Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
de Varzim” 27 – e de versos, recorta<strong>do</strong>s, cola<strong>do</strong>s, intercala<strong>do</strong>s, interpola<strong>do</strong>s e, às<br />
vezes, levemente altera<strong>do</strong>s na grafia ou pontuação – como estes, de Fernan<strong>do</strong><br />
Pessoa, extraí<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s poemas “Ode marítima” 28 , “Padrão” e “Mar português”, e<br />
evoca<strong>do</strong>s para expressar a melancolia e a saudade que se abatem sobre Jerónimo:<br />
Chamam por mim as águas, chamam por mim os mares, o chamamento<br />
confuso das águas, a voz inédita e implícita de todas as coisas <strong>do</strong> mar, <strong>do</strong>s<br />
naufrágios, das viagens longínquas, das travessias perigosas. Ah, seja<br />
como for, seja por onde for, partir! Largar por aí fora, pelas ondas, pelo<br />
perigo, pelo mar. Ir para Longe, ir para Fora, para a Distância Abstrata,<br />
indefinidamente, pelas noites misteriosas e fundas, leva<strong>do</strong>, como a poeira,<br />
plos ventos, plos vendavais! Ir, ir, ir, ir de vez! O mar sem fim é português. Ó<br />
mar salga<strong>do</strong>, quanto <strong>do</strong> teu sal são lágrimas de Portugal! 29<br />
Outras vezes, encontramos exemplos dessa pseu<strong>do</strong>mimese estilística<br />
dentro <strong>do</strong>s pensamentos e diálogos <strong>do</strong> protagonista. Como quan<strong>do</strong> o Torto,<br />
referin<strong>do</strong>-se cinicamente à morte de um desprezível solda<strong>do</strong> português, comenta: “o<br />
nosso infausto Gonçalo Pero Calafurna, de benigna memória, que na mão de Deus,<br />
na sua mão direita, descansou afinal seu coração” 30 , recuperan<strong>do</strong> de forma satírica<br />
<strong>do</strong>is decassílabos <strong>do</strong> soneto “Na mão de Deus”, de Antero de Quental: “Na mão de<br />
Deus, na sua mão direita, / Descansou afinal meu coração.” 31 Ou quan<strong>do</strong>, numa<br />
confissão esfuziante, revela que pretende deixar a aldeia tabajara rumo à recém-<br />
criada vila de Olinda: “Olinda! Lá sou amigo <strong>do</strong> rei!” 32 , ligan<strong>do</strong> irremediavelmente<br />
seu discurso ao poema “Vou-me embora pra Pasárgada” 33 , de Manuel Bandeira.<br />
De igual mo<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> se apropria de um verso, nada otimista, <strong>do</strong> poeta<br />
romântico Francisco Otaviano: “<strong>do</strong>ía a cabeça, precisava repousar, <strong>do</strong>rmir, talvez<br />
sonhar, quem sabe?” 34 ; ou de outro, mais patriótico, de Olavo Bilac: “— Tão<br />
tardiamente estás a enxergar o que tinhas mesmo à mão! Criança: não verás<br />
nenhum país como este!” 35 . Note-se em especial a ambigüidade discursiva<br />
embutida na frase anterior ao verso de Bilac. Se, por um la<strong>do</strong>, ela se refere às<br />
27 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1988, p. 156.<br />
28 PESSOA, Fernan<strong>do</strong>. O guarda<strong>do</strong>r de rebanhos e outros poemas. São Paulo: Cultrix, 1989. p.<br />
155-156; 207; 211.<br />
29 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1988, p. 54.<br />
30 Ibid., p. 76.<br />
31 QUENTAL, Antero de. Sonetos completos. Mem Martins: Publicações Europa-América, [19--]. p.<br />
149.<br />
32 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1988, p. 248.<br />
33 BANDEIRA, Manuel. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p. 80-82.<br />
34 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1988, p. 192. (grifo meu)<br />
35 Ibid. p. 136. (grifo meu)<br />
98