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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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vertiginosa sensação de mise en abîme, como se O tetraneto del-rei fosse uma<br />

espécie de caixa chinesa ou boneca russa, com narrativas encaixadas dentro de<br />

outras: Harol<strong>do</strong> Maranhão inventa um narra<strong>do</strong>r que resgata um personagem que<br />

sonha com um cronista que escreve sobre Jerónimo que vivencia uma história<br />

narrada por alguém que por sua vez nunca existiu, mas que na verdade acaba<br />

sen<strong>do</strong> o próprio Harol<strong>do</strong> Maranhão, pois é ele quem de fato inventa um narra<strong>do</strong>r que<br />

resgata um personagem... e assim por diante.<br />

Para mim, a ironia também se constrói da seguinte forma: se a vida pode ser<br />

sonho (como diria o poeta espanhol Calderón de la Barca em 1635), então, nada<br />

impede que personagens históricos possam perfeitamente haver sonha<strong>do</strong> com uma<br />

realidade empírica semelhante a nossa ou que nós mesmos possamos muito bem<br />

ser não mais que uma fantasia de algum obscuro personagem de ficção.<br />

Outros sinais metacomunicativos, como as insistentes referências ao mun<strong>do</strong><br />

teatral e as diversas maneiras de invocar a materialidade <strong>do</strong> discurso ou a<br />

aleatoriedade <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s (observações e comentários metalingüísticos,<br />

distorções onomásticas, uso de metaplasmos, de frases em latim ou em tupi-<br />

guarani, etc.), conseguem igualmente provocar humor irônico:<br />

— Anaricuã! Cau-uá-uá!<br />

O que quer dizer tu<strong>do</strong> e quer dizer nada [...] fermosas palavras [...] As quais<br />

um entenderia assi: “O intruso en<strong>do</strong>udeceu!” Outro assi: “São as febres;<br />

logo passam”. Um terceiro, da<strong>do</strong> a chistes, poria nesta linguagem: “Epa!<br />

Cuida<strong>do</strong> que o bicho morde”. 124<br />

Examinemos, por exemplo, o diverti<strong>do</strong> diálogo em que o Torto, discorren<strong>do</strong><br />

com fingida seriedade, tenta pregar uma peça no abelhu<strong>do</strong> Padre Sabugal a<br />

propósito de um arcabuzeiro português sacrifica<strong>do</strong> pelos tabajaras:<br />

124 Ibid., p. 149.<br />

— Falávamos esta manhã <strong>do</strong> amigo seu, que Vossa Mercê tão<br />

sentidamente pranteia.<br />

— O Guedes! Assi chamava-o eu, Guedes, e não Vasco, como seria de<br />

supor-se de um condiscípulo.<br />

— Então fizeram as letras ao Santo Antão?!<br />

— Disse-lho. Ele fez-se latino; e eu um ladino [...] Foi homem de muita<br />

marca. [...] Subiu até visconde.<br />

— A visconde?<br />

— A Visconde. Estranha Vossa Reverência? [...]<br />

— Visconde de..., disse Vossa Mercê...<br />

— Vasco Guedes de Alcaparras, Visconde <strong>do</strong> Curre-Dão-<strong>do</strong>.<br />

— Curre-Dão-<strong>do</strong>?<br />

— Visconde <strong>do</strong> Curre-Dão-<strong>do</strong>.<br />

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