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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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sumas.” 84 Na segunda, após contestar os argumentos de Vasco Guedes sobre o<br />

provável canibalismo <strong>do</strong>s tabajaras, o Torto se afasta ironicamente: “E seguiu a<br />

trautear, tal soprasse uma flauta de bambu, a alma descarregada e tão limpa como<br />

se a houvessem lava<strong>do</strong> a água, potassa e esfregão.” 85<br />

Esses fragmentos, aparentemente singelos, escondem duas referências a<br />

obras anteriores <strong>do</strong> escritor paraense (Vôo de galinha, 1978, e Flauta de bambu 86 ,<br />

1982). De posse dessas informações, voltemos aos textos. De pronto, a releitura<br />

torna-se provocativa, o narra<strong>do</strong>r acena com uma intenção paródica. E onde está o<br />

humor? Ele consiste em insinuar a existência de uma integração total entre<br />

personagem e ficcionista, como se no subtexto pudéssemos ouvir: Caros leitores,<br />

Harol<strong>do</strong> Maranhão e o Torto são, na verdade, a mesma pessoa.<br />

O mo<strong>do</strong> obsessivamente paródico de ficcionalizar, de produzir complica<strong>do</strong>s<br />

rituais de auto-referencialidade literária, pode ser interpreta<strong>do</strong> como obscurantismo,<br />

declínio da atividade estética ou tentativa de se forjar uma literatura elitista<br />

reservada apenas aos inicia<strong>do</strong>s. Por outro la<strong>do</strong>, pode ser visto como forma<br />

estratégica de renovar o fazer literário, de conquistar a adesão de diferentes tipos de<br />

auditório, de dialogar e argumentar com leitores irrequietos, de potencializar as<br />

interpretações de uma obra e também (como diria Hutcheon) de recontextualizar o<br />

passa<strong>do</strong> ou de entrar em acor<strong>do</strong> com ele. 87<br />

Voltan<strong>do</strong> aos exemplos acima, é possível perceber que o humor paródico<br />

haroldiano cumpre várias funções importantes. Uma delas é a função lúdica:<br />

produzir uma espécie de jogo de esconde-esconde cujo propósito seria instigar<br />

releituras para que o intérprete sinta o prazer da descoberta. No entanto, o escritor<br />

pode não fornecer todas as pistas necessárias, quan<strong>do</strong> isso ocorre, além de tornar a<br />

tarefa impraticável, talvez ele esteja tentan<strong>do</strong> colocar o intérprete à prova.<br />

O texto paródico estimula uma atitude cooperativa, envolve o leitor numa<br />

participação hermenêutica, tornan<strong>do</strong>-o mais atuante na construção <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s. Por<br />

outro la<strong>do</strong>, o texto também é capaz de desorientá-lo, de fornecer pistas equivocadas<br />

que podem conduzir o intérprete à contradição ou ao distanciamento crítico. 88<br />

84 Ibid., p. 43.<br />

85 Ibid., p. 178.<br />

86 Segun<strong>do</strong> nota <strong>do</strong> autor, as crônicas deste livro foram escritas entre dez e vinte anos antes de sua<br />

publicação. MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. p. IV.<br />

87 HUTCHEON, Linda. Op. cit., 1985. p. 128.<br />

88 Ibid., p. 117.<br />

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