong>da</strong>s,<br />
48
em coro,<br />
voando ao alcance máximo,<br />
chuva quente,<br />
no encalço <strong>de</strong> João Aba<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> nossa gente !<br />
(Os jagunços recebem a chuva <strong>de</strong> balas ca<strong>da</strong> um assoviando tenuamente uma vez e tombando fulminado,<br />
sem reação. Os companheiros procuram o inimigo.)<br />
JAGUNÇ<strong>OS</strong> DA LEGIO FULMINATA<br />
Agora somos nós que não vemos,<br />
on<strong>de</strong> estão os inimigos entocaiados ?<br />
Arbustos <strong>de</strong>tonados na solidão<br />
Não dão pra tocaias, não dão,<br />
cerros <strong>de</strong>snudos, <strong>de</strong>sertos,<br />
on<strong>de</strong> estão os inimigos encobertos?<br />
E as balas <strong>de</strong>scem incessantes,<br />
aqui, ali, diantes,<br />
pelo centro e <strong>de</strong> soslaio,<br />
traçando caminhos tortos<br />
chuva silenciosa <strong>de</strong> raios<br />
pontilhando a legião <strong>de</strong> mortos.<br />
(A Legião <strong>de</strong> João volve as vistas para o firmamento ofuscante.)<br />
JOÃO ABADE<br />
Céus, é teu esse castigo <strong>de</strong> chibata,<br />
sobre nós legio fulminata !?<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
(No outro extremo. Na Lagoa do Cipó.)<br />
Exaustos <strong>de</strong> bater,<br />
vencidos pelo cansaço<br />
<strong>da</strong>s minúsculas vitórias,<br />
americanos no Iraque,<br />
só querendo bivaque,<br />
esfalfados, trágicos algozes<br />
enfastiados <strong>de</strong> matar;<br />
punhos amolecidos e frouxos<br />
pelo multiplicado dos golpes;<br />
Fracos !<br />
forças perdi<strong>da</strong>s em arremessos doudos<br />
contra o vácuo.<br />
A situação <strong>de</strong>senha-se insanável !<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Vamos avançar aforra<strong>da</strong>mente,<br />
<strong>de</strong>slocar o campo do combate,<br />
e cair sobre o arraial .<br />
FEBRÔNIO<br />
É <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> causa,<br />
49
<strong>de</strong> assaltantes e assaltados,<br />
ter às ilhargas guerrilheiros atrevidos<br />
e na frente reforços <strong>de</strong>les tolhendo-nos o passo.<br />
ARTILHEIRO<br />
Em três quilômetros <strong>de</strong> peleja,<br />
esvazia-se o balaio,<br />
as munições, o pouquinho,<br />
que sobrou <strong>da</strong> gastança no Cambaio,<br />
vai se extinguir pelo caminho.<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Aí vamos em armas brancas!<br />
FEBRÔNIO<br />
Não te mete alferes.<br />
Reunamo-nos oficiais longe <strong>de</strong>sta sol<strong>da</strong><strong>da</strong>ria pretensiosa,<br />
que pensa que foi ela, a vitoriosa.<br />
Afaste-te Alferes,<br />
apreen<strong>da</strong> a não te meter on<strong>de</strong> queres.<br />
(Grupo <strong>de</strong> Oficiais reunidos no tiroteio rareado agora.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Há sobrecarga muscular nos sol<strong>da</strong>dos<br />
famintos combalidos,<br />
adita-se a estes cerca <strong>de</strong> setenta feridos,<br />
que agitam-se, inúteis,<br />
na <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m afogados.<br />
Com os homens está dificil contar…<br />
Mas os canhões po<strong>de</strong>m fazer<br />
um bombar<strong>de</strong>io preliminar ?<br />
ARTILHEIRO<br />
Restam apenas vinte litros <strong>de</strong> artilharia.<br />
FEBRÔNIO<br />
Oficiais,<br />
É preciso optar por uma <strong>da</strong>s pontas do dilema,<br />
