Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Teresa Carvalho discursivamente marcado, manifesta‑se reiteradamente por meio da vasta isotopia do fogo, dito como assombração do solar («lume», «chama», «núcleo abrasador», «labaredas de assombro», «lava») e da imagética da ferida dolorosa («feridas ácidas, fundas», «chaga ardente», «ferida tratada a sal que se expõe ao vento e à onda», «cicatriz incendiada») e tem como efeito frequente a aceleração rítmica e a dispersão expressiva 7 . A espera da Poesia evocada em algumas composições – uma espera sempre desejante, por vezes intolerável – é assumida como um desconforto vital: «tardasse um pouco mais a escrita/ e todo eu seria um silêncio» (SR‑L: 15), silêncio que é sempre fruto de uma comunicação emocional e sempre sentido como aflitivo, a falar na obra poética de J. J. Letria também através das figuras da imobilidade e da perda – «inércia do som», «inércia latejante», «vazio inusitado da voz». O receio do abandono é um motivo que regressa frequentemente à sua página poética. Leia‑se, entre outros exemplos concludentes, «A Escrita Reclusa» (MMV: 9) ou «Quando a Poesia Me Evita» (NhPF: 18). A ser difícil imaginar o poeta no seu apaixonado e vital relacionamento com a escrita (sublinhe‑se que a obra de José Jorge Letria se tem vindo a escrever, ao longo de 35 anos, com impressionante regularidade, com coerência e assombro, para usar uma das suas categorias favoritas), o próprio oferece elementos que permitem compor, a traços largos mas incisivos, o retrato 7 Cf. Maria Alzira Seixo, Jornal de Letras, 13 de Setembro de 1995, p.23. 100
101 a má q u i n a d a es c r i t a do seu rosto, sacudido por um abalo desmedido que há‑de revelar‑lhe uma interioridade, passe o paradoxo, insondável: «Tudo se afirma por excesso/ até o músculo tenso/ que me deforma o rosto sempre que pronuncio/ as indizíveis palavras. Aguardo agora a revelação de ser/ com uma pressa animal» (MI: 9). Intimamente ligada à manifestação da poesia como força irreprimível, a pressa – «desabrido, ávido galope» (CP: 28) – conhece referências várias ao longo da obra poética e vem associar‑se, não raro, aos tópicos da efemeridade e da inanidade: «Eu escrevo com a pressa que o pressentimento/ de uma vida breve me impõe (SR‑L: 27); «Tudo me escapa por entre os dedos,/ tudo menos a escrita, menos a pressa/ que sinto de dizer o indizível» – SR‑L: 37). Muito embora o leitor seja repetidamente confrontado com o retrato de uma “escrita inspirada”, o certo é que o poeta nega – reafirmando – o que parece impor‑se como a sua prática poética: Os livros pedem‑me que não os escreva porque temem que eu me perca neles, de tal forma é voraz e labiríntica a pressa com que me derramo no que escrevo. Não, esta não é nem será uma teoria geral do meu processo de escrita e muito menos uma pista subtil para que outros possam ler em mim o que eu de facto, não quis escrever. Eu preciso da poesia como de pão para a boca. (NhPF: 22)
- Page 41 and 42: Teresa Carvalho Na sua diversidade
- Page 43 and 44: Teresa Carvalho linguagem, resseman
- Page 45 and 46: Teresa Carvalho se defrontam e que,
- Page 47 and 48: Teresa Carvalho Mallarmé fotografa
- Page 49 and 50: Teresa Carvalho nos mercados onde t
- Page 51 and 52: Teresa Carvalho ekphrasis traduz j
- Page 53 and 54: Teresa Carvalho A linguagem comum -
- Page 55 and 56: Teresa Carvalho Que vereda de aço,
- Page 57 and 58: Teresa Carvalho marinha, castelo de
- Page 59 and 60: Teresa Carvalho sacrificaria os sig
- Page 61 and 62: Teresa Carvalho Assim se entende qu
- Page 63 and 64: Teresa Carvalho figura do pai; à a
- Page 65 and 66: Teresa Carvalho remete‑nos para a
- Page 67 and 68: Teresa Carvalho lembranças (…) Q
