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Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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95<br />

a má q u i n a d a es c r i t a<br />

inquietante, vamos encontrar esta personagem que,<br />

marcando <strong>um</strong> afastamento em relação à poética<br />

surrealista, confessa nunca ter praticado a escrita<br />

automática, nem acreditar nos «catárticos po<strong>de</strong>res da<br />

imagem vinda dos subterrâneos viscosos do instinto», no<br />

que po<strong>de</strong> ser entendido como <strong>um</strong>a remissão auto‑irónica<br />

para aquela concepção <strong>de</strong> poesia que se encontra<br />

fixada em Platão 4 , que associa a criação poética a <strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>sregramento, a <strong>um</strong>a loucura própria <strong>de</strong> quem per<strong>de</strong><br />

a razão em favor do sopro das musas. Questionando o<br />

domínio que exerce sobre si o enredo das personagens<br />

saídas do livro aberto à sua beira, afirma‑se alucinada<br />

pela escrita.<br />

À semelhança <strong>de</strong>sta personagem, em que o<br />

autor se implica, também o “eu” que fala no universo<br />

poético <strong>de</strong> J. J. Letria se sente arrastado para a escrita e<br />

dominado por <strong>um</strong>a força estranha, <strong>de</strong>scrita n<strong>um</strong> poema<br />

como «<strong>um</strong>a alavanca nocturna, violenta e secreta [que<br />

lhe] norteia os gestos e as falas/ muito para além do<br />

entendimento» (SR‑L: 48).<br />

Assim se explica, talvez, que alguns poemas digam<br />

o que não era esperado que dissessem: «E as palavras<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> me chegam, quantas são,/ com que intenção<br />

me visitam, com que/ propósito me põem na boca tudo<br />

aquilo/ que eu, por pudor, jurei nunca dizer?» (PIL:<br />

9); «Quem foi que escreveu o verso/ que <strong>de</strong>snuda que<br />

flagela quem amou?» (LBM: 31)<br />

Não que o poeta se transforme, pelo menos<br />

exclusivamente, n<strong>um</strong> medi<strong>um</strong> da linguagem, n<strong>um</strong><br />

4 Fedro, 245a, 265b; Íon, 534b‑c.

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