Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Nem sempre escapamos na fuga, tão pouco na ilusão da fuga. […] José Jorge Letria, Cesário: Instantes da Fala Era assim a ficção: a teia apertada em que as personagens definhavam à mingua de luz, à míngua de voz. Era a fala a consumir a própria fala, a engolir, voraz, o narrador. José Jorge Letria, Quem Com Ferro Ama Autor de uma vasta e diversificada obra para a infância e a juventude, ficcionista – a escrever frequentemente na fronteira arriscada entre a poesia e a prosa –, dramaturgo, numa palavra, autor de muitas escritas (incluindo a jornalística), José Jorge Letria é sobretudo um poeta em desacerto com o tempo que lhe coube, mas não em desacerto com o tempo luminoso da Antiguidade Greco‑Romana e com os seus mitos, presença recorrente no seu universo poético. Insinuante construção de planta complexa, no seu doloroso, assumido e singular jogo heteronímico («Eu sou muitos com um só rosto./ Não tenho como tu, Fernando […], uma identidade/ plural, um leque de nomes a abrir‑se,/ imenso, em direcção à luz» (II: 183), no seu entrecruzado de vozes e vultos – evidências confusas de figuras que, de um modo geral, são chamadas ao palco de um revolto teatro de sombras onde o “eu” encena e se encena –, no seu entrelaçado estreito de caminhos, datas e lugares, a poesia de José Jorge Letria 29
Teresa Carvalho ergue‑se como um labirinto textual (não estivéssemos na presença de uma figura avessa a geografias simétricas e a itinerários lineares) que tem como centro as grandes temáticas da lírica universal: o amor, a morte, o tempo e a fugacidade dos dias, a vanidade, o inane, o inquieto estar no mundo e a palavra que o diz. Decerto, dos poucos centros facilmente alcançáveis numa obra, tomada no seu todo, a que David Mourão‑Ferreira, no prefácio a uma das colectâneas poéticas do autor, se referiu como desnorteante, ou melhor, e em bom rigor, “de tão desnorteante versatilidade” 1 . Diante da profusão de páginas de uma obra em que, não raro, poesia e prosa não demarcam os respectivos territórios com nitidez, diante do nunca aplacado desdobramento do “eu”, a revelar uma personagem biograficamente identificável (embora seja questionável que certa sinceridade posta na cena poética ofereça os dados que permitam falar de “auto‑retrato” nesta poesia: «Existo tangencialmente ao que digo» – II: 396), os pontos de referência turvam‑se e ocultam‑se, fugindo o fio de Ariadne das mãos do leitor, desafiado a encontrar na sua obra poética uma ordem onde, aparentemente, só há (con)fusão, inquirição e enigma: «Em nenhum teatro me quero representado,/ que a minha máscara é a do tédio e da fadiga./ Estou cativo de um tempo alvoraçado/ em que tudo é interrogação e dúvida» (II: 59). Percorrer os meandros de uma poesia que corre, clara e torrencial, fora das capelinhas literárias e longe 1 D. Mourão‑Ferreira, prefácio a Cesário: Instantes da Fala, Lisboa, Editorial Caminho, 1989. 30
- Page 1 and 2: Colecção Autores Gregos e Latinos
- Page 3 and 4: 3 Pl a c e n t a d e v o z e s a n
- Page 5 and 6: Índice 5 Placenta de vozes antigas
- Page 7 and 8: José Ribeiro Ferreira Dedicam agor
- Page 9 and 10: José Ribeiro Ferreira abrir o prim
- Page 11 and 12: Carlos A. Martins de Jesus Letria c
- Page 13 and 14: Carlos A. Martins de Jesus Um agrad
- Page 15 and 16: Carlos A. Martins de Jesus (QOSL, M
- Page 17 and 18: 19 Pl a c e n t a d e v o z e s a n
- Page 19 and 20: Se os românticos vinham morrer aqu
- Page 21 and 22: 23 Pl a c e n t a d e v o z e s a n
- Page 23 and 24: 25 Pl a c e n t a d e v o z e s a n
- Page 25: 27 Pl a c e n t a d e v o z e s a n
- Page 29 and 30: Teresa Carvalho vivi de mais, amei
