Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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entre o animal e o homem, bem como na sensação transmitida de que a existência<br />
de Theo<strong>do</strong>ro acaba justifican<strong>do</strong> e dan<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> à história pregressa <strong>do</strong> Torto.<br />
Para que a ironia aconteça é preciso que não se diga tu<strong>do</strong>, que não se<br />
mostre tu<strong>do</strong>, é necessário que paire no ar uma grande interrogação a fim de que a<br />
força sugestiva <strong>do</strong> não dito desafie o dito (não para excluir o segun<strong>do</strong>, mas para<br />
incluí-lo), produzin<strong>do</strong> deste mo<strong>do</strong> uma espécie de circunlocução que se alimenta de<br />
ambos e que acaba geran<strong>do</strong> no auditório reações, atitudes e interpretações<br />
espontâneas e, às vezes, contraditórias:<br />
A ironia é uma estratégia relacional no senti<strong>do</strong> de operar não apenas entre<br />
significa<strong>do</strong>s (ditos, não ditos), mas também entre pessoas (ironistas,<br />
interpreta<strong>do</strong>res, alvos). O significa<strong>do</strong> irônico ocorre como conseqüência de<br />
uma relação, um encontro performativo, dinâmico, de diferentes cria<strong>do</strong>res<br />
de significa<strong>do</strong>, mas também de diferentes significa<strong>do</strong>s, primeiro, com o<br />
propósito de criar algo novo e, depois [...] para <strong>do</strong>tá-lo da aresta crítica <strong>do</strong><br />
julgamento. 105<br />
O que parece distinguir a ironia de outros processos e técnicas discursivas<br />
são justamente suas arestas afiadas, sempre prontas a extrair <strong>do</strong> auditório algum<br />
tipo de resposta crítica, desde juízos de valor a efeitos psicodinâmicos de maior ou<br />
menor carga emocional, reações essas que oscilam entre pólos ora positivos, ora<br />
negativos. Por conseguinte, uma ação irônica intencional pode cumprir funções<br />
aprazíveis (lúdicas, jocosas, agrega<strong>do</strong>ras, protetoras, corretivas), tanto quanto<br />
funções hostis e injuriosas (irritação, raiva, tensão, desconforto, desvalorização,<br />
controvérsia, rejeição, desaprovação, embaraço, desprezo, subversão). 106<br />
O humor negro, por exemplo, é uma atitude desesperada e nem sempre<br />
divertida de dar vazão ao comportamento cínico e irascível característico de vários<br />
ironistas e satíricos. Toda forma de humor levada ao extremo acaba fazen<strong>do</strong><br />
fronteira com os labirintos <strong>do</strong> absur<strong>do</strong> e <strong>do</strong> desespero, onde as representações <strong>do</strong><br />
bem e <strong>do</strong> mal se encontram e se confundem. Enfrentar o mal, tentan<strong>do</strong> controlá-lo<br />
intelectualmente, é uma forma de invalidar os seus efeitos. Associar-se fingidamente<br />
ao mal, tentan<strong>do</strong> justificá-lo, é um meio de partilhar <strong>do</strong> seu triunfo. Por isso, certos<br />
humoristas também brincam com os perigos da vida, infringem os limites <strong>do</strong> me<strong>do</strong>,<br />
flertam com a maldade, riem da morte. E muitos deles se aproveitam com freqüência<br />
105 HUTCHEON, Linda. Op. cit., 2000. p. 91. (grifo da autora)<br />
106 Para um detalhamento das principais funções e efeitos da ironia, ver HUTCHEON, Linda. Op. cit.,<br />
2000. p. 72-88.<br />
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