ou prosseguimos a luta até o sacrifício completo<br />
ou abandonamos imediatamente.<br />
OFICIAIS<br />
A retira<strong>da</strong> impôe-se urgente e inevitável.<br />
DOUTOR ALBERTAZZI<br />
Mas sob condição expressa:<br />
Não <strong>de</strong>ixar um único ferido,<br />
e não ficar um único cadáver insepulto.<br />
FEBRÔNIO<br />
E nem uma única arma.<br />
50
DOUTOR ALBERTAZZI<br />
(Marca rapi<strong>da</strong>mente os <strong>de</strong>senhos dos corpos dos jagunços e dos sol<strong>da</strong>dos.)<br />
Mais <strong>de</strong> trezentos cadáveres sertanejos<br />
sangram sobre a terra<br />
dizimados<br />
estão fora <strong>de</strong> paralelo as per<strong>da</strong>s<br />
sofri<strong>da</strong>s <strong>de</strong> um e <strong>de</strong> outro lado.<br />
Temos trinta e tantos feridos<br />
Mas mortos só quatro sol<strong>da</strong>dos.<br />
Como é <strong>de</strong>sigual essa luta<br />
Pra quem corações ausculta<br />
LAGOA DO CIPÓ<br />
(Seu parangolé <strong>de</strong> lagoa feito <strong>de</strong> mangueiras cheias <strong>de</strong> sangue é cortado pelos sol<strong>da</strong>dos e encharca a pista.)<br />
Corre minha água impura,<br />
água-<strong>da</strong>-guerra<br />
Sol, bate <strong>de</strong> chapa na minha figura<br />
Me <strong>de</strong>staca sinistra no pardo escuro <strong>da</strong> terra requeima<strong>da</strong><br />
…uma nódoa amplíssima, <strong>de</strong> sangue,<br />
ilumina<strong>da</strong>!<br />
ASLFERES WANDERLEY<br />
Mas o investir <strong>de</strong> arranco com o arraial,<br />
arrostando tudo, talvez seja ain<strong>da</strong> a vitória!<br />
(Os sol<strong>da</strong>dos começam a juntar as armas, enterrar os mortos e carregar os feridos para a retira<strong>da</strong>. A Artilharia<br />
continua atirando, com a atenção na retira<strong>da</strong> sem saber para on<strong>de</strong> está atirando.)<br />
ENTRE A LAGOA DO CIPÓ E A LEGIO FULMINATA<br />
JAGUNÇO VEDOR<br />
(No centro.)<br />
As tropas vão partir,<br />
mas a artilharia não pára <strong>de</strong> rugir.<br />
Atenta à parti<strong>da</strong><br />
sem pontaria, atirando somente para se ouvir.<br />
Meu olhar lacrimejante,<br />
vê o firmamento ofuscante,<br />
varado pelos ramos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong>s parábolas invisíveis.<br />
Maldito lugar on<strong>de</strong> estou sitiado,<br />
testemunho o absurdo<br />
o inimigo fugindo <strong>de</strong> um lado<br />
e <strong>de</strong> outro o assombro supersticioso nos rostos <strong>da</strong> minha gente sombreados,<br />
os mais enérgicos precipitando<br />
<strong>de</strong>sapontados<br />
para o arraial<br />
on<strong>de</strong> chegarão levando o alarma irreal.<br />
LEGIO FULMINATA<br />
(entrando em Canudos)<br />
Não há mais ilusão possível nem mais crer<br />
o inimigo, dispondo <strong>de</strong> engenhos <strong>de</strong> tal po<strong>de</strong>r,<br />
51
aqui vai estar em breve, seguindo <strong>de</strong> perto o rastro,<br />
dos <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> Canudos !<br />
O encanto do Conselheiro está quebrado,<br />
perdido.<br />
O que nos havia empolgado, nos <strong>da</strong>do fé,<br />
foi <strong>de</strong>struído.<br />
JOÃO ABADE<br />
São armas novas. Nova tecnologia.<br />
Vamos fabricar iguais qualquer dia !<br />
Trouxas feitas na correria<br />
a multidão já sobraça<br />
na fuga porfia,<br />
atravessa rápido, a praça,<br />
<strong>de</strong>man<strong>da</strong> a caatinga.<br />
