14.04.2013 Views

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

esclarecidas, o airoso fidalgo Dom Jerónimo d’Albuquerque. Que por Torto no geral<br />

era havi<strong>do</strong>. Torto!” 119 O sorriso calcula<strong>do</strong> <strong>do</strong> ironista está presente já no início, no<br />

mo<strong>do</strong> dúbio de se referir às terras brasileiras, de exagerar o esnobismo <strong>do</strong><br />

personagem e, em seguida, contrastá-lo com o apeli<strong>do</strong> gaiato <strong>do</strong> herói, como se<br />

este o houvesse carrega<strong>do</strong> desde sempre. O narra<strong>do</strong>r se aproveita da polissemia da<br />

palavra Torto para criar um efeito anacrônico de antecipação. Adiantar o uso de um<br />

epíteto, que só deve ter si<strong>do</strong> cunha<strong>do</strong> depois que Jerónimo efetivamente perdeu um<br />

<strong>do</strong>s olhos no Brasil, denota uma manobra discursiva extremamente irônica.<br />

Outro tipo diferente de ironia narrativa encontra-se na forma como o narra<strong>do</strong>r<br />

antecipa o drama <strong>do</strong> protagonista, provocan<strong>do</strong>-lhe sonhos premonitórios. O enre<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> romance se desenvolve de forma linear, até mesmo morosa, sem muitos<br />

sobressaltos nem reviravoltas, mas encontra seus pontos de tensão (ou clímax)<br />

justamente nesses pesadelos <strong>do</strong> Torto. Seus sonhos parecem funcionar como<br />

paródia <strong>do</strong> maravilhoso, comum em tragédias e epopéias. Sonhan<strong>do</strong>, Jerónimo<br />

experimenta aventuras eróticas extraordinárias:<br />

sonhos deleitosos de murmurantes cortesãs, cujo gáudio cingia-se no<br />

admirar-lhe o troféu, por ele ais suspiran<strong>do</strong>, até quan<strong>do</strong> o senhor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

uma eleita premiava, fazen<strong>do</strong>-a menor no ergástulo <strong>do</strong>s braços, de cuja<br />

prisão saíam exangues e transidas. 120<br />

Ao atravessar a fronteira <strong>do</strong> sobrenatural, realiza atos dignos de heroísmo e<br />

vivencia experiências bizarras. Primeiro, vê seu corpo de fidalgo sustentan<strong>do</strong> a<br />

cabeça de outro homem, o rosto perquiri<strong>do</strong>r de Luís Vaz de Camões. Em seguida,<br />

sonha com indígenas perversos disparan<strong>do</strong>-lhe numerosas flechas ao traseiro:<br />

E ele nisso muito gosto até mostrava e à feição se punha, agachan<strong>do</strong>-se e<br />

empinan<strong>do</strong> a plataforma <strong>do</strong> assento, à guisa de alvo prodigaliza<strong>do</strong> para a<br />

fruição <strong>do</strong>s frecha<strong>do</strong>res. Estes entre si disputavam-se a primazia de acertálo<br />

e enganos não havia que as setas velozes sumiam-lhe ao cu. 121<br />

Às vezes, encontra-se em meio à guerra, entre índios e brancos, sen<strong>do</strong> ele o<br />

objeto de disputa de ambas as facções, prestes a ser escalpela<strong>do</strong>. Outras vezes,<br />

esses mesmos guerreiros depõem as armas para colmá-lo de beijos e abraços. De<br />

repente, o Torto percebe-se manco, uma de suas pernas foi lesada, ou seria o olho?<br />

Seu peito parece revesti<strong>do</strong> de um duro escu<strong>do</strong> de metal que o protege das flechadas<br />

119 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1988. p. 9.<br />

120 Ibid., p. 37.<br />

121 Idem.<br />

72

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!