Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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101<br />
a má q u i n a d a es c r i t a<br />
do seu rosto, sacudido por <strong>um</strong> abalo <strong>de</strong>smedido que<br />
há‑<strong>de</strong> revelar‑lhe <strong>um</strong>a interiorida<strong>de</strong>, passe o paradoxo,<br />
insondável: «Tudo se afirma por excesso/ até o músculo<br />
tenso/ que me <strong>de</strong>forma o rosto sempre que pronuncio/<br />
as indizíveis palavras. Aguardo agora a revelação <strong>de</strong> ser/<br />
com <strong>um</strong>a pressa animal» (MI: 9).<br />
Intimamente ligada à manifestação da poesia<br />
como força irreprimível, a pressa – «<strong>de</strong>sabrido, ávido<br />
galope» (CP: 28) – conhece referências várias ao longo<br />
da obra poética e vem associar‑se, não raro, aos tópicos<br />
da efemerida<strong>de</strong> e da inanida<strong>de</strong>: «Eu escrevo com a pressa<br />
que o pressentimento/ <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vida breve me impõe<br />
(SR‑L: 27); «Tudo me escapa por entre os <strong>de</strong>dos,/ tudo<br />
menos a escrita, menos a pressa/ que sinto <strong>de</strong> dizer o<br />
indizível» – SR‑L: 37).<br />
Muito embora o leitor seja repetidamente<br />
confrontado com o retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “escrita inspirada”, o<br />
certo é que o poeta nega – reafirmando – o que parece<br />
impor‑se como a sua prática poética:<br />
Os livros pe<strong>de</strong>m‑me que não os escreva<br />
porque temem que eu me perca neles,<br />
<strong>de</strong> tal forma é voraz e labiríntica<br />
a pressa com que me <strong>de</strong>rramo no que escrevo.<br />
Não, esta não é nem será<br />
<strong>um</strong>a teoria geral do meu processo <strong>de</strong> escrita<br />
e muito menos <strong>um</strong>a pista subtil<br />
para que outros possam ler em mim<br />
o que eu <strong>de</strong> facto, não quis escrever.<br />
Eu preciso da poesia como <strong>de</strong> pão para a boca. (NhPF: 22)