Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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31 o labirinto sem mi n o t a u r o dos exercícios de estilo («Estilo não quero fazer, não sou capaz,/ faltam‑me os andaimes, as ferramentas, a destreza/ no manejo dos seus fios ocultos» – I: 110), pode revelar‑se tanto mais assustador, quanto verificamos que ao anterior traçado labiríntico vem juntar‑se uma ampla galeria (e uma galeria é também uma compilação de escritos biográficos, que aqui não dispensa nem o fio da memória, nem a componente subterrânea) de quadros 2 e retratos. Retratos dos desvãos da infância; «retratos de família», obsessivamente perscrutados; retratos pulsantes a que o tempo retirou nitidez (e sentido): «Éramos nós naquele tempo?/ Era eu neste retrato?/ que sei eu que sei tão pouco?» (I: 69); «retratos coloridos das madrugadas de festa» (NhPF: 14), mais raros, sobretudo quando comparados com os «da aflição a preto e branco,/ os da minguada esperança, tão parca» (NhPF: 14); amarelecidos corpos ovais que preenchem a solidão das noites. A todos estes vem juntar‑se o “auto‑retrato” do “eu” («retrato‑me em mágoas»), frequentemente absorvido em cálculos de balanço dorido, a deixar perceber por que Não Há Poetas Felizes: É minha e só minha a culpa de quase tudo o que me fustiga: 2 Lançando mão da dinâmica de imagens e emoções que um recurso como a ekphrasis possibilita, numa opção que retoma as tradições especulativas e cultas da poesia de língua portuguesa, em Os Oficiantes da Luz e Sobre Retratos o Autor faz desfilar pintores célebres, sob um cenário histórico‑social e artístico composto com utensílios verbais de perscrutação que permitem ao sujeito poético falar distanciadamente de si e ao leitor abeirar‑se do rosto múltiplo de quem escreve.
Teresa Carvalho vivi de mais, amei de menos, escrevi de mais, esperei de menos. (NhPF: 24) Dir‑se‑ia que o universo poético de José Jorge Letria, no seu enrodilhado de linhas temáticas e motivos preferenciais (a prestarem‑se a desenvolvimentos sobre os vasos comunicantes entre vida e escrita), é muito mais o novelo da desolação em que Ariadne acabou por enredar‑se que a solução em forma de caminho a oferecer‑se ao leitor. O poeta, de resto, parece apostado em lançar a confusão. Se há momentos em que apresenta ao (apreensivo) leitor «Tudo Sobre o Mistério da Escrita»: «Eu estou dentro e fora de mim ao mesmo tempo,/ enredado na trama de uma escrita/ que tudo dirá sobre quem escreve» (II: 421), outros há em que, anunciando a revelação – «O Que Sou E O Que Escrevo» –, o oculta (e se oculta), num exercício de fingimento e contradição, próprio, de resto, de quem está convicto de que «as perguntas são muito mais tentadoras/ que as respostas» (NhPF: 45): «Não tentem saber o que sou pelo que escrevo./ Não me interpretem mal pelo que não digo./ Eu só confesso o que posso confessar» (NhPF: 67). Como quer que seja, a verdade é que o próprio, restringido à «solidão nocturna de mapas» que não registam centro ou saída, parece não estar na posse da chave do enigma: Quem de mim souber mais do que eu sei que me faça objecto de ficção ou enredo labiríntico de uma outra poética. (I: 106) 32
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Teresa Carvalho<br />
vivi <strong>de</strong> mais, amei <strong>de</strong> menos,<br />
escrevi <strong>de</strong> mais, esperei <strong>de</strong> menos. (NhPF: 24)<br />
Dir‑se‑ia que o universo poético <strong>de</strong> José Jorge<br />
Letria, no seu enrodilhado <strong>de</strong> linhas temáticas e motivos<br />
preferenciais (a prestarem‑se a <strong>de</strong>senvolvimentos sobre<br />
os vasos comunicantes entre vida e escrita), é muito<br />
mais o novelo da <strong>de</strong>solação em que Ariadne acabou<br />
por enredar‑se que a solução em forma <strong>de</strong> caminho a<br />
oferecer‑se ao leitor. O poeta, <strong>de</strong> resto, parece apostado<br />
em lançar a confusão.<br />
Se há momentos em que apresenta ao (apreensivo)<br />
leitor «Tudo Sobre o Mistério da Escrita»: «Eu estou <strong>de</strong>ntro<br />
e fora <strong>de</strong> mim ao mesmo tempo,/ enredado na trama <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a escrita/ que tudo dirá sobre quem escreve» (II: 421),<br />
outros há em que, anunciando a revelação – «O Que Sou E<br />
O Que Escrevo» –, o oculta (e se oculta), n<strong>um</strong> exercício <strong>de</strong><br />
fingimento e contradição, próprio, <strong>de</strong> resto, <strong>de</strong> quem está<br />
convicto <strong>de</strong> que «as perguntas são muito mais tentadoras/<br />
que as respostas» (NhPF: 45): «Não tentem saber o que sou<br />
pelo que escrevo./ Não me interpretem mal pelo que não<br />
digo./ Eu só confesso o que posso confessar» (NhPF: 67).<br />
Como quer que seja, a verda<strong>de</strong> é que o próprio,<br />
restringido à «solidão nocturna <strong>de</strong> mapas» que não<br />
registam centro ou saída, parece não estar na posse da<br />
chave do enigma:<br />
Quem <strong>de</strong> mim souber mais do que eu sei<br />
que me faça objecto <strong>de</strong> ficção<br />
ou enredo labiríntico <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra poética. (I: 106)<br />
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