- Page 69 and 70: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 71 and 72: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 73 and 74: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 75 and 76: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 77 and 78: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 79 and 80: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 81 and 82: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 83 and 84: 91 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 85 and 86: 93 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 87 and 88: 95 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 89 and 90: 97 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 91: 99 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 95 and 96: 103 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 97 and 98: 105 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 99 and 100: 107 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 101 and 102: 109 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 103 and 104: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 105 and 106: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 107 and 108: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 109 and 110: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 111 and 112: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 113 and 114: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 115 and 116: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 117 and 118: 127 Pl a c e n t a d e v o z e s a
- Page 119 and 120: Carlos A. Martins de Jesus e te ele
- Page 121 and 122: Carlos A. Martins de Jesus «vozes
- Page 123 and 124: Carlos A. Martins de Jesus e perfum
- Page 125 and 126: Carlos A. Martins de Jesus nem no n
- Page 127 and 128: Carlos A. Martins de Jesus poetisa
- Page 129 and 130: Imagem 1 J. Van Eyck, O Casal Arnol
- Page 131 and 132: Imagem 3 Fragmento de um krater de
- Page 133 and 134: Imagem 5 Michel Sittow, Catarina de
- Page 135 and 136: Imagem 7 G. Arcimboldo, O Verão (1
- Page 137 and 138: es t u d o s s o b r e Jo s é Jo r
- Page 139 and 140: SOUSA, João Rui de, «Nos Caminhos
- Page 141: Aqui se reúnem sete ensaios que t
Teresa Carvalho<br />
discursivamente marcado, manifesta‑se reiteradamente<br />
por meio da vasta isotopia do fogo, dito como<br />
assombração do solar («l<strong>um</strong>e», «chama», «núcleo<br />
abrasador», «labaredas <strong>de</strong> assombro», «lava») e da<br />
imagética da ferida dolorosa («feridas ácidas, fundas»,<br />
«chaga ar<strong>de</strong>nte», «ferida tratada a sal que se expõe ao<br />
vento e à onda», «cicatriz incendiada») e tem como efeito<br />
frequente a aceleração rítmica e a dispersão expressiva 7 .<br />
A espera da Poesia evocada em alg<strong>um</strong>as<br />
composições – <strong>um</strong>a espera sempre <strong>de</strong>sejante, por vezes<br />
intolerável – é ass<strong>um</strong>ida como <strong>um</strong> <strong>de</strong>sconforto vital:<br />
«tardasse <strong>um</strong> pouco mais a escrita/ e todo eu seria <strong>um</strong><br />
silêncio» (SR‑L: 15), silêncio que é sempre fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
comunicação emocional e sempre sentido como aflitivo,<br />
a falar na obra poética <strong>de</strong> J. J. Letria também através das<br />
figuras da imobilida<strong>de</strong> e da perda – «inércia do som»,<br />
«inércia latejante», «vazio inusitado da voz». O receio<br />
do abandono é <strong>um</strong> motivo que regressa frequentemente<br />
à sua página poética. Leia‑se, entre outros exemplos<br />
conclu<strong>de</strong>ntes, «A Escrita Reclusa» (MMV: 9) ou<br />
«Quando a Poesia Me Evita» (NhPF: 18).<br />
A ser difícil imaginar o poeta no seu apaixonado<br />
e vital relacionamento com a escrita (sublinhe‑se que<br />
a obra <strong>de</strong> José Jorge Letria se tem vindo a escrever, ao<br />
longo <strong>de</strong> 35 anos, com impressionante regularida<strong>de</strong>,<br />
com coerência e assombro, para usar <strong>um</strong>a das suas<br />
categorias favoritas), o próprio oferece elementos que<br />
permitem compor, a traços largos mas incisivos, o retrato<br />
7 Cf. Maria Alzira Seixo, Jornal <strong>de</strong> Letras, 13 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong><br />
1995, p.23.<br />
100