Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Teresa Carvalho<br />
lembranças (…) Que fiquem apenas as lembranças,/<br />
oferendas prometidas à felicida<strong>de</strong> que não existe» (PIL:<br />
27).<br />
N<strong>um</strong> tempo em que se escreve «para a cinta que<br />
proclama o êxito», em que «a sofreguidão do novo leva<br />
o mercado/ a chamar escritores a alguns transeuntes/<br />
que aci<strong>de</strong>ntalmente <strong>de</strong>cidiram/ fazer da literatura <strong>um</strong><br />
rendimento fixo» (II: 419‑420), o poeta, indiferente<br />
às leis do mercado, subtrai a sua escrita à marcha do<br />
mundo capitalista:<br />
Escreve‑se para o <strong>de</strong>sdém, para o vazio,<br />
à espera <strong>de</strong> <strong>um</strong> dia, que po<strong>de</strong> ser o seguinte,<br />
em que alguém dirá: valeu a pena.<br />
Contam‑se as traves do tecto, contam‑se os versos<br />
do enamoramento e da guerra,<br />
contam‑se as ilhas e as paixões<br />
e sobretudo tenta escrever‑se, credulamente,<br />
com a inocência <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>scobre petróleo<br />
no canteiro da hortelã e segue em frente,<br />
indiferente à riqueza e à posse. Escreve‑se<br />
para o <strong>de</strong>sprezo dos que amam outra escrita<br />
e se enredam nela como as prostitutas<br />
nas camas baixas do lucro garantido. (II: 425)<br />
Fica <strong>um</strong>a ética da escrita (e da poesia), a reiterada<br />
insistência nela, para além da dispersão, da loucura, da<br />
incompreensão, que são o preço a pagar quando se anda<br />
a procura <strong>de</strong> <strong>um</strong> final feliz.<br />
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