14.04.2013 Views

Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Teresa Carvalho<br />

Quando por fim se <strong>de</strong>scobriu na escrita, não alcançou a paz,<br />

mas a suprema inquietação, que não há alvoroço maior do que<br />

o do rosto buscando na página o fulgor perdido, o nome que lhe<br />

pertence, o r<strong>um</strong>o em que se c<strong>um</strong>pra.<br />

Encheu ca<strong>de</strong>rnos e mais ca<strong>de</strong>rnos com <strong>um</strong>a letra esvoaçante e<br />

esquiva, ave migrante à procura do poiso. 2<br />

Se é certo que há <strong>um</strong>a distância a observar entre<br />

o poeta e a personagem, alguns elementos da narrativa<br />

permitem, contudo, <strong>um</strong>a aproximação comparativa,<br />

senão mesmo <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntificação entre a escrita objecto<br />

<strong>de</strong> ficção e a “realida<strong>de</strong>” da escrita poética <strong>de</strong> José<br />

Jorge Letria. Em ambas é notória a mesma capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> entrega («<strong>de</strong>i o rosto e <strong>de</strong>i a voz; <strong>de</strong>i o sono e<br />

a vigília; <strong>de</strong>i a paz interior e a paixão» 3 ); o mesmo<br />

magma em expansão, <strong>um</strong> mesmo móbil a arrancar o<br />

corpo, ou a fala, ao estado <strong>de</strong> inércia: o inalcançável;<br />

impulsos semelhantes: ascen<strong>de</strong>ntes – para o absoluto,<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes – para a morte; <strong>um</strong>a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vozes a habitá‑las; a vasta extensão reflexa que o olhar<br />

interroga – o mesmo horizonte insatisfeito; os mesmos<br />

passos em volta: «escrevo/ para esquecer que escrevo n<strong>um</strong><br />

exercício circular/ <strong>de</strong> que nunca saio impune» (CP: 9);<br />

o mesmo <strong>de</strong>sfasamento entre o que há para ser dito e o<br />

que fica por dizer.<br />

Curiosamente, é também sentada à ilharga <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> livro que, noutro momento narrativo não menos<br />

2 J. J. Letria, Os Amotinados do Vento, com prefácio <strong>de</strong> Luís<br />

Almeida Martins, Lisboa, Editorial Escritor, 1993, p. 17.<br />

3 Ibi<strong>de</strong>m, p. 18.<br />

94

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!