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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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imediato as noções e os valores a ela vincula<strong>do</strong>s, por conseguinte, certas<br />

manipulações formais e nocionais costumam provocar risos involuntários, de difícil<br />

elucidação. Em muitos casos não há como saber ao certo de que tipo de humor se<br />

trata.<br />

No entanto, há momentos em que o satirista recorre ao cômico das palavras<br />

no claro intuito de ironizar e ridicularizar. Vejamos o caso em que o Torto, cativo,<br />

feri<strong>do</strong> e semiconsciente, delira sob o efeito alucinógeno de uma flecha envenenada:<br />

“Senhora minha: que louçã estais! E como fremo e tremo saben<strong>do</strong> que às horas seis<br />

juntos estaremos, e ninguém mais; e são quatro, inda são quatro” 139 Quão irônico é<br />

constatar a discrepância entre a penosa realidade <strong>do</strong> Albuquerque, que arde em<br />

febre, suor e <strong>do</strong>res, e a transcendência de seu discurso, perfeitamente articula<strong>do</strong> e<br />

versifica<strong>do</strong>! E mais: o Torto impregnou-se de tanta poesia (quanto Quixote, de<br />

sonhos), que até mesmo seus delírios são rima<strong>do</strong>s. Sua Senhora/Augusta, por quem<br />

se derrama de desejos, parece ser a um só tempo tão fictícia/real quanto a própria<br />

Dulcinéia/Al<strong>do</strong>nça. Será fortuita a semelhança entre os nomes verdadeiros de<br />

ambas? Ou haverá uma correspondência irônica que tampouco deve ser<br />

desprezada?<br />

Há um trecho em que o Padre Sabugal tenta convencer o Torto sobre os<br />

benefícios de um casamento religioso com Muira-Ubi. Jerónimo rejeita<br />

obstinadamente a idéia, argumentan<strong>do</strong> que sua ascendência germânica (portanto,<br />

bárbara) faz dele um homem pouco católico. Seu pai, mais conheci<strong>do</strong> como o Bode,<br />

assim como o pentavô deste, de origem goda, foram pessoas de escassa<br />

religiosidade, haja vista a alcunha <strong>do</strong> primeiro. Notem como o protagonista se vale<br />

de exercícios lexicais e gramatológicos para criar um diverti<strong>do</strong> calembur:<br />

— Bode. Boda. Go<strong>do</strong>. Que engraçadas são as palavras! Tendes dúvida?<br />

— Engraçadas? O bode é go<strong>do</strong>. É esta uma verdade: o Bode é go<strong>do</strong>. O<br />

bode gosta de boda? Os go<strong>do</strong>s gostam de boda? Go<strong>do</strong>s não são de bodas.<br />

Bode aborrece boda. Go<strong>do</strong> eu o sou. Que pariu-me a mulher <strong>do</strong> bode. Nem<br />

se precisa cavar a matéria para logo se aferir que bode sou. Sou bode. Sou<br />

go<strong>do</strong>. Atreve-se Vossa Reverência a falar-me de boda? 140<br />

Neste episódio, as palavras são jogadas umas contra as outras de mo<strong>do</strong> a<br />

causar um feixe de pequenas ironias. O termo bode se refere ao pai e ao seu<br />

provável ateísmo, mas também faz menção indireta à libidinosidade <strong>do</strong> Torto, bem<br />

139 Ibid., p. 141.<br />

140 Ibid., p. 241.<br />

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