Em mim a força já não vinga,<br />
pra conter os mais preciosos,<br />
cabecilhas mais prestigiosos.<br />
MANDRÁGORAS<br />
(Cruzando com as multidões em fuga estão em busca <strong>de</strong> Conselheiro, clamando, em <strong>de</strong>salinho, mas ain<strong>da</strong><br />
fascina<strong>da</strong>s, agitando os relicários, agrupam-se à porta do santuário.)<br />
Conselheiro on<strong>de</strong> tens an<strong>da</strong>do?<br />
Não po<strong>de</strong>s estar fugindo. Aten<strong>de</strong> o nosso recado.<br />
Nós filhas dos espermas dos enforcados<br />
exigimos tua presença.<br />
Juntas somos força não há o que nos vença!<br />
(Conselheiro acompanhado <strong>de</strong> Beatinho, sobe pela máquina <strong>de</strong> colocar refletores trazi<strong>da</strong> por Vila Nova,<br />
Leão <strong>de</strong> Natuba tenta acompanhá-los.)<br />
BEATINHO<br />
Você não, você fica, conta esta história.<br />
(Beatinho abre uma secção nos vidro, os dois chegam ao telhado <strong>de</strong> vidro on<strong>de</strong> se vê a igreja nova.)<br />
BEATINHO<br />
Você Vila Nova agora retira esta esca<strong>da</strong> elevatória.<br />
(Beatinho <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um gesto <strong>de</strong> Conselheiro fecha a porta secção <strong>de</strong> vidro.)<br />
MANDRÁGORAS<br />
Vejam, atenta para o povoado revolto,<br />
pra ralé,<br />
atropela<strong>da</strong> <strong>de</strong>sertora <strong>da</strong> fé,<br />
Agora prepara-se para o martírio?<br />
Nós aqui não, na força do po<strong>de</strong>r do <strong>de</strong>lírio.<br />
JAGUNÇO VEDOR<br />
(entra esbaforido)<br />
A força recua !<br />
(Cai <strong>de</strong>smaiado, os que iam fugindo largam as trouxas. Se atiram no chão.)<br />
52
FUGID<strong>OS</strong><br />
Meu Santo ! Minha Terra !<br />
Perdão pra gente que erra !<br />
MANDRÁGORAS<br />
Milagre!<br />
Não é Martírio.<br />
Conselheiro viu o po<strong>de</strong>r do Delírio.<br />
PAJEÚ<br />
Vamos encalçar os fugidos fujões.<br />
E arrancar <strong>de</strong>les os Krupps,<br />
as Comblé, as munições!<br />
Só assim vocês merecerão perdões!<br />
(A multidão canu<strong>de</strong>nse reorganiza-se comovi<strong>da</strong>, cantando.)<br />
MACAMBIRA TZU<br />
Vai Pajeú<br />
Consoli<strong>da</strong> a vitória tu.<br />
Lembra do Sun Tzu.<br />
Utiliza a força indireta,<br />
que tem recursos infinitos<br />
como o céu e a terra.<br />
Age <strong>de</strong> forma que o inimigo seja<br />
entre tuas mãos<br />
como uma pedra redon<strong>da</strong> que terias que precipitar <strong>de</strong> um penhasco:<br />
a força necessária é insignificante;<br />
os resultados espetaculares.<br />
RETIRADA<br />
EXÉRCITO INFELIZ<br />
(Dançam “a retira<strong>da</strong>”, corografia oxímoro em que ca<strong>da</strong> passo é ao mesmo tempo <strong>de</strong>rrota e triunfo.)<br />
Sucesso, nem pensar !<br />
Resta o recurso <strong>de</strong> oscilar,<br />
entre a <strong>de</strong>rrota e o triunfo<br />
nessa luta sem vitória,<br />
em que entretanto ca<strong>da</strong> passo que o vencido vence<br />
pisando indomável o território inimigo<br />
é a glória !<br />
Pela circunstância singular,<br />
Um dos episódios mais emocionantes<br />
<strong>de</strong> nossa história militar.<br />
SOLDAD<strong>OS</strong><br />
Batemo-nos vai pra dois dias,<br />
sem alimento algum,<br />
<strong>de</strong>scansamos na teoria,<br />
numa noite cheia <strong>de</strong> zumzumzum;<br />
