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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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como a sua resistência e teimosia. O termo boda /ô/ se refere ao enlace matrimonial,<br />

mas seu homônimo boda /ó/ alude simultaneamente à fêmea <strong>do</strong> bode, à mãe de<br />

Jerónimo e, de forma oblíqua, a Muira-Ubi (ou às mulheres em geral). Os termos<br />

go<strong>do</strong> e bode, por sua vez, podem sugerir uma crítica velada aos próprios<br />

coloniza<strong>do</strong>res portugueses, bárbaros, sujos e féti<strong>do</strong>s (ou capribarbu<strong>do</strong>s e<br />

misóginos).<br />

O Torto utiliza essas artimanhas na maior parte das vezes para encerrar<br />

uma discussão polêmica, para embaraçar seus interlocutores ou para obter deles<br />

uma adesão provisória. Consideremos o episódio abaixo em que Jerónimo emprega<br />

um jogo verbal para intimidar o solda<strong>do</strong> Pio Palha Ribeiro:<br />

Tornou o Torto, a calcar a pés o desconserto <strong>do</strong> Ribeiro, que não dizia nem<br />

sim, nem não e nem talvez [...] Realmente não chegara a capturar o<br />

entendimento daquelas todas considerações, para ele abstrusas e<br />

nevoentas. Que estava o Torto a lançá-lo em grossas confusões:<br />

— Um leitão é um leitão, <strong>do</strong>is leitões são <strong>do</strong>is leitões, três leitões são três<br />

leitões. Então? 141<br />

O irônico aqui parece estar não apenas no uso de um esquema<br />

argumentativo falacioso, mas também no intento de caricaturar esse esquema. O<br />

trava-línguas pode ser visto concomitantemente como um desafio articulatório, uma<br />

verdade insofismável, uma forma vazia ou uma caricatura <strong>do</strong>s artifícios persuasivos.<br />

É igualmente importante observar que a aliteração e o eco na voz <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r<br />

sinalizam e reforçam a intenção irônica.<br />

Aliás, essa é uma estratégia narrativa recorrente: utilizar eufonias,<br />

cacofonias e demais colisões e sensações acústicas como pistas irônicas. Note-se<br />

como os enuncia<strong>do</strong>s se aliteram quan<strong>do</strong> o narra<strong>do</strong>r insinua uma recíproca<br />

animadversão entre Jerónimo e Duarte Coelho: “O ar fedia a flores fanadas.” 142<br />

Quan<strong>do</strong> ridiculariza a atitude subserviente <strong>do</strong> Torto em relação ao Arco Verde, seu<br />

indesejável futuro sogro: “Jubiloso palpitava o prova<strong>do</strong> peito português.” 143 Ou<br />

quan<strong>do</strong> relembra a fuga intempestiva e irracional <strong>do</strong>s lusitanos: “arreceian<strong>do</strong> menos<br />

a ameaça das feras pela frente <strong>do</strong> que as farpas <strong>do</strong>s feros à traseira” 144 .<br />

To<strong>do</strong>s esses exemplos tornam-se ainda mais sarcásticos quan<strong>do</strong> a mentira,<br />

a trapaça e a simulação <strong>do</strong> Torto ficam patentes na cena humorística. Isto é, sempre<br />

141 Ibid., p. 199.<br />

142 Ibid., p. 99.<br />

143 Ibid., p. 218.<br />

144 Ibid., p. 21-22.<br />

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