Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Carlos A. Martins de Jesus minha vida. Moro agora num pequeno apartamento do outro lado do rio e ainda não me habituei ao gosto adocicado da carne humana. A leitura destes e de outros poemas que aqui não referimos, onde a máscara enquanto objecto de fingimento e (des)personalização se torna patente, trouxe‑nos à memória dois conhecidos exemplos da pintura de vasos antiga. No primeiro (imagem 2), um detalhe do krater de volutas de figuras vermelhas pelo Pintor de Pronomo (c. 400 a.C.) 4 , Diónisos aguarda um grupo de actores satíricos, que seguram máscaras, entre os quais um indivíduo disfarçado de Héracles. Todo o vaso ilustra cenas teatrais, mas é o pormenor do actor – disfarçado já – que segura outra máscara, carregada também ela de vida, que nos sugeriu o paralelo. Mais do que apresentá‑las como acessórios dramáticos, parece ter sido intenção do pintor sugerir a intimidade entre elas e os actores que as envergam, como que em diálogo, prestes a consumar uma fusão que, na poesia de Letria, vimos tornar‑se irreversível. Como se as duas entidades, actor e personagem, também no vaso que estamos a comentar, fossem ambos protagonistas de um mesmo jogo teatral, de onde está de todo ausente uma hierarquia de poder inabalável. No segundo exemplo (imagem 3), o fragmento de um vaso dos inícios do séc. IV a.C., um actor de tragédia segura também na mão uma máscara, que se prepara para pôr. Também esta parece ter vida e dialogar 4 Nápoles, Museu Nacional de Arqueologia. 86
a P o É t i c a d a m á s c a ra e d o (d e s)m a s c a ra r com o artista que tem diante de si. Falta apenas colocá‑la sobre o rosto – diríamos – e esperar que esse gesto seja reversível. De outro modo, falta apenas que o fingimento dramático‑poético não seja levado ao extremo, que o actor/poeta realize um são e precavido jogo de fingir. Porque, afinal, «O que somos?»: (...) Um inacabado teatro onde a tragédia sabe a riso e o duplo é uno e indivisível como aquele que reclama um império de cinzas e morre nele alquebrado e triste. (I: 141) Descerre‑se o pano para a cena da vida. Que o poema comece! 87
- Page 29 and 30: Teresa Carvalho vivi de mais, amei
- Page 31 and 32: Teresa Carvalho rumos que levam, as
- Page 33 and 34: Teresa Carvalho Quero ser a derrade
- Page 35 and 36: Teresa Carvalho me abandona, me ign
- Page 37 and 38: Teresa Carvalho O meu labirinto é
- Page 39 and 40: Cartografando o labirinto: o canto
- Page 41 and 42: Teresa Carvalho Na sua diversidade
- Page 43 and 44: Teresa Carvalho linguagem, resseman
- Page 45 and 46: Teresa Carvalho se defrontam e que,
- Page 47 and 48: Teresa Carvalho Mallarmé fotografa
- Page 49 and 50: Teresa Carvalho nos mercados onde t
- Page 51 and 52: Teresa Carvalho ekphrasis traduz j
- Page 53 and 54: Teresa Carvalho A linguagem comum -
- Page 55 and 56: Teresa Carvalho Que vereda de aço,
- Page 57 and 58: Teresa Carvalho marinha, castelo de
- Page 59 and 60: Teresa Carvalho sacrificaria os sig
- Page 61 and 62: Teresa Carvalho Assim se entende qu
- Page 63 and 64: Teresa Carvalho figura do pai; à a
- Page 65 and 66: Teresa Carvalho remete‑nos para a
- Page 67 and 68: Teresa Carvalho lembranças (…) Q
- Page 69 and 70: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 71 and 72: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 73 and 74: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 75 and 76: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 77 and 78: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 79: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 83 and 84: 91 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 85 and 86: 93 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 87 and 88: 95 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 89 and 90: 97 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 91 and 92: 99 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 93 and 94: 101 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 95 and 96: 103 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 97 and 98: 105 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 99 and 100: 107 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 101 and 102: 109 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 103 and 104: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 105 and 106: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 107 and 108: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 109 and 110: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 111 and 112: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 113 and 114: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 115 and 116: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 117 and 118: 127 Pl a c e n t a d e v o z e s a
- Page 119 and 120: Carlos A. Martins de Jesus e te ele
- Page 121 and 122: Carlos A. Martins de Jesus «vozes
- Page 123 and 124: Carlos A. Martins de Jesus e perfum
- Page 125 and 126: Carlos A. Martins de Jesus nem no n
- Page 127 and 128: Carlos A. Martins de Jesus poetisa
- Page 129 and 130: Imagem 1 J. Van Eyck, O Casal Arnol
a P o É t i c a d a m á s c a ra e d o (d e s)m a s c a ra r<br />
com o artista que tem diante <strong>de</strong> si.<br />
Falta apenas colocá‑la sobre o rosto – diríamos – e<br />
esperar que esse gesto seja reversível. De outro modo,<br />
falta apenas que o fingimento dramático‑poético não<br />
seja levado ao extremo, que o actor/poeta realize <strong>um</strong><br />
são e precavido jogo <strong>de</strong> fingir. Porque, afinal, «O que<br />
somos?»:<br />
(...) Um inacabado teatro<br />
on<strong>de</strong> a tragédia sabe a riso e o duplo<br />
é uno e indivisível como aquele que reclama<br />
<strong>um</strong> império <strong>de</strong> cinzas e morre nele<br />
alquebrado e triste. (I: 141)<br />
Descerre‑se o pano para a cena da vida. Que o<br />
poema comece!<br />
87