14.04.2013 Views

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

mais presteza em O tetraneto del-rei. O ficcionista brinca com as funções histórico-<br />

informativas das primeiras cartas coloniais brasileiras, transforman<strong>do</strong> a epistolografia<br />

numa espécie de espelho metaficcional que, ao invés de refletir a realidade,<br />

reproduz a ficção dentro da ficção.<br />

As <strong>do</strong>ze cartas <strong>do</strong> Torto, endereçadas a uma suposta amante em Portugal,<br />

redimensionam a leitura <strong>do</strong> romance, crian<strong>do</strong> vários níveis interpretativos. A partir<br />

delas, o leitor passa a contrabalançar diferentes pontos de vista, a confrontar os<br />

fatos, tanto na perspectiva <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r quanto na perspectiva <strong>do</strong> Torto, a questionar<br />

o que pode ser realidade empírica, o que deve ter natureza histórica e o que se<br />

configura apenas como aparência, como imaginação <strong>do</strong> personagem, licença<br />

poética, utopia ficcional ou loucura narrativa.<br />

É nas cartas que a simbiose entre o escritor e o protagonista se torna mais<br />

visível. Nelas, ambos dialogam consigo mesmo, com suas memórias, com o<br />

presente e o passa<strong>do</strong>. Ambos padecem de amor, o Torto, de paixão carnal, Harol<strong>do</strong>,<br />

de paixão literária. Ambos se embrenham pelo sertão, o Torto, pelo ser-tão<br />

brasileiro, Harol<strong>do</strong>, pelo Grande sertão: veredas. Ambos se dirigem a uma pessoa<br />

ausente, o Torto, a uma senhora impalpável, Harol<strong>do</strong>, a um leitor implícito. Contu<strong>do</strong>,<br />

sempre que o Torto plagia, Harol<strong>do</strong> Maranhão parodia, quan<strong>do</strong> o Torto mente,<br />

Harol<strong>do</strong> desmente, se o Torto é lírico, Harol<strong>do</strong>, satírico, enquanto o Torto chora,<br />

Harol<strong>do</strong> ri.<br />

Nas cartas, a intertextualidade é mais flagrante. O paralelismo paródico que<br />

relaciona <strong>do</strong>is tipos de antropofagia, a indígena e a oswaldiana, fica mais evidente.<br />

Enquanto os tabajaras devoram os portugueses, Harol<strong>do</strong> Maranhão devora a<br />

literatura luso-brasileira, realizan<strong>do</strong> no plano textual um verdadeiro canibalismo<br />

estilístico. 94<br />

Os pensamentos <strong>do</strong> Torto vão sen<strong>do</strong> urdi<strong>do</strong>s com frases alheias,<br />

empréstimos que nos fazem refletir e, ao mesmo tempo, sorrir: risos que<br />

dessacralizam, que transgridem, que mascaram verdades e mentiras. Com frases e<br />

excertos totalmente recorta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> longo e famoso romance de Guimarães Rosa, o<br />

Torto filosofa:<br />

94 David Jackson percebe um canibalismo de enre<strong>do</strong>. Harol<strong>do</strong> Maranhão parece ter canibaliza<strong>do</strong> a<br />

lenda cearense de Iracema. O tetraneto del-rei pode ser li<strong>do</strong> como uma inversão paródica deste<br />

mito, fixa<strong>do</strong> pelo olhar romântico de José de Alencar no romance Iracema (1865). JACKSON, K.<br />

David. The parody of “letters” in Harol<strong>do</strong> Maranhão’s O tetraneto del-rei. Luso-Brazilian Review,<br />

Madison, v. 27, n. 1, p. 11-19, Summer 1990.<br />

61

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!