Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra
129 Peregrino d e o u t ra s á g u a s Raia a aurora que róseos tem os dedos. O poeta, sentado sobre as escarpas de um paredão, durante a noite assaltado pela violência das ondas do Egeu, sente‑se embebido nos tempos de outrora que permeiam essas brisas frescas da manhã, na praia que desperta calma. Vozes de outros poetas e de outros artistas, os primórdios da palavra, assaltam o poeta que aí se senta em repouso. «Muito respeitinho, que aqui morou um poeta, / na mais perigosa curva das palavras / que matam, libertam e resgatam.» (II: 426). ar q u Í l o c o Em 1989 José Jorge Letria fazia sair, nos prelos da editora Livros Horizonte, Carta de Afectos, livro de poemas galardoado com o Prémio José Galeno de Poesia da Sociedade Portuguesa de Autores, em 1987. Aí fomos encontrar, agradável surpresa, o poema intitulado “Arquíloco”, revelador de um conhecimento notável dos versos e das lendas pseudo‑biográficas desse poeta grego do século VII a.C. É esse texto que transcrevemos de seguida e sobre o qual reflectimos, buscando a sua articulação com a poética de Letria, tão centrada na imagética do mar. Ó Paros, ilha nua sobre as ondas do Egeu tu que viste nascer Arquíloco e alimentaste com figos secos os soldados, os poetas e os navegadores e embebeste em leite de cabra as feridas do corpo das mulheres
Carlos A. Martins de Jesus e te elevaste esguia sobre o mármore dos cultos e da impaciência dos deuses revela‑me agora se puderes numa campânula de goivo ou numa abóbada de vento o segredo primordial do verso capaz de iluminar altivo a fronte dos homens e a nudez astral das estátuas e de cinzelar a coroa das divindades do mar e de se adornar com o mirto e com o sangue perfumado das rosas e da boca dos amantes O dardo que fere a tua coxa e rasga o braço que em asa se prolonga pode ser de luz ou pode ser de espuma, pode ser de sombra ou mesmo de oiro fino. Mais fundo vai o sulco da idade na pele beijada pelo sol, tão fundo que até a tempestade se demora nos ramos das figueiras para que a morte não desperte quem a espera Ó Arquíloco, bebe comigo nas alamedas do verão o teu vinho de Ismaras e diz‑me que o caos revisitado pode bem ser poesia e que o poeta é aquele que não se poupa e abraçando a chuva ou o fogo conta de si o que idade alguma pode diluir ou apagar. (CA: 12) Declarava José Jorge Letria, em Setembro de 2007, em entrevista à Ensino Magazine: «Nasci perto do mar, em Cascais, e continuo a ter sempre presente na minha memória afectiva o seu cheiro, as suas cores, a sua voz e a sua força. É vizinhança de que um poeta nunca se cura. Foi com o mar que aprendi a imaginar a distância, a viagem e a dimensão do mundo. Ele tem 130
- Page 67 and 68: Teresa Carvalho lembranças (…) Q
- Page 69 and 70: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 71 and 72: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 73 and 74: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 75 and 76: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 77 and 78: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 79 and 80: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 81 and 82: a P o É t i c a d a m á s c a ra
- Page 83 and 84: 91 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 85 and 86: 93 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 87 and 88: 95 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 89 and 90: 97 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 91 and 92: 99 a má q u i n a d a es c r i t a
- Page 93 and 94: 101 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 95 and 96: 103 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 97 and 98: 105 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 99 and 100: 107 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 101 and 102: 109 a má q u i n a d a es c r i t
- Page 103 and 104: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 105 and 106: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 107 and 108: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 109 and 110: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 111 and 112: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 113 and 114: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 115 and 116: so b r e re t ra t o s (e s o b r e
- Page 117: 127 Pl a c e n t a d e v o z e s a
- Page 121 and 122: Carlos A. Martins de Jesus «vozes
- Page 123 and 124: Carlos A. Martins de Jesus e perfum
- Page 125 and 126: Carlos A. Martins de Jesus nem no n
- Page 127 and 128: Carlos A. Martins de Jesus poetisa
- Page 129 and 130: Imagem 1 J. Van Eyck, O Casal Arnol
- Page 131 and 132: Imagem 3 Fragmento de um krater de
- Page 133 and 134: Imagem 5 Michel Sittow, Catarina de
- Page 135 and 136: Imagem 7 G. Arcimboldo, O Verão (1
- Page 137 and 138: es t u d o s s o b r e Jo s é Jo r
- Page 139 and 140: SOUSA, João Rui de, «Nos Caminhos
- Page 141: Aqui se reúnem sete ensaios que t
Carlos A. Martins <strong>de</strong> Jesus<br />
e te elevaste esguia sobre o mármore<br />
dos cultos e da impaciência dos <strong>de</strong>uses<br />
revela‑me agora se pu<strong>de</strong>res<br />
n<strong>um</strong>a campânula <strong>de</strong> goivo ou n<strong>um</strong>a abóbada <strong>de</strong> vento<br />
o segredo primordial do verso capaz<br />
<strong>de</strong> il<strong>um</strong>inar altivo a fronte dos homens<br />
e a nu<strong>de</strong>z astral das estátuas e <strong>de</strong> cinzelar<br />
a coroa das divinda<strong>de</strong>s do mar e <strong>de</strong> se adornar<br />
com o mirto e com o sangue perf<strong>um</strong>ado<br />
das rosas e da boca dos amantes<br />
O dardo que fere a tua coxa e rasga o braço<br />
que em asa se prolonga po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> luz<br />
ou po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> esp<strong>um</strong>a, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> sombra<br />
ou mesmo <strong>de</strong> oiro fino. Mais fundo vai o sulco da ida<strong>de</strong><br />
na pele beijada pelo sol, tão fundo que até<br />
a tempesta<strong>de</strong> se <strong>de</strong>mora nos ramos das figueiras<br />
para que a morte não <strong>de</strong>sperte quem a espera<br />
Ó Arquíloco, bebe comigo nas alamedas do verão<br />
o teu vinho <strong>de</strong> Ismaras e diz‑me que o caos revisitado<br />
po<strong>de</strong> bem ser poesia e que o poeta é aquele que não se poupa<br />
e abraçando a chuva ou o fogo conta <strong>de</strong> si<br />
o que ida<strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a po<strong>de</strong> diluir ou apagar. (CA: 12)<br />
Declarava José Jorge Letria, em Setembro <strong>de</strong><br />
2007, em entrevista à Ensino Magazine: «Nasci perto<br />
do mar, em Cascais, e continuo a ter sempre presente<br />
na minha memória afectiva o seu cheiro, as suas cores,<br />
a sua voz e a sua força. É vizinhança <strong>de</strong> que <strong>um</strong> poeta<br />
nunca se cura. Foi com o mar que aprendi a imaginar<br />
a distância, a viagem e a dimensão do mundo. Ele tem<br />
130