Fragmentos de um Fascínio - Estudo Geral - Universidade de Coimbra

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14.04.2013 Views

Teresa Carvalho nem explicações pedagógicas sopradas ao ouvido e, por outro lado, talvez prefiram «Abrir as Asas e Voar» (curiosamente, o título do poema que inclui os versos citados) – proponho uma breve deambulação pelas galerias do “museu imaginário” que é Sobre Retratos, para contemplar, ora de relance, ora um pouco mais demoradamente, peças de arte verbal. Antes de avançar, porém, antecipo, em duas pinceladas – o tema autoriza –, uma vista geral do espaço poético, que subjectivamente dividiria em duas secções. A primeira, constituída por duas salas contíguas com divisórias ténues – a ‘Sala da Conjectura’ e a ‘Sala das Perguntas’: lugares que reflectem o próprio olhar do poeta perante a Arte e a História. Um olhar que se recusa a ser passivo, registador. É um espaço onde se imagina a realidade e onde reflectir consiste em inquirir e colocar hipóteses, afirmações de um supor. Aqui podemos contemplar o retrato de «Catarina de Aragão», d’ «A Imperatriz Josefina», de «São Paulo, o Eremita», «Auto‑Retrato[s]», «O Ciclope», «Mulher a Chorar», «A Madona», entre muitos outros. A segunda secção, ampla, coincide com aquilo que designaria por ‘Salão Nobre da História’. Sem nunca excluir a indagação e o historicismo imaginoso, é reservado a uma pintura mais narrativa, diria, mas que sobressai menos como espaço de celebração de figuras ou de acontecimentos marcantes, e mais como veículo de crítica social, não fosse o retrato, para além de obra de arte, um importante documento formal do poder de quem o encomenda. Tanto assim que «Também se 120

so b r e re t ra t o s (e s o b r e q u e m o s (d)e s c re v e) pode reinar nos retratos,/ com o ceptro, a espada e a harmonia/ da paisagem confirmando o poder/ de quem paga para se eternizar na tela» (SR: 47). A verdade, observa o poeta, é que «Um dia a morte vem e leva/ os reis, os cavalos e os atributos visíveis/ da posse e do mando. Nada mais fica» (SR: 47). Muito mais que a nitidez dos traços fisionómicos de um sujeito concreto ou de um grupo, este género, como alguns poemas registam, espelha, reflecte, revela, um carácter, um estatuto, um ethos, funcionando como um registo dos traços psicológicos, sociais… Deste modo, enquanto registo de mundivivências e de mundividências, ele representará uma interpretação ou visão do mundo. Neste “Salão Nobre” encontramos, para além do retrato do próprio «poder e do seu séquito», o «Retrato do Duque de Albuquerque», «O Duque de Wellington», «Napoleão Bonaparte na Ponte de Arcole», entre outros, e a série equestre «Carlos I a Cavalo» e o curioso «Retrato de Francisco I a Cavalo». Sugiro, então, que apressemos um pouco o passo, de modo a deixarmos para trás aquele grupo de visitantes que coloca a ida ao museu no seu caderno de encargos culturais. Logo à entrada somos recebidos por «São Francisco de Assis» (imagem 4), a erguer‑se inteiro aos nossos olhos: A luz que ilumina o santo também ilumina a pobreza incolor das vestes e dos dias. É uma pobreza igual a do pintor no fim da vida, 121

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po<strong>de</strong> reinar nos retratos,/ com o ceptro, a espada e a<br />

harmonia/ da paisagem confirmando o po<strong>de</strong>r/ <strong>de</strong> quem<br />

paga para se eternizar na tela» (SR: 47). A verda<strong>de</strong>,<br />

observa o poeta, é que «Um dia a morte vem e leva/<br />

os reis, os cavalos e os atributos visíveis/ da posse e do<br />

mando. Nada mais fica» (SR: 47). Muito mais que a<br />

niti<strong>de</strong>z dos traços fisionómicos <strong>de</strong> <strong>um</strong> sujeito concreto<br />

ou <strong>de</strong> <strong>um</strong> grupo, este género, como alguns poemas<br />

registam, espelha, reflecte, revela, <strong>um</strong> carácter, <strong>um</strong><br />

estatuto, <strong>um</strong> ethos, funcionando como <strong>um</strong> registo dos<br />

traços psicológicos, sociais… Deste modo, enquanto<br />

registo <strong>de</strong> mundivivências e <strong>de</strong> mundividências, ele<br />

representará <strong>um</strong>a interpretação ou visão do mundo.<br />

Neste “Salão Nobre” encontramos, para além do<br />

retrato do próprio «po<strong>de</strong>r e do seu séquito», o «Retrato<br />

do Duque <strong>de</strong> Albuquerque», «O Duque <strong>de</strong> Wellington»,<br />

«Napoleão Bonaparte na Ponte <strong>de</strong> Arcole», entre outros,<br />

e a série equestre «Carlos I a Cavalo» e o curioso «Retrato<br />

<strong>de</strong> Francisco I a Cavalo».<br />

Sugiro, então, que apressemos <strong>um</strong> pouco o<br />

passo, <strong>de</strong> modo a <strong>de</strong>ixarmos para trás aquele grupo <strong>de</strong><br />

visitantes que coloca a ida ao museu no seu ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong><br />

encargos culturais. Logo à entrada somos recebidos por<br />

«São Francisco <strong>de</strong> Assis» (imagem 4), a erguer‑se inteiro<br />

aos nossos olhos:<br />

A luz que il<strong>um</strong>ina o santo<br />

também il<strong>um</strong>ina a pobreza incolor<br />

das vestes e dos dias. É <strong>um</strong>a pobreza<br />

igual a do pintor no fim da vida,<br />

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