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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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“A melancolia, inda que negra, não dá boa tinta ao que se escreve.” 102 – constata a<br />

seguinte limitação: para escrever bem é preciso banir a melancolia. Observe-se,<br />

porém, que o adjetivo negra parece se referir à melancolia perversa e mórbida <strong>do</strong>s<br />

satiristas. Portanto, quero crer que a farpa irônica está em que o autor paraense,<br />

com seu riso satírico, ao mesmo tempo em que en<strong>do</strong>ssa a constatação da epígrafe,<br />

deseja afirmar entre dentes: Vejam o que a minha melancolia negra é capaz de<br />

produzir.<br />

A segunda epígrafe – “A verdade passa como tenho conta<strong>do</strong>.” 103 – ecoa de<br />

mo<strong>do</strong> ainda mais sarcástico. Ao reproduzi-la, o escritor realiza pelo menos três<br />

procedimentos simultâneos: 1º) adere à asseveração duplamente maliciosa da<br />

sentença, ou seja, de que deve, sim, existir uma verdade e que o escritor a conhece,<br />

ou de que o passa<strong>do</strong> é somente uma narrativa que inventamos; 2º) insinua uma<br />

crítica a um certo mo<strong>do</strong> subjetivo e tendencioso de se fazer História e 3º) coloca o<br />

texto que estamos prestes a ler entre parênteses, como se dissesse: Acompanhem<br />

agora a minha verdade <strong>do</strong>s fatos.<br />

A dedicatória <strong>do</strong> romance, inclusa na intrigante e sucinta Nota <strong>do</strong> Autor e<br />

estrategicamente disposta na última página <strong>do</strong> livro, é outro elemento paratextual de<br />

marca<strong>do</strong> viés irônico:<br />

O romance é dedica<strong>do</strong> a Theo<strong>do</strong>ro d’Albuquerque Maranhão. Na minha<br />

vida, não tive mais <strong>do</strong> que <strong>do</strong>is amigos. Um é Benedito Nunes, amigo<br />

perfeito, para quem estas páginas são também dedicadas. O outro é ele.<br />

Como o seu pentavô Jerônimo, o Mameluco, filho terceiro <strong>do</strong> “Torto” e de<br />

uma nativa, ele tem fingi<strong>do</strong> sangue. Esse bom Theo<strong>do</strong>ro percebe-me os<br />

pensamentos que nem falar-lhe preciso. Mas como me entristece não possa<br />

falar também, quan<strong>do</strong> compreen<strong>do</strong> que deseja dizer-me alguma cousa!<br />

Infelizmente, não dispôs Deus que os cães falassem. 104<br />

Este depoimento possui um aspecto de extremo lirismo, em que o<br />

romancista logra expressar os seus afetos, confessan<strong>do</strong> o peso de sua solidão<br />

existencial. Mas também tem um la<strong>do</strong> irônico, quan<strong>do</strong> acicata o leitor no senti<strong>do</strong> de<br />

fazê-lo ver uma reciprocidade entre a vida e a arte, revelan<strong>do</strong>-nos que a história de<br />

Theo<strong>do</strong>ro imita (e continua) a história <strong>do</strong> Torto (ou seria o contrário?). Para mim, a<br />

nota irônica reside justamente nesses paralelos silenciosos que podemos traçar<br />

102 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1988. p. 5.<br />

103 Idem.<br />

104 Ibid., p. 253.<br />

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