FERID<strong>OS</strong><br />
Feridos em hemorragia<br />
Somos setenta e um<br />
53
enfraquecemos as fileiras;<br />
mal carregamos o equipamento comum;<br />
ARTILHEIR<strong>OS</strong><br />
Nós mais robustos <strong>de</strong>ixamos a frente do jogo<br />
para arrastar as bocas <strong>de</strong> fogo.<br />
Arcamos sob os feixes <strong>de</strong> espingar<strong>da</strong>s,<br />
juntando e carregando o que o inimigo mais quer.<br />
As armas não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong>s.<br />
MÉDICO<br />
Em padiolas,<br />
transportamos feridos e agonizantes;<br />
EXÉRCITO INFELIZ<br />
E na frente <strong>de</strong>sta nova multidão <strong>de</strong> retirantes<br />
esten<strong>de</strong>m-se cem quilômetros <strong>de</strong> estra<strong>da</strong><br />
sêca, entocaia<strong>da</strong>.<br />
(Os jagunços capitaneados por Pajeú surgem la<strong>de</strong>ando pelo alto a tropa.)<br />
PAJEÚ<br />
(Para o exército que retira.)<br />
Mestiço bravo, aqui estou: Pajeú.<br />
Rara feroci<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> legítimo cafuz,<br />
e temperamento impulsivo, acolcheto.<br />
To<strong>da</strong>s as tendências <strong>da</strong>s raças inferiores<br />
Decréto.<br />
Sou lutador primitivo mas engenhoso<br />
ingênuo, feroz e <strong>de</strong>stemeroso,<br />
simples e mau,<br />
infantil e brutal<br />
valente por instinto,<br />
herói e nem sei, só sinto<br />
troglodita sanhudo<br />
aprumando aqui sem escudo<br />
o mesmo arrojo <strong>da</strong>s velhas i<strong>da</strong><strong>de</strong>s eternas,<br />
vibrando o machado <strong>de</strong> sílex em cima <strong>da</strong>s cavernas...<br />
(Usa a arma como machado <strong>de</strong> sílex para ameaçar man<strong>da</strong>r pedras, bolas <strong>de</strong> ping-pong pedras.)<br />
Companheiros aqui, sem mancar, com <strong>de</strong>streza.<br />
La<strong>de</strong>ar as colunas dos cambaios <strong>da</strong> fraqueza.<br />
(Silêncio <strong>de</strong> suspense, os oficiais e subalternos falam baixo, dão o comando como que em segredo, olhando<br />
para os jagunços atravessando um corredor polonês que <strong>de</strong> um momento a outro po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sabar.)<br />
ALFERES VANDERLEY<br />
É retira<strong>da</strong>,<br />
o mais sério movimento <strong>da</strong>s guerras,<br />
mas não há escalão nem praça avulsa<br />
que teja prepara<strong>da</strong> pra repulsa.<br />
Nivelados oficiais<br />
54
e praças <strong>de</strong> pré pelo mesmo sacrifício,<br />
vamos em suspense, contenção, marchar…<br />
A expedição per<strong>de</strong>u a estrutura militar…<br />
FEBRÔNIO<br />
Eu não afrouxo, sigo animado,<br />
garanto o que for mais arriscado;<br />
Mas no terreno em que estamos marchando<br />
não há quem coman<strong>de</strong>,<br />
cargas <strong>de</strong>scarreguem sem vozes <strong>de</strong> comando.<br />
(Capitães e subalternos misturados com as praças <strong>de</strong> pré sobraçam carabinas e <strong>de</strong>scarregam <strong>de</strong> tempo em<br />
tempo.)<br />
PAJEÚ<br />
Entreguem os armamentos seus Faraó!<br />
Senão lá vai be<strong>de</strong>ngó !<br />
FEBRÔNIO<br />
Não há resposta a <strong>da</strong>r,<br />
há o silêncio, as armas guar<strong>da</strong>r.<br />
Cabo, dirija a vanguar<strong>da</strong>,<br />
o campo é propício,<br />
o <strong>de</strong>stino te traçou esse ofício.<br />
