Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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65 ca r t o g ra f a n d o o labirinto normas que regulam o uso da linguagem. Assiste‑lhe o direito dessa violência regeneradora, Por isso palavras agrestes e anti‑líricas como cabotino e medíocre exiladas embora do seu comum vocabulário acabam por figurar no diagnóstico que faz do tempo em que se move. Assiste‑lhe esse direito e também o de não se perfilar quando lhe dizem que o sonho é um comércio em declínio, que a claridade foi comprada por uma multinacional e que o bom comportamento lhe chega e sobra para ganhar o céu. (CA: 53) Em torno da área semântica do comércio aprendemos a reconhecer, de modo figurado, a comunicação de algo, a troca (para que apontam justamente os versos do autor em epígrafe) e/ ou a relação estreita entre pessoas. Um olhar atento pela página poética de José Jorge Letria testemunha claramente a favor da comunicação de uma perda, para dar conta de uma situação existencial que a si mesmo se vê já sem saída. Importante é também a comunicação de um infortúnio ou o temor dele, senão mesmo de uma maldição, que se esconjura na linguagem dúplice da poesia: Uma maldição me transformou no bolso das moedas sem valor onde se guardam as sílabas sangrentas (...) Moeda das transacções mais secretas que levam um homem a vender a alma no balcão sombrio da sua vida sem remorsos. (MMV: 16)
Teresa Carvalho Assim se entende que as muitas moedas que encontramos espalhadas pela sua obra poética se afirmem como o irónico reverso da fortuna: «Não valho nada nas moedas em que me troco» (IO: 65); «A pequena caixa de madeira/ guarda as moedas do sonho/ com uma onda por efígie/ e a luz da tarde por valor de troca./ Por nada as darei, que são/ a minha fortuna lembrada/ contra as marés do infortúnio» (VO: 60). Mas a linguagem do comércio surge também nesta poesia associada a essa relação mais ou menos estreita entre pessoas que vêm unir‑se ao poeta de várias formas e com intensidades várias. «Na Rua da Bela Vista, Com Tanto Para Lembrar», um extenso e belo poema que integra a colectânea Senhor Pessoa, Chegámos a Cascais, é, no dizer do próprio, «uma longa fala sobre os negócios/ labirínticos e enleantes da memória» (II: 261). Numa expressão digressiva, influenciada pela própria condição deambulante (ou errante) do poeta, sempre atento ao quotidiano e ao mundo, vistos com distanciada ironia e algum humor, J. J. Letria deixa respirar o amplo fôlego da sua voz poética e, numa flutuação rítmica própria do diálogo (um diálogo tenso e denso do poeta consigo mesmo e com o leitor), vai puxando o fio do lembrar para construir a teia do poema, numa livre circulação de assuntos onde reverberam os temas maiores da sua poesia (com destaque para a infância, intensamente evocada) e de figuras: «raparigas céleres» que trazem horas para saber, cigarros para acender e a consciência nítida do envelhecimento e da exaustão da própria poesia; «inglesas em revoadas de 66
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Assim se enten<strong>de</strong> que as muitas moedas que<br />
encontramos espalhadas pela sua obra poética se afirmem<br />
como o irónico reverso da fortuna: «Não valho nada nas<br />
moedas em que me troco» (IO: 65); «A pequena caixa<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira/ guarda as moedas do sonho/ com <strong>um</strong>a onda<br />
por efígie/ e a luz da tar<strong>de</strong> por valor <strong>de</strong> troca./ Por nada<br />
as darei, que são/ a minha fortuna lembrada/ contra as<br />
marés do infortúnio» (VO: 60).<br />
Mas a linguagem do comércio surge também nesta<br />
poesia associada a essa relação mais ou menos estreita<br />
entre pessoas que vêm unir‑se ao poeta <strong>de</strong> várias formas<br />
e com intensida<strong>de</strong>s várias. «Na Rua da Bela Vista, Com<br />
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integra a colectânea Senhor Pessoa, Chegámos a Cascais, é,<br />
no dizer do próprio, «<strong>um</strong>a longa fala sobre os negócios/<br />
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própria condição <strong>de</strong>ambulante (ou errante) do poeta,<br />
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