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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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por certo tempo verbal, pelo uso de coordenação ou de subordinação, pelo emprego<br />

de adjetivo ou substantivo, pode alterar o mo<strong>do</strong> como hierarquizamos os seres e os<br />

acontecimentos e orientar nossas consciências numa direção específica.<br />

Em O tetraneto del-rei, Harol<strong>do</strong> Maranhão inventou uma linguagem calcada<br />

na idéia de que passa<strong>do</strong> é tu<strong>do</strong> aquilo que está fora <strong>do</strong> uso corrente, que já perdeu<br />

boa parte de sua funcionalidade ou não participa mais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> contemporâneo,<br />

tu<strong>do</strong> o que sentimos como algo morto, pré-histórico, empoeira<strong>do</strong>, obsoleto,<br />

rebusca<strong>do</strong>, desfigura<strong>do</strong>, anômalo ou ilegível, tu<strong>do</strong> aquilo que os textos cristalizaram<br />

e mumificaram e que só podemos acessar através de dicionários ou, então, de<br />

alfarrábios e pergaminhos. Por conseguinte, para criar a sensação de presença <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>, o autor precisa necessariamente abrir o envelheci<strong>do</strong> baú da língua<br />

portuguesa e reaproveitar aquelas palavras, locuções e expressões consideradas<br />

pelos escritores de outrora as mais ricas e elegantes <strong>do</strong> idioma, precisa também<br />

arcaizar as gírias atuais, recorrer às construções sintáticas mais inusitadas, fazer<br />

uso copioso de latinismos, reproduzir a ortografia instável e tosca das primeiras<br />

impressões tipográficas e recolher os provérbios mais antigos e alquebra<strong>do</strong>s.<br />

Essa noção de pretérito não deixa de ser irônica e bem-humorada, entre<br />

outros motivos, porque, primeiro, simplifica exageradamente a concepção de tempo,<br />

desproblematizan<strong>do</strong> indagações próprias da contemporaneidade: como seria<br />

cômo<strong>do</strong> se a passagem <strong>do</strong> presente para o passa<strong>do</strong> (e vice-versa), ou a diferença<br />

entre ambos, fosse apenas uma questão de substituir o adjetivo português por<br />

portucalense ou realizar algumas inversões sintagmáticas, como não lhe por lhe<br />

não; segun<strong>do</strong>, porque essa linguagem (teatralizada, ideal e ilusória) imita as licenças<br />

poéticas de escritores literários, transfere padrões peculiares da literatura para a<br />

linguagem coloquial e, ao supor a prevalência da escrita sobre a oralidade, acaba<br />

burocratizan<strong>do</strong> a língua falada; terceiro, porque durante a leitura <strong>do</strong> texto o recurso<br />

aos dicionários torna-se impraticável: só conseguimos avançar à custa de releituras,<br />

captan<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> relacional <strong>do</strong>s elementos e confian<strong>do</strong> principalmente em nossas<br />

intuições lingüísticas e culturais, o que pode instaurar uma sensação de<br />

provisoriedade (e mutabilidade) <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>; e quarto, porque ao trazer de volta o<br />

passa<strong>do</strong> esqueci<strong>do</strong> <strong>do</strong> idioma, ou melhor, a memória arquetípica da língua<br />

portuguesa, o antigo, que já foi moderno, torna-se novo de novo.<br />

O romance de Harol<strong>do</strong> Maranhão evidencia e valoriza a materialidade <strong>do</strong><br />

signo lingüístico e, conseqüentemente, <strong>do</strong> discurso. Esta parece ser uma das formas<br />

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