(O Alferes Wan<strong>de</strong>rley toma a frente do exército, protagonista.)<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Não falha mas tar<strong>da</strong><br />
A justiça divina do teatro militar<br />
Minha vez <strong>de</strong> protagonizar<br />
olha eu dirigindo a vanguar<strong>da</strong> !<br />
Vai nem ter ensaio,<br />
É direto pras gargantas do Cambaio.<br />
(As colunas estiram-se no Cambaio.)<br />
CABO ROQUE<br />
Garganta estreita<strong>da</strong>,<br />
a meia encosta iça<strong>da</strong>,<br />
passagem temerosa,<br />
sobrancea<strong>da</strong> em todo o percurso<br />
pela trincheira<strong>da</strong> alterosa.<br />
De bruços e no alto <strong>da</strong> pedraria,<br />
<strong>de</strong>senlapando-se à boca <strong>da</strong> coxía<br />
por to<strong>da</strong>s encostas,<br />
os jagunços vitimados antes um dia.<br />
(Os jagunços vivos acham corpos-parceiros mortos.)<br />
Passam agora, <strong>de</strong> permeio, os vivos,<br />
entre caí<strong>da</strong> multidão <strong>de</strong> espectros,<br />
<strong>de</strong>mônios vingativos.<br />
PAJEÚ<br />
55
Vamos <strong>de</strong>ixar agir<br />
exclusiva<br />
nossa arma infinita,<br />
a terra.<br />
Curiboca<strong>da</strong>,<br />
dá uma olha<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> gira<strong>da</strong> !<br />
CORO<br />
Be<strong>de</strong>ngó!<br />
A montanha é um arsenal.<br />
Blocos esparsos soltos <strong>da</strong> ossamenta,<br />
pilhas se equilibrando mal<br />
prestes a <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar o potencial<br />
<strong>de</strong> que<strong>da</strong>s violentas!<br />
PAJEÚ<br />
(em cima)<br />
Espingar<strong>da</strong> imprestável em alavanca transmu<strong>da</strong>;<br />
e <strong>de</strong>sgru<strong>da</strong>…<br />
JAZZ TECHNO DA PARTITURA DAS PEDRAS EM QUEDA<br />
JAGUNÇ<strong>OS</strong><br />
monolitos oscilam<br />
e caem<br />
e rolam<br />
rumo<br />
incerto<br />
no<br />
princípio<br />
nas d o b r a s<br />
do começo<br />
do precipício<br />
agora<br />
mais<br />
rá<br />
pi<br />
dos<br />
n<br />
o<br />
d<br />
e<br />
c<br />
l<br />
i<br />
v<br />
e<br />
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á<br />
56
x<br />
i<br />
m<br />
o<br />
n<br />
a<br />
v<br />
e<br />
r<br />
t<br />
I<br />
G<br />
E<br />
M<br />
batendo noutras pilhas<br />
pedras esfarelando estilhas balas rasas montruosas lasca<strong>da</strong>s<br />
sobre a tropa apavora<strong>da</strong><br />
(Os sol<strong>da</strong>dos escon<strong>de</strong>m-se respirando exaustos, pela boca, sob a avalancha. O sol culmina ar<strong>de</strong>nte e a<br />
luz crua do dia tropical cai na região pedregosa e <strong>de</strong>spi<strong>da</strong> e reflui aos espaços num flamejar <strong>de</strong> queima<strong>da</strong>s<br />
gran<strong>de</strong>s alastrando-se pelas galerias aquecendo tudo. Silêncio. Alguns tiros do exército mal quebram o silêncio.<br />
Tiros Secos. Ares secos irrespiráveis <strong>de</strong> pedra.)<br />
ALFERES WANDERLEY E EXÉRCITO TEATRÃO<br />
A brutali<strong>da</strong><strong>de</strong> humana rola sur<strong>da</strong>mente<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> quietu<strong>de</strong> universal <strong>da</strong>s coisas...<br />
(A travessia segue lenta. Pajeú incita <strong>de</strong> novo os jagunços.)<br />
PAJEÚ<br />
Símios amotinados tripudiar,<br />
Matulha ! barulhar !<br />
virar o apedrejamento,<br />
garota<strong>da</strong>, num passatempo!<br />
