Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Carlos A. Martins <strong>de</strong> Jesus<br />
nem no néctar adocicado das corolas,<br />
nem naquilo, Safo, a que cada <strong>um</strong> está preso<br />
pelo coração. O essencial está no que liga<br />
o olhar à água, à cratera aberta à boca<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a língua <strong>de</strong> esp<strong>um</strong>a ou <strong>de</strong> terra.<br />
O essencial é a paz <strong>de</strong> <strong>um</strong>a casa atormentada<br />
pela guerra das sombras e dos r<strong>um</strong>ores.<br />
O essencial é o branco <strong>de</strong>smaiado<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a lua cheia <strong>de</strong> segredos, alucinada<br />
pela rotação eterna em que se per<strong>de</strong><br />
o sonho e a viagem, a eternida<strong>de</strong> dos astros<br />
em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong> lugar em que se acoitem,<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> buraco negro em que o essencial seja<br />
o eixo <strong>de</strong> coisa nenh<strong>um</strong>a que ampara o universo<br />
e o abriga das tentações do infinito. (I: 139‑140)<br />
É <strong>de</strong> acreditar que na mesma antologia da poesia<br />
grega, da Professora Maria Helena da Rocha Pereira 4 ,<br />
tenha o poeta contactado com os versos conservados <strong>de</strong><br />
Safo. No entanto, para a poetisa em causa, não po<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> referir o precioso trabalho <strong>de</strong> versão poética<br />
levado a cabo por Eugénio <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> 5 , on<strong>de</strong> a seiva<br />
lírica <strong>de</strong> Safo flui harmoniosamente na pena <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
outro poeta que, mais do que traduzi‑la, a reescreve.<br />
Safo está, para os gregos, como paradima da<br />
poesia essencial, <strong>de</strong>sse verso primordial que na natureza<br />
4 Vi<strong>de</strong> supra, p. 132, n. 1.<br />
5 Eugénio <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Poemas e <strong>Fragmentos</strong> <strong>de</strong> Safo. Porto,<br />
Limiar, 1974 ( 2 1995). Também David Mourão‑Ferreira selou a sua<br />
paixão pela poesia <strong>de</strong> Safo <strong>de</strong>la traduzindo pelo menos o fragmento<br />
31 Lobel Page (L‑P), o mesmo que já o latino Catulo (carme 51)<br />
imitara <strong>de</strong> perto (Ille mi par esse <strong>de</strong>o ui<strong>de</strong>tur...).<br />
136