- Page 31 and 32: Teresa Carvalho rumos que levam, as
- Page 33 and 34: Teresa Carvalho Quero ser a derrade
- Page 35 and 36: Teresa Carvalho me abandona, me ign
- Page 37 and 38: Teresa Carvalho O meu labirinto é
- Page 39 and 40: Cartografando o labirinto: o canto
- Page 41 and 42: Teresa Carvalho Na sua diversidade
- Page 43 and 44: Teresa Carvalho linguagem, resseman
- Page 45 and 46: Teresa Carvalho se defrontam e que,
- Page 47 and 48: Teresa Carvalho Mallarmé fotografa
- Page 49 and 50: Teresa Carvalho nos mercados onde t
- Page 51 and 52: Teresa Carvalho ekphrasis traduz j
- Page 53 and 54: Teresa Carvalho A linguagem comum -
- Page 55 and 56: Teresa Carvalho Que vereda de aço,
- Page 57 and 58: Teresa Carvalho marinha, castelo de
- Page 59 and 60: Teresa Carvalho sacrificaria os sig
- Page 61 and 62: Teresa Carvalho Assim se entende qu
- Page 63 and 64: Teresa Carvalho figura do pai; à a
- Page 65 and 66: Teresa Carvalho remete‑nos para a
- Page 67 and 68: Teresa Carvalho lembranças (…) Q
- Page 69 and 70: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 71 and 72: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 73 and 74: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 75 and 76: a P o É t i c a d a m á s c a ra
Teresa Carvalho<br />
ergue‑se como <strong>um</strong> labirinto textual (não estivéssemos<br />
na presença <strong>de</strong> <strong>um</strong>a figura avessa a geografias simétricas<br />
e a itinerários lineares) que tem como centro as gran<strong>de</strong>s<br />
temáticas da lírica universal: o amor, a morte, o tempo<br />
e a fugacida<strong>de</strong> dos dias, a vanida<strong>de</strong>, o inane, o inquieto<br />
estar no mundo e a palavra que o diz. Decerto, dos<br />
poucos centros facilmente alcançáveis n<strong>um</strong>a obra,<br />
tomada no seu todo, a que David Mourão‑Ferreira,<br />
no prefácio a <strong>um</strong>a das colectâneas poéticas do autor, se<br />
referiu como <strong>de</strong>snorteante, ou melhor, e em bom rigor,<br />
“<strong>de</strong> tão <strong>de</strong>snorteante versatilida<strong>de</strong>” 1 .<br />
Diante da profusão <strong>de</strong> páginas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obra em<br />
que, não raro, poesia e prosa não <strong>de</strong>marcam os respectivos<br />
territórios com niti<strong>de</strong>z, diante do nunca aplacado<br />
<strong>de</strong>sdobramento do “eu”, a revelar <strong>um</strong>a personagem<br />
biograficamente i<strong>de</strong>ntificável (embora seja questionável<br />
que certa sincerida<strong>de</strong> posta na cena poética ofereça os<br />
dados que permitam falar <strong>de</strong> “auto‑retrato” nesta poesia:<br />
«Existo tangencialmente ao que digo» – II: 396), os<br />
pontos <strong>de</strong> referência turvam‑se e ocultam‑se, fugindo o<br />
fio <strong>de</strong> Ariadne das mãos do leitor, <strong>de</strong>safiado a encontrar<br />
na sua obra poética <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m on<strong>de</strong>, aparentemente, só<br />
há (con)fusão, inquirição e enigma: «Em nenh<strong>um</strong> teatro<br />
me quero representado,/ que a minha máscara é a do<br />
tédio e da fadiga./ Estou cativo <strong>de</strong> <strong>um</strong> tempo alvoraçado/<br />
em que tudo é interrogação e dúvida» (II: 59).<br />
Percorrer os meandros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a poesia que corre,<br />
clara e torrencial, fora das capelinhas literárias e longe<br />
1 D. Mourão‑Ferreira, prefácio a Cesário: Instantes da Fala,<br />
Lisboa, Editorial Caminho, 1989.<br />
30