Olha o Be<strong>de</strong>ngó <strong>de</strong> Baixo !<br />
(Desfilam pelos altos em corrimaças turbulentas e ruidosas a brados irônicos e irritantes, cindidos <strong>de</strong> longos<br />
assovios e cachina<strong>da</strong>s estrídulas. Garotos incorrigíveis. A tropa vai saindo <strong>de</strong> cena. O Sol comeca a se pôr.)<br />
MANDRÁGORA<br />
É A Luta !<br />
Pra ator transhumanizado<br />
saiam <strong>de</strong> cena<br />
atores infelizes,<br />
nesse epílogo <strong>de</strong> drama<br />
mal representado,<br />
e saiam vaiados.<br />
(Mandrágora puxa a vaia do público.)<br />
Combates, provações, provações<br />
57
findos neste <strong>de</strong>sfecho, neste fracasso<br />
que vaiamos <strong>de</strong> camarote no estar<strong>da</strong>lhaço!<br />
BEDENGÓ DE BAIXO<br />
(A marcha chega a Be<strong>de</strong>ngó <strong>de</strong> Baixo.)<br />
GUIA JESUINO<br />
Cambaio Calvário <strong>da</strong> minha renova<strong>da</strong> humilhação !<br />
Quis matar, mas não era hora ain<strong>da</strong> do fim <strong>da</strong>quele cão.<br />
Por enquanto me rebaixo, Be<strong>de</strong>ngó-<strong>de</strong>-Baixo.<br />
O nome dói, <strong>de</strong> quase matar, mas é planalto favorável ao nosso <strong>de</strong>scansar.<br />
(Armam acampamento. O sol põe-se rápido. UMA LINHA DE Jagunços se recorta contra a quase escuridão<br />
e caminha lenta em direção às metralhas que estão mais altas que a tropa.)<br />
JAGUNÇO<br />
Fiz promessa que não dormia<br />
enquanto não tomasse a artilharia…<br />
FEBRÔNIO<br />
(No susto, no sonho.)<br />
Temos vantagem,<br />
metralhadoras a cavaleira<br />
Fogo! Fogo !<br />
Tropa inteira!<br />
GUIA JESUINO<br />
(Atirando.)<br />
Sai Tinhoso<br />
(As silhuetas dos jagunços rolam para a escuridão.)<br />
A INVASÃO DAS CABRAS<br />
(Silêncio. A tropa escuta sininhos, prepara-se para revi<strong>da</strong>r, mas um rebanho <strong>de</strong> Cabras ariscas inva<strong>de</strong> o<br />
acampamento. É uma diversão feliz. Homens absolutamente exaustos apostam carreiras doi<strong>da</strong>s com as<br />
velozes cabras. Pegam. Despem e comem as cabras acocorados em torno <strong>da</strong>s fogueiras, dilacerando carnes<br />
apenas sapeca<strong>da</strong>s no fogo. Andrajosos, imundos, repugnantes, tintos pelos clarões dos braseiros, como um<br />
bando <strong>de</strong> canibais famulentos em repasto bárbaro… Esta cena é o reverso do que será a terceira expedição.<br />
As cabras são as mulheres <strong>de</strong> Canudos, mais exatamente As Mandrágoras buscando as armas. O Sol levantase<br />
como um leque enorme.)<br />
CHEGADA DE VOLTA A MONTE SANTO<br />
(A expedição segue pra Monte Santo. Não há um homem válido. Aqueles mesmos que carregavam os<br />
companheiros sucumbidos claudicam, a ca<strong>da</strong> passo, com os pés sangrando, varados <strong>de</strong> espinhos e cortados<br />
pelas pedras. Cobertos <strong>de</strong> chapéus <strong>de</strong> palha grosseiros, far<strong>da</strong>s em trapos, alguns tragicamente ridículos<br />
mal velando a nu<strong>de</strong>z com os capotes em pe<strong>da</strong>ços, mal alinhando-se em simulacro <strong>de</strong> formatura, entram em<br />
Monte Santo lembrando uma turma <strong>de</strong> retirantes, batidos dos sóis bravios, fugindo à <strong>de</strong>solação e à miséria.<br />
A população recebe-os em silêncio.)<br />
PROCISSÃO D<strong>OS</strong> JIRAUS<br />
58
