Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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Enquanto o personagem descreve seu processo de transformação numa<br />
mescla de lirismo com prosaísmo, o satirista oculto intercala, na dimensão paródica,<br />
um provérbio e novas referências à literatura brasileira, desta vez utilizan<strong>do</strong> títulos<br />
de duas ficcionistas (Tempo das frutas, de Nélida Piñon; Cheiros e ruí<strong>do</strong>s, de<br />
Rachel Jardim) e de três poetas (A vida passada a limpo, de Carlos Drummond de<br />
Andrade; Vaga Música, de Cecília Meireles, e A linha imaginária, de Ruy Barata).<br />
Mas Jerónimo continua expon<strong>do</strong> <strong>do</strong>lorosamente suas subjetividades por<br />
meio de metáforas: “E para trás me fica o mar desconheci<strong>do</strong>, mar morto, mar<br />
absoluto, à minha frente brilha a estrela solitária, estrela da manhã, estrela da vida<br />
inteira.” 81 E, num plano autônomo e risível, segue também a polifonia paródica e<br />
intertextual, agora com alusões a cinco títulos poéticos (Mar absoluto, de Cecília<br />
Meireles; Mar desconheci<strong>do</strong> e Estrela solitária, de Augusto Frederico Schmidt;<br />
Estrela da manhã e Estrela da vida inteira, de Manuel Bandeira) e uma menção à<br />
prosa (Mar morto, de Jorge Ama<strong>do</strong>).<br />
Esse fragmento narrativo – que sincroniza a fala pungente <strong>do</strong> Torto, a<br />
memória (o gosto e a experiência) literária de Harol<strong>do</strong> Maranhão com a ironia<br />
metaficcional de um narra<strong>do</strong>r satírico, brincalhão e anacrônico – atinge um<br />
crescen<strong>do</strong> nas linhas subseqüentes:<br />
Após um tempo vem outro, bom é o que Deus faz, não há mor triunfo que<br />
triunfar de si, que a guerra não mora nestas terras <strong>do</strong> sem fim, a guerra está<br />
em nós. Laços de família, se os desatei em Europa, outros cá vou<br />
cativan<strong>do</strong>, que o que bem parece, devagar cresce. 82<br />
Em meio à avalanche de provérbios e chavões, por entre as novas verdades<br />
penosamente descobertas pelo Torto, desponta o intento provocante <strong>do</strong> humor<br />
paródico, coroa<strong>do</strong> com mais três menções romanescas (Terras <strong>do</strong> sem fim, de<br />
Jorge Ama<strong>do</strong>; A guerra está em nós, de Marques Rebelo, e Laços de família, de<br />
Clarice Lispector).<br />
Além <strong>do</strong> efeito parodístico propriamente dito, é interessante perceber como o<br />
ficcionista paraense associa, neste episódio, livros com transformações humanas,<br />
amadurecimento psicológico <strong>do</strong> personagem com amadurecimento intelectual <strong>do</strong><br />
próprio Harol<strong>do</strong> Maranhão, prestan<strong>do</strong> homenagens a obras e escritores que talvez o<br />
tenham inspira<strong>do</strong> ou impressiona<strong>do</strong> vivamente.<br />
81 Idem.<br />
82 Idem.<br />
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