Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
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135 Peregrino d e o u t ra s á g u a s dado saborerar. Coroas, grinaldas, mirto, rosas, a espuma do mar que Homero dizia marulhante e o vinho, eis os elementos que remetem o poema para um tempo e um espaço que não existem, único local talvez onde se pode buscar esse «segredo primordial» (v. 11). Que segredo? O da Palavra. Arquíloco, hiperbolizado na qualidade de poeta lírico e apaixonado que os textos e testemunhos parecem confirmar não ter sido, é assim o companheiro que, à sombra de uma mesma árvore ou na areia de uma mesma praia, partilha os segredos da sua arte, ele a quem reconhecemos, não obstante, um lugar pioneiro na personalização temática da poesia grega. sa f o A outras águas ruma o poeta. Vai provar o sal dessas ondas que desaguam, na fértil brancura da sua espuma, na praia da ilha de Lesbos. Aí encontra Safo, a sempre apaixonada poetisa de origens aristocráticas que a ilha de Lesbos viu nascer, de uma família aristocrática, na segunda metade do século VII a.C., e com a sua poética dialoga, no inquieto sentimento de quem não consente a satisfação. Em Percurso do Método, colectânea de 1990, fomos encontrar o poema «Eixo de Coisa Nenhuma», revelador de um conhecimento próximo dos fragmentos de Safo, de um contacto com os seus textos poéticos a que apenas outro poeta pode ousar. O essencial não está na pétala nem na pedra,
Carlos A. Martins de Jesus nem no néctar adocicado das corolas, nem naquilo, Safo, a que cada um está preso pelo coração. O essencial está no que liga o olhar à água, à cratera aberta à boca de uma língua de espuma ou de terra. O essencial é a paz de uma casa atormentada pela guerra das sombras e dos rumores. O essencial é o branco desmaiado de uma lua cheia de segredos, alucinada pela rotação eterna em que se perde o sonho e a viagem, a eternidade dos astros em busca de um lugar em que se acoitem, de um buraco negro em que o essencial seja o eixo de coisa nenhuma que ampara o universo e o abriga das tentações do infinito. (I: 139‑140) É de acreditar que na mesma antologia da poesia grega, da Professora Maria Helena da Rocha Pereira 4 , tenha o poeta contactado com os versos conservados de Safo. No entanto, para a poetisa em causa, não podemos deixar de referir o precioso trabalho de versão poética levado a cabo por Eugénio de Andrade 5 , onde a seiva lírica de Safo flui harmoniosamente na pena de um outro poeta que, mais do que traduzi‑la, a reescreve. Safo está, para os gregos, como paradima da poesia essencial, desse verso primordial que na natureza 4 Vide supra, p. 132, n. 1. 5 Eugénio de Andrade, Poemas e Fragmentos de Safo. Porto, Limiar, 1974 ( 2 1995). Também David Mourão‑Ferreira selou a sua paixão pela poesia de Safo dela traduzindo pelo menos o fragmento 31 Lobel Page (L‑P), o mesmo que já o latino Catulo (carme 51) imitara de perto (Ille mi par esse deo uidetur...). 136
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Peregrino d e o u t ra s á g u a s<br />
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Coroas, grinaldas, mirto, rosas, a esp<strong>um</strong>a do<br />
mar que Homero dizia marulhante e o vinho, eis os<br />
elementos que remetem o poema para <strong>um</strong> tempo e <strong>um</strong><br />
espaço que não existem, único local talvez on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong><br />
buscar esse «segredo primordial» (v. 11). Que segredo?<br />
O da Palavra. Arquíloco, hiperbolizado na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
poeta lírico e apaixonado que os textos e testemunhos<br />
parecem confirmar não ter sido, é assim o companheiro<br />
que, à sombra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesma árvore ou na areia <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a mesma praia, partilha os segredos da sua arte, ele a<br />
quem reconhecemos, não obstante, <strong>um</strong> lugar pioneiro<br />
na personalização temática da poesia grega.<br />
sa f o<br />
A outras águas r<strong>um</strong>a o poeta. Vai provar o sal<br />
<strong>de</strong>ssas ondas que <strong>de</strong>saguam, na fértil brancura da sua<br />
esp<strong>um</strong>a, na praia da ilha <strong>de</strong> Lesbos. Aí encontra Safo, a<br />
sempre apaixonada poetisa <strong>de</strong> origens aristocráticas que<br />
a ilha <strong>de</strong> Lesbos viu nascer, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a família aristocrática,<br />
na segunda meta<strong>de</strong> do século VII a.C., e com a sua<br />
poética dialoga, no inquieto sentimento <strong>de</strong> quem não<br />
consente a satisfação.<br />
Em Percurso do Método, colectânea <strong>de</strong> 1990,<br />
fomos encontrar o poema «Eixo <strong>de</strong> Coisa Nenh<strong>um</strong>a»,<br />
revelador <strong>de</strong> <strong>um</strong> conhecimento próximo dos fragmentos<br />
<strong>de</strong> Safo, <strong>de</strong> <strong>um</strong> contacto com os seus textos poéticos a<br />
que apenas outro poeta po<strong>de</strong> ousar.<br />
O essencial não está na pétala nem na pedra,