14.04.2013 Views

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

— Curioso: Curre-Dão-<strong>do</strong>? Estranho. E onde pára Curre-dão-<strong>do</strong>?<br />

— Conhece o Mosteiro de Tibães?<br />

— Como não? Conheço o Mosteiro de Tibães.<br />

— Pois fica às cercanias. 125<br />

O esquema básico dessa técnica humorística – espertalhão mal-intenciona<strong>do</strong><br />

fornece respostas mentirosas e extravagantes às perguntas indiscretas feitas por<br />

bisbilhoteiro distraí<strong>do</strong> – recebe um considerável reforço quan<strong>do</strong> a ele se unem os<br />

jogos de palavras e a desfiguração eufemística de um nome próprio no intuito de<br />

disfarçar uma expressão chula (Visconde <strong>do</strong> Cu Re<strong>do</strong>n<strong>do</strong> 126 ).<br />

Alguns leitores podem enxergar nessa mise-en-scène <strong>do</strong> Torto indícios de<br />

um comportamento picaresco. No entanto, a cena reflete, antes de tu<strong>do</strong>, a conduta<br />

irônica <strong>do</strong> personagem, atitude esta que se irradia por to<strong>do</strong> o romance. A fim de<br />

eludir um presente de ruínas, de solapar o meio sórdi<strong>do</strong> em que é força<strong>do</strong> a viver, o<br />

Torto inventa para si um mun<strong>do</strong> de faz-de-conta, protegen<strong>do</strong>-se da falsidade e das<br />

más intenções alheias com a máscara irônica da malandragem. Suas mentiras, seu<br />

cinismo e sua pedagogia ao revés são estratégias de autodefesa contra a<br />

insanidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s homens.<br />

Portanto, a ironia <strong>do</strong> episódio acontece ao nos darmos conta de que a<br />

encenação, embora ridícula e falaciosa ao extremo, é tão perfeitamente factível<br />

quanto o seria a mais fidedigna das verdades. Quer dizer: o mun<strong>do</strong> de quimeras<br />

forja<strong>do</strong> pelo Torto, onde quase tu<strong>do</strong> é invenção, e o mun<strong>do</strong> de aparências e<br />

convenções sociais em que vivemos to<strong>do</strong>s nós são, ambos, tão fantasiosos e<br />

delirantes que, em determinadas circunstâncias, parecem se equivaler ou ser<br />

igualmente possíveis. Às vezes, tomar a ficção pela realidade, a mentira pela<br />

verdade ou um passa<strong>do</strong> imaginário pelo factual pode ser uma questão de escolha,<br />

basta que acreditemos.<br />

Alguns enquadramentos temporais de O tetraneto del-rei também podem<br />

ser interpreta<strong>do</strong>s nessa mesma linha. O tempo da história, fundamentalmente<br />

seqüencial e cronológico, flui de mo<strong>do</strong> não-marca<strong>do</strong>, ou seja, embora haja diversos<br />

registros indican<strong>do</strong> transposições temporais, estas se desenvolvem com grande<br />

125 Ibid., p. 237-238.<br />

126 Essa designação escrachada, por sua vez, parece ser uma paródia <strong>do</strong> título nobiliárquico <strong>do</strong> vicerei<br />

da Índia, Francisco de Coutinho, Terceiro Conde de Re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>, a quem Camões dedicou uma<br />

de suas primeiras odes, publicada em Goa em 1563. Ver JACKSON, K. David. The parody of<br />

“letters” in Harol<strong>do</strong> Maranhão’s O tetraneto del-rei. Luso-Brazilian Review, Madison, v. 27, n. 1,<br />

p. 11-19, Summer 1990. p. 13.<br />

75

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!