14.04.2013 Views

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

só, não costuma ser engraça<strong>do</strong>, no entanto, se o decodifica<strong>do</strong>r tomá-lo como um<br />

expediente (um recurso engenhoso utiliza<strong>do</strong> pelo ora<strong>do</strong>r para causar certo efeito<br />

sobre o auditor), pode ser que haja um sorriso discreto, quase sempre de<br />

cumplicidade e descoberta, afinal, o decodifica<strong>do</strong>r deu-se conta da intenção lúdica.<br />

Em geral, a percepção de um expediente discursivo pode tornar-se naturalmente<br />

cômica. Em alguns casos, a distinção entre paródia e pastiche chega a ser muito<br />

sutil e a tentativa de se aclarar uma das noções acaba fatalmente colocan<strong>do</strong> a outra<br />

numa zona de penumbra. Vou fornecer <strong>do</strong>is exemplos que, acredito eu, elucidam<br />

melhor suas principais diferenças.<br />

Primeiro, vejamos como Harol<strong>do</strong> Maranhão se apropria da estrofe inicial <strong>do</strong><br />

poema “As Pombas”, <strong>do</strong> parnasiano Raimun<strong>do</strong> Correia, para realizar humor paródico<br />

em seu romance Rio de raivas, servin<strong>do</strong>-se de algumas supressões, substituições e<br />

neologismo: “Vai-se a primeira xoxota despertada. Vai-se outra mais, dezenas de<br />

xoxotas vão-se <strong>do</strong>s xoxotais mal raia sangüínea e fresca a madrugada.” 72<br />

Agora, comparemos com um exemplo de pastiche haroldiano, num de seus<br />

contos intitula<strong>do</strong> “Imaginária conversa em mesa de bar”:<br />

VINÍCIUS ─ “Sinto desejos estranhos de mulher grávida. Hei de morrer de<br />

amar mais <strong>do</strong> que pude”.<br />

DRUMMOND ─ “Amor? Amar? Vozes que ouvi, já não me lembro onde...”<br />

VINÍCIUS ─ “Oh, quem me dera não sonhar mais nunca, nada ter de<br />

tristezas nem saudades, ser apenas Moraes sem ser Vinícius!”<br />

DRUMMOND ─ “Não dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas<br />

tempo em mentir.”<br />

BANDEIRA ─ (Procuran<strong>do</strong> quebrar a tensão) ─ “O meu dia foi bom, pode a<br />

noite descer. (A noite com seus sortilégios) To<strong>do</strong>s os dias o<br />

aeroporto em frente me dá lições de partir.”<br />

DRUMMOND ─ (Com picardia, referin<strong>do</strong>-se obviamente a Vinícius) ─ Tinha<br />

uma pedra no meio <strong>do</strong> caminho. Nunca me esquecerei desse<br />

acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.” 73<br />

No pastiche existem deformações, o pastiche também é um arreme<strong>do</strong>, no<br />

entanto, percebe-se que nele houve uma apropriação <strong>do</strong> modelo de forma positiva e<br />

até mesmo reverenciosa, pressupõe-se que a intenção <strong>do</strong> escritor deve ter si<strong>do</strong> no<br />

senti<strong>do</strong> de preservar a essência <strong>do</strong> original para, a partir de sua cópia,<br />

recontextualizá-lo, ressignificá-lo, criar novos espaços lúdicos, interativos e<br />

interpretativos dentro <strong>do</strong> discurso.<br />

72 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1987. p. 76.<br />

73 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Feias, quase cabeludas. São Paulo: Planeta <strong>do</strong> Brasil, 2005. p. 157.<br />

(grifos <strong>do</strong> autor)<br />

52

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!