Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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ca r t o g ra f a n d o o labirinto<br />
a loucura, que joga <strong>um</strong> papel importante na criação<br />
poética, é <strong>um</strong> dos materiais dilectos <strong>de</strong> J. J. Letria: «Eu<br />
movo‑me nos círculos da insónia/ como <strong>um</strong> animal<br />
enlouquecido, alucinado/ por aquilo que o instinto lhe<br />
segreda (PIL: 11); «Eu enlouqueço com o eco do que<br />
escrevo/ e no que digo somente pressinto/ a linha <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
<strong>de</strong>stino inclemente a governar‑me» (SR‑L: 16).<br />
N<strong>um</strong> diversificado exercício da imaginação, a<br />
escrita do poeta não se inibe diante das fronteiras do<br />
lógico ou do racional e, por vezes, parece afastar‑se<br />
daquele que escreve e <strong>de</strong>senha figuras que escapam à<br />
lógica governada por certos códigos, como se a criatura<br />
se sobrepusesse ao eu criador:<br />
Desenhei <strong>um</strong> tigre ver<strong>de</strong><br />
na pequena tela dos meus <strong>de</strong>lírios<br />
aguarelados pela água da chuva<br />
<strong>de</strong>ixei que ele me <strong>de</strong>vorasse os versos<br />
escritos em redor, como se movessem<br />
cerco à impaciência colorida dos animais.<br />
O pequeno tigre ver<strong>de</strong> arqueou‑se<br />
para o salto final, para a rapina<br />
e cravou as garras na carne mansa<br />
<strong>de</strong> tudo quanto eu disse. Não se po<strong>de</strong><br />
criar animais que ergam contra nós<br />
o arco retesado do seu instinto mortal. (MMV: 40)<br />
Não menos perturbantes se afiguram, talvez,<br />
outros seres que se <strong>de</strong>slocam velozmente, a fazer eco <strong>de</strong><br />
«<strong>um</strong>a pressa alucinada» que caracteriza a escrita poética<br />
<strong>de</strong> J. J. Letria: «cavalo, albatroz, astrolábio, serpente