Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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99<br />
a má q u i n a d a es c r i t a<br />
<strong>um</strong>a graça, <strong>de</strong>signada em Produto Interno Lírico como<br />
vocação versejante que fulmina. Não <strong>de</strong>certo por acaso,<br />
a poesia é referida como <strong>um</strong>a visitação súbita, como<br />
qualquer coisa que vem ao seu encontro ou, não vindo,<br />
n<strong>um</strong> gesto interpretado como indiferença, sobranceria<br />
ou <strong>de</strong>sdém, o <strong>de</strong>ixa em estado <strong>de</strong> solidão agónica: «até<br />
tu, poesia, me abandonaste agora» (II: 65). Muitos<br />
são os poemas que dão conta <strong>de</strong> <strong>um</strong> vazio interior,<br />
correspon<strong>de</strong>nte a <strong>um</strong> estado <strong>de</strong> carência <strong>de</strong> poesia, que<br />
as vozes vêm satisfazer ou preencher.<br />
A noite, com os seus r<strong>um</strong>ores e murmúrios,<br />
funcionando como abertura ao que abala, é <strong>um</strong> espaço<br />
que favorece a revelação <strong>de</strong>ssas forças estranhas e a<br />
distensão <strong>de</strong> <strong>um</strong> “eu” (e a expressão não é inocente<br />
n<strong>um</strong> poeta que se multiplica em <strong>de</strong>sdobramentos) que,<br />
transformado em “transcritor”, se vê a c<strong>um</strong>prir <strong>um</strong><br />
<strong>de</strong>stino: «E contudo escrevo e <strong>de</strong>scubro em quanto/<br />
escrevo o c<strong>um</strong>primento pleno <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sina» (SR‑L:<br />
19). Mais: personagem que se oferece a <strong>um</strong>a peça que,<br />
enredada na sua própria trama, não logra alcançar o fim<br />
ou o «epílogo». As vozes que escuta, personagens que<br />
sobem ao palco <strong>de</strong> <strong>um</strong> teatro t<strong>um</strong>ultuoso – Cesário Ver<strong>de</strong><br />
(Cesário Ver<strong>de</strong>: Instantes da Fala), Mário <strong>de</strong> Sá‑Carneiro<br />
(A Sombra do Rei‑Lua), Camões (Oriente da Mágoa –<br />
Pranto <strong>de</strong> Luís Vaz), António Nobre (Nobre: o Livro<br />
da Alma) – fun<strong>de</strong>m‑se na sua vocal disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
poeta. A lógica da ansieda<strong>de</strong> da influência dissolve‑se no<br />
culto <strong>de</strong>clarado da citação e da prática intertextual.<br />
A intensida<strong>de</strong>, talvez melhor, a ardência da<br />
experiência poética, motivando <strong>um</strong> transtorno