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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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É justo neste ponto que entrevejo o comportamento provocativo, irônico e<br />

satírico de Harol<strong>do</strong> Maranhão. Irônico porque ele costuma fornecer uma informação<br />

pela metade, ou seja, como se desejasse inverter, de propósito, o conheci<strong>do</strong> dita<strong>do</strong><br />

popular Contar o milagre, mas não dizer o nome <strong>do</strong> santo, acaba revelan<strong>do</strong> o nome<br />

<strong>do</strong> santo, mas não nos conta onde está o milagre, o que em termos práticos vem a<br />

dar no mesmo: é preciso que o leitor descubra sozinho. E também é satírico porque<br />

o que ele chama de enxertos me soa como tentativa de escarnecer a tão propalada,<br />

e talvez por isso mesmo bastante exaurida, noção de intertextualidade. Havia,<br />

sobretu<strong>do</strong> nas décadas de 70 e 80, certo frisson acadêmico (e cultural) ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

conceito modernoso de intertexto. Parece-me que o antena<strong>do</strong> satirista, que nunca<br />

perdia a chance de criticar os costumes, tratou de distorcer, corromper, confundir,<br />

maximizar e desafiar o conceito em voga, toman<strong>do</strong> a intertextualidade ao pé da letra<br />

ou levan<strong>do</strong>-a às últimas conseqüências. Se não, vejamos outros exemplos.<br />

À simples vista, podemos considerar as cartas de amor urdidas pelo Torto<br />

em paralelo ao eixo da narrativa como inversões paródicas da carta de Caminha,<br />

das primeiras crônicas <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial ou das missivas enviadas por Dom Pedro<br />

I à marquesa de Santos. Mas também podem ser lidas como tentativa de imitar o<br />

estilo satírico-literário <strong>do</strong> personagem Macunaíma em sua “Carta Pràs Icamiabas” 25<br />

ou “Às mui queridas súbditas nossas, Senhoras Amazonas”. Note-se que, nesta<br />

carta, Mário de Andrade já fazia troça <strong>do</strong> abismo lingüístico, social e cultural<br />

existente entre o português fala<strong>do</strong> e o escrito:<br />

Ora sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa,<br />

que falam numa língua e escrevem noutra. [...] Nas conversas utilizam-se os<br />

paulistanos dum linguajar bárbaro e multifário, crasso de feição e impuro na<br />

vernaculidade [...] Mas si de tal desprezível língua se utilizam na<br />

conversação os naturais desta terra, logo que tomam da pena, se despojam<br />

de tanta asperidade [...] exprimin<strong>do</strong>-se numa outra linguagem, mui próxima<br />

da vergiliana, no dizer dum panegirista, meigo idioma, que, com imperecível<br />

galhardia, se intitula: língua de Camões! 26<br />

No afã de imitar poetas e escritores, o Torto vai deixan<strong>do</strong> em suas cartas um<br />

rastro, nem sempre visível, de frases célebres e irônicas – como aquela escrita por<br />

Eça de Queirós numa carta a Pinheiro Chagas: “Eu sou um pobre homem da Póvoa<br />

25 ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. São Paulo: Livraria Martins<br />

Editora, 1970. p. 93-95.<br />

26 Ibid., p. 106-107.<br />

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