Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
definições cada vez mais claras e confiáveis; ao mesmo tempo em que valorizamos<br />
e apreciamos certos ora<strong>do</strong>res, os quais, graças à nossa permissão, usam (e, às<br />
vezes, abusam) <strong>do</strong> recurso a noções vagas e obscuras, como os poetas,<br />
ficcionistas, teólogos, místicos e visionários.<br />
Malgra<strong>do</strong> nossa impossibilidade de criar definições absolutamente precisas<br />
e exatas, continuamos sempre dispostos a incentivar o confronto de idéias, novas ou<br />
antigas, desde que o contexto não seja coercivo, porque exercitar o raciocínio nesse<br />
movimento duplo – aclaramento e obscurecimento – estimula a intuição, agiliza a<br />
percepção, aumenta nossa sensibilidade e modifica nossas impressões, fazen<strong>do</strong>-<br />
nos ver matizes que antes eram imperceptíveis. Desta forma, quan<strong>do</strong> alguém<br />
propõe, justifica, defende, revisa, modifica ou aban<strong>do</strong>na sua definição imperfeita,<br />
to<strong>do</strong>s acabam receben<strong>do</strong> em troca um ganho de compreensão. É na somatória<br />
desses pequenos ganhos que o pensamento parece evoluir.<br />
Antes de propor minha própria definição de estilo, gostaria de insistir sobre<br />
alguns aspectos fundamentais da argumentação. Numa comunidade humana é<br />
normal aceitar, sem questionamentos, aquilo que parece óbvio. Mas, se por algum<br />
motivo (angústia, insatisfação, espanto ou revolta) um indivíduo qualquer questionar<br />
o óbvio, é bem provável que surjam os primeiros desacor<strong>do</strong>s. Desacor<strong>do</strong>s muito<br />
intensos costumam gerar rupturas e desagregações. Para restaurar o acor<strong>do</strong>, a<br />
convivência pacífica e a união <strong>do</strong> grupo, pode-se usar a força bruta, ameaçar o uso<br />
da força ou apelar à razão. Se quisermos evitar a violência e os danos que ela<br />
provoca, precisaremos recorrer à razão e empregá-la como instrumento para<br />
convencer e persuadir os demais:<br />
sejam quais forem os motivos <strong>do</strong> início da reflexão filosófica, ela não se<br />
concebe, a meu ver, sem uma ruptura da comunhão <strong>do</strong> homem com o seu<br />
meio, sem os primeiros questionamentos daquilo que, até então, era óbvio,<br />
tanto na visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> como naquela <strong>do</strong> lugar que nele ocupamos; [...]<br />
tanto de nossas crenças como de nossas modalidades de ação. Ora, <strong>do</strong><br />
questionamento ao desacor<strong>do</strong>, e <strong>do</strong> desacor<strong>do</strong> ao uso da força para<br />
restabelecer a unanimidade, a passagem é tão normal que quase não<br />
necessita de comentários. O que é excepcional, em contrapartida, e<br />
constitui uma data na história da humanidade, é que se tenha permiti<strong>do</strong> que,<br />
em matérias fundamentais [...] o uso da força possa ser substituí<strong>do</strong> pelo da<br />
persuasão, que se possam formular questões e receber explicações,<br />
avançar opiniões e submetê-las à crítica alheia. O recurso ao logos, cuja<br />
força convincente dispensaria o recurso à força física e permitiria trocar a<br />
submissão pelo acor<strong>do</strong>, constitui o ideal secular da filosofia desde Sócrates.<br />
Esse ideal de racionalidade foi associa<strong>do</strong>, desde então, à busca individual<br />
da sabe<strong>do</strong>ria e à comunhão das mentes fundamentada no saber. 6<br />
6 PERELMAN, Chaïm. Op. cit., 1996. p. 96. (grifo <strong>do</strong> autor)<br />
87