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Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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Teresa Carvalho<br />

marinha, castelo <strong>de</strong> areia» (II: 312). São, diria, parcelas<br />

<strong>de</strong> loucura que traduzem e repetem a metamorfose<br />

ontológica que é a criação da linguagem, em busca <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m e do absoluto apenas entrevistos através da<br />

pluralida<strong>de</strong>. Forçado a entrar na or<strong>de</strong>m da linguagem,<br />

que incessantemente o transfigura e <strong>de</strong>sloca, não se<br />

liberta o poeta completamente dos labirintos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

singular heteronímia com os quais repetidamente nos<br />

confronta.<br />

Não era apenas a Bernardo Soares que a loucura<br />

afastava da vida prática para o metamorfosear em figura<br />

<strong>de</strong> livro. José Jorge Letria, que tantas vezes vemos<br />

transformado em figura <strong>de</strong> livro, enredado em ficções<br />

<strong>de</strong>smedidas que, à falta <strong>de</strong> trama, <strong>de</strong>finham na página,<br />

confessa que carece <strong>de</strong> <strong>um</strong> método – rigoroso e exigindo<br />

vigilância.<br />

A eventual oposição entre «as graves coisas<br />

práticas» e a activida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação artística e literária,<br />

dois mundos tão díspares que parecem encontrar‑se não<br />

apenas em Cesário Ver<strong>de</strong>, mas também em Fernando<br />

Pessoa 7 , on<strong>de</strong> a relação escriturário, contabilista e poesia<br />

é visível especialmente através da escrita <strong>de</strong> Bernardo<br />

Soares, ajudante <strong>de</strong> guarda‑livros na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa 8 , à<br />

7 Vi<strong>de</strong> João Rui <strong>de</strong> Sousa, Fernando Pessoa – empregado <strong>de</strong><br />

escritório, Lisboa, Sitese, 1985.<br />

8 Leia‑se, por exemplo, este excerto do Livro do Desassossego,<br />

Lisboa, Edições Ática, 1982, vol.1, p. 122: “Escrevo atentamente,<br />

curvado sobre o livro em que faço a lançamentos a história inútil <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a firma obscura; e, ao mesmo tempo, o meu pensamento segue,<br />

com igual atenção, a rota <strong>de</strong> <strong>um</strong> navio inexistente por paisagens<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> oriente que não há. As duas coisas estão igualmente nítidas,<br />

igualmente visíveis perante mim: a folha on<strong>de</strong> escrevo com cuidado,<br />

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