Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Teresa Carvalho<br />
Não se julgue, no entanto, que a “máquina” que<br />
sentimos trepidar no terreno poético <strong>de</strong> J. J. Letria<br />
(<strong>de</strong> par com a do fingimento), é capaz <strong>de</strong> funcionar<br />
in<strong>de</strong>finidamente sem <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r energia – «On<strong>de</strong><br />
irei eu buscar alimento/ para o labor lancinante <strong>de</strong>sta<br />
escrita?» – ou transformando permanentemente em<br />
trabalho poético aquela que recebe da tradição literária e<br />
artística, nomeadamente <strong>de</strong> poetas como Cesário Ver<strong>de</strong><br />
ou Mário <strong>de</strong> Sá‑Carneiro, duas das referências literárias<br />
tutelares <strong>de</strong>sta poesia, e da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Quer dizer,<br />
<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> Deus Todo‑Po<strong>de</strong>roso que, prescindindo<br />
<strong>de</strong> qualquer força exterior, gera, produz, compõe com<br />
certa uniformida<strong>de</strong> estrófica e em continuida<strong>de</strong>, n<strong>um</strong>a<br />
dinâmica feroz e incontrolável e em ritmo alucinante.<br />
Por vezes, sentimos abrandar‑lhe o ritmo, efeito <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
entrega, sempre reversível, aos valores da noite:<br />
Nem sempre a poesia me visita<br />
quando as suas cantantes errâncias<br />
a trazem sem querer, para estas bandas.<br />
São cada vez mais as vezes que me evita,<br />
enevoando na página o gozo da metáfora,<br />
silenciando no verso o júbilo do que é belo.<br />
A minha escrita entristeceu‑se, nota‑se. (NhPF: 18)<br />
A verda<strong>de</strong> é que também a poesia acusa o cansaço<br />
da percepção aguda <strong>de</strong> <strong>um</strong> tempo oscilante entre <strong>um</strong>a<br />
luz difusa e sombras <strong>de</strong> tonalida<strong>de</strong> amarga e céptica que<br />
se compraz na memória da infância; o cansaço, fruto<br />
do <strong>de</strong>sejo sempre insatisfeito <strong>de</strong> perseguir no espaço do<br />
poema o inalcançável. Sobressai, no entanto, o cansaço<br />
106