Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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Teresa Carvalho<br />
nos mercados on<strong>de</strong> tudo tem <strong>um</strong> preço,<br />
até o homem e a sua arte.<br />
O cão, as chinelas <strong>de</strong> mulher, o fruto<br />
esquecido no parapeito da janela,<br />
o castiçal e o terço são o inventário<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> espaço povoado pelos símbolos<br />
da harmonia que o dinheiro sela.<br />
O próprio pintor se terá auto‑retratado<br />
no espelho redondo, ao fundo da sala,<br />
testemunha silenciosa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a união<br />
que está nas cores, nos objectos<br />
e também no triunfo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a classe<br />
que se fez pintar para mostrar<br />
que tudo tem <strong>um</strong> preço<br />
e <strong>um</strong>a medida, até o amor. (SR: 49)<br />
Meditado para além <strong>de</strong>le próprio, o quadro<br />
é visado mais como imagem da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> prestígio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a classe sócio‑profissional e<br />
menos como objecto <strong>de</strong> arte. Mais como doc<strong>um</strong>ento<br />
e menos como objecto‑pintura, já <strong>de</strong> si, neste caso,<br />
com <strong>um</strong>a significativa componente testemunhal – o<br />
notário improvisado em que se terá transformado o<br />
pintor. O poema converte‑se no lugar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>núncia<br />
que a própria estrutura vem exprimir ao servir‑se do<br />
‘inventário’, que se ass<strong>um</strong>e como forma dúplice <strong>de</strong><br />
registo: a en<strong>um</strong>eração, capaz <strong>de</strong> reunir os elementos<br />
simbólicos dispersos pelo quadro, só aparentemente<br />
sem importância, e <strong>de</strong>la retirar significativos divi<strong>de</strong>ndos<br />
poéticos que apontam no sentido da opulência; a relação<br />
ou rol dos bens do casal.<br />
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