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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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perverso Calafurna foi trucida<strong>do</strong> pelos índios), surge então o humor irônico. Somente<br />

a referência ao século condiz com os fatos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> empírico, tu<strong>do</strong> o mais é<br />

estratégia usada para provocar um efeito de datação, para proporcionar ao ficcional<br />

um status de realidade histórica, enquanto os eventos não-ficcionais (provável ano<br />

de nascimento <strong>do</strong> Torto, de sua chegada ao Brasil, de sua captura pelos índios, de<br />

sua libertação e morte) são manti<strong>do</strong>s deliberadamente na sombra.<br />

As imprecisões temporais são alvos (ou temas) de constantes ironias<br />

humorísticas. Como quan<strong>do</strong> Duarte Coelho, num acesso momentâneo de disfarçada<br />

loucura, dispara à tropa um discurso ilógico sobre o tempo, conjeturan<strong>do</strong> sobre as<br />

improváveis datas para o início da guerra ou sobre o imperativo de não mais adiá-la:<br />

“Na semana de nove dias? Quan<strong>do</strong> juntos caírem <strong>do</strong>is <strong>do</strong>mingos? Ao ver-se D.<br />

Jerónimo d’Albuquerque coroa<strong>do</strong> Papa? Quan<strong>do</strong> forem trinta e um dias <strong>do</strong> mês de<br />

fevereiro?” 129 Como quan<strong>do</strong> o Torto, em sonhos, assiste a uma festa pagã <strong>do</strong>s<br />

tabajaras e arrisca um palpite sobre a data, imediatamente questionada pelo<br />

narra<strong>do</strong>r: “Era o dia de Nossa Senhora de Setembro. E como saberia ele que era o<br />

dia de Nossa Senhora de Setembro?” 130 Ou como quan<strong>do</strong> o mesmo Torto interroga<br />

um prisioneiro lusitano recém-chega<strong>do</strong> à tribo:<br />

— Que dia é hoje?<br />

— Como dizeis, senhor?<br />

— Que dia é hoje? Perdi-me no tempo. Há muito que não apuro datas.<br />

Hoje. Que dia é hoje?<br />

— Bem. Setembro, creio ser setembro. Se não for, será abril. 8 ou 12.<br />

— Queres dizer que hoje é 8 ou 12 de abril ou de setembro. Muito bem.<br />

Considero-me ciente. Porventura será <strong>do</strong>mingo?<br />

— Não o sei, capitão, que por mim tô<strong>do</strong>los dias são entre si iguais. Não os<br />

diferencio. Sexta-feira e quarta-feira e sába<strong>do</strong> são absolutamente iguais. 131<br />

É interessante perceber que, nos exemplos acima, o escritor utiliza a<br />

repetição, os paralelismos sintáticos e as interrogações como estratégias discursivas<br />

para sinalizar o cômico ou colocá-lo em andamento e que os leitores, alfineta<strong>do</strong>s<br />

pelo aguilhão da ironia, são compeli<strong>do</strong>s a questionar os limites da insensatez, da<br />

ignorância e da ingenuidade humanas.<br />

Por vezes, é na aparente precariedade da onisciência narrativa que<br />

encontramos os ecos de um comportamento sarcástico ladea<strong>do</strong> por uma fina ironia.<br />

Quan<strong>do</strong>, por exemplo, o narra<strong>do</strong>r se corrige, executan<strong>do</strong> exegeses, explicações,<br />

129 Ibid., p. 82.<br />

130 Ibid., p. 171.<br />

131 Ibid., p. 249.<br />

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