(O Sol volta a ser o <strong>da</strong> tar<strong>de</strong> do dia anterior, inva<strong>de</strong> as estruturas do Cambaio. Os conselheristas canu<strong>de</strong>nses<br />
estão por todos os cantos espalhados, cantando muito baixo a Exelência procurando os mortos. Estes, on<strong>de</strong><br />
quer que se encontrem estão segurando ex-votos <strong>da</strong>s partes feri<strong>da</strong>s <strong>de</strong> seus corpos.<br />
Pelo espaço todo há lutadores baqueados: em to<strong>da</strong>s as anfractuosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, dé<strong>da</strong>los entre pedras, algares fundos,<br />
taliscas aperta<strong>da</strong>s, la<strong>de</strong>iras, em resvalos, em barrocais e grotas; mal seguros pelas arestas pontiagu<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong>s rochas atravessando-lhes as vestes, balouçando sobre abismos. Os vivos <strong>de</strong>scem às grotas profun<strong>da</strong>s, e<br />
alam-se aos vértices dos fraguedos abruptos. Do mais alto trazem o cadáver <strong>de</strong> João Gran<strong>de</strong> num Jirau. )<br />
CANTO DE PARTE DA EXCELENCIA-ADRIANA – CHICO – JOÃO CABRAL<br />
CORO<br />
Nos abismos profundos<br />
nas grotas<br />
fins <strong>de</strong> mundos<br />
colhendo<br />
vossos corpos<br />
Ah! nossos mortos,<br />
vamos an<strong>da</strong>ndo.<br />
Vossa esquer<strong>da</strong> mão<br />
em nossos ombros pousando,<br />
vamos an<strong>da</strong>ndo.<br />
Al Aqsa, palestinos,<br />
ju<strong>de</strong>us,<br />
Esses mortos<br />
também são seus<br />
ex-votos.<br />
Toscos pálio <strong>de</strong> jiraus<br />
amarrados em cipó<br />
roliços paus<br />
carregando o cadáver vivo<br />
do nosso Gran<strong>de</strong> João,<br />
pra plantar no pomar <strong>de</strong> Canudos<br />
<strong>da</strong>r fruto em to<strong>da</strong> estação.<br />
(Queimam os ex-votos, plantam os mortos.)<br />
EXCELÊNCIA<br />
Amado João<br />
Ao passares em Jordão<br />
E os <strong>de</strong>monio te ataviarem<br />
perguntando o que e que levas,<br />
diz que levas cêra<br />
catuz(?) e cordão<br />
mais a Virgem <strong>da</strong> Conceição<br />
uma Excelência<br />
dizendo que a hora é hora.<br />
Ajunta carregadores<br />
que o corpo quer ir embora.<br />
59
CORO<br />
Muito baixo no horizonte,<br />
o sol <strong>de</strong>sce vagarosamente,<br />
e roça a orla cintilante, adoura<strong>da</strong>,<br />
do extremo mais remoto na chapa<strong>da</strong>,<br />
e seu último clarão,<br />
a cavaleiro <strong>da</strong>s sombras,<br />
que se adunam na baixa<strong>da</strong>,<br />
cai no dorso <strong>da</strong> montanha:<br />
Aclara,<br />
Ilumina,<br />
fugaz,<br />
usina,<br />
o préstito,<br />
que à cadência <strong>da</strong>s reza<strong>da</strong>s vai seguindo.<br />
Desliza insensivelmente, subindo,<br />
à medi<strong>da</strong> que lentamente as sombras ascen<strong>de</strong>m,<br />
até ao alto,<br />
on<strong>de</strong> os seus últimos raios<br />
cintilam píncaros altaneiros,<br />
enormes círios tesos,<br />
prestes acesos,<br />
prestes apagados,<br />
na meia luz do crepúsculo, bruxuleados.<br />
Brilham as estrelas primeiras.<br />
Rutilando na altura,<br />
a cruz resplan<strong>de</strong>cente<br />
Órion constelação<br />
alevanta-se gigante,<br />
titã sobre o sertão … .<br />
(João Gran<strong>de</strong> recebe uma massagem com a cêra <strong>de</strong>rreti<strong>da</strong>. O Canto <strong>da</strong> Excelência toma conta <strong>de</strong> tudo até<br />
um ponto final.)<br />
60