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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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anacrônico <strong>do</strong> Torto, com sua flagrante impossibilidade de explicar a razão e a<br />

origem dessas memórias poéticas.<br />

Outras demonstrações de ironia narrativa serão encontradas em alguns<br />

flashforwards, que antecipam rapidamente eventos futuros e, neste romance,<br />

sinalizam intenção de provocar humor. Como na cena final, em que, ao descrever a<br />

comitiva <strong>do</strong>s portugueses libertos que retornariam à praia, o narra<strong>do</strong>r faz um<br />

comentário sarcástico sobre o destino de um <strong>do</strong>s alforria<strong>do</strong>s, que tivera a sorte de<br />

escapar da antropofagia <strong>do</strong>s indígenas:<br />

D. Jerónimo d’Albuquerque assumiu a vanguarda [...] à sua cola caminhava<br />

a Maria [...] Atrás, como espertos perdigueiros [...] o Bramaluco e o Fuão.<br />

Mais à retaguarda, o rancho de lusos remi<strong>do</strong>s, marchan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>is e <strong>do</strong>is, à<br />

ordem de um sargento investi<strong>do</strong> no posto pelo comandante: Baltesar<br />

Vanegas Camelo. Cuja alma queimaria à eterna fogueira noutra ocasião<br />

que não aquela. 138<br />

Nas chamas <strong>do</strong> inferno acabaria Baltesar Vanegas Camelo, mas não agora,<br />

não aqui. Neste momento de suprema felicidade, nada deve estragar o regozijo <strong>do</strong><br />

Torto. A exibição de humor negro e ironia corrosiva revela também a impaciência <strong>do</strong><br />

satirista, desejoso de intrometer-se nos meandros <strong>do</strong> relato a fim de aniquilar a<br />

possibilidade de um final feliz para certa classe de portugueses deploráveis.<br />

Mas é no espaço cômico das formas lingüísticas – aberto pelos jogos de<br />

palavras, quebra-cabeças, trocadilhos, rimas, aliterações, trava-línguas, repetições,<br />

paronomásias, etc. – que os principais agentes da narrativa (escritores e leitores<br />

empíricos, narra<strong>do</strong>res e personagens fictícios) podem desfrutar de uma ironia lúdica<br />

incessante. Provocar comicidade através da manipulação de vocábulos é, sem<br />

dúvida, um <strong>do</strong>s propósitos estruturais de O tetraneto del-rei. Esses jogos de<br />

linguagem, reuni<strong>do</strong>s à arte de parodiar, quan<strong>do</strong> não sinalizam humor irônico,<br />

chegam a converter alguns trechos da obra em autêntica prosa poética. Usa<strong>do</strong>s<br />

para romper a pretensa seriedade <strong>do</strong> discurso, tornar a narrativa mais interessante,<br />

jocosa e lúdica e provocar emoção, também servem para imprimir uma cadência<br />

oratória mais próxima da lírica, permitin<strong>do</strong>-nos assim degustar, sílaba a sílaba, a<br />

textura e o sabor de cada palavra.<br />

A grande ironia deste processo é que, por motivos ainda não de to<strong>do</strong><br />

conheci<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> se manuseia livremente uma forma qualquer, alteram-se de<br />

138 Ibid., p. 251-252. (grifo meu)<br />

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