14.04.2013 Views

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

anatômicas: “Juízo aos miolos e arcabuzes em sossego, que a guerra não é de<br />

chumbo, mas de pica!” 67 .<br />

As fantasias macabras – a morte aparece aqui em to<strong>do</strong> seu tenebroso<br />

esplen<strong>do</strong>r. São paródias de epitáfios e discursos fúnebres, descrições grotescas de<br />

corpos mutila<strong>do</strong>s, sepultamento de almôndegas, banquetes canibalescos, me<strong>do</strong>s<br />

antropofágicos e até mesmo irônicos trata<strong>do</strong>s de escatologia:<br />

Temes a morte? Causa-te a morte bastante horror? O que há me<strong>do</strong> de<br />

morrer tenha-o também <strong>do</strong> nascer e <strong>do</strong> viver, pois a entrada da vida é<br />

começo para morrer, e a mesma vida é um caminho para a morte, ou, por<br />

melhor dizer, é a mesma morte. Viven<strong>do</strong> imos a morrer; ou, como os sábios<br />

quiseram, cada hora morremos. To<strong>do</strong> o que nasce morre, e to<strong>do</strong> o que<br />

morre já nasceu. Por que se há-de temer mais o morrer que o nascer, o<br />

crescer e envelhecer, o haver fome, o velar ou o <strong>do</strong>rmir? Das quais coisas a<br />

última é mais semelhante à morte, e por isso ao sono uns lhe chamam<br />

parente da morte, outros figura dela. 68<br />

A pedagogia tortuosa – na qual poderíamos incluir todas as técnicas<br />

utilizadas pelo Torto para persuadir e conviver com seus iguais (ou desiguais):<br />

plágios, paródias e narrativas quiméricas para manter a cortesã Augusta ao corrente<br />

<strong>do</strong>s fatos da província, envian<strong>do</strong>-lhe missivas laudatórias, falaciosas, engana<strong>do</strong>ras,<br />

gongóricas e líricas; técnicas aforísticas empregadas para defender a paz, impor<br />

autoridade, amolecer idéias <strong>do</strong>gmáticas, encorajar, consolar, agredir ou confundir os<br />

portugueses; estratégias psicológicas para extrair informações <strong>do</strong>s cativos recém-<br />

chega<strong>do</strong>s à aldeia tabajara (mentir, esconder sua real identidade, aparentar<br />

fraqueza, indiferença, demência ou simular arroubos de amizade); e por fim a<br />

didática usada por ele para ensinar o português a Muira-Ubi, méto<strong>do</strong> gramaticalista<br />

e tortuoso, peripatético e intuitivo, mas aparentemente muito eficaz:<br />

67 Ibid., p. 32.<br />

68 Ibid., p. 124-125.<br />

— Nariz!<br />

E apontava o nariz. Ela repetia, concentrada no som de cada sílaba, de<br />

cada palavra. Sim! Não! Água! Árvore! Eu! Tu! Andar! Correr! Eu corro! Tu<br />

corres!<br />

Andava e corria o Torto, para a preceito ilustrar a ensinação. Sem tir-te nem<br />

guar-te, Muira-Ubi apontou a grã-chibata. E olhou interrogativamente o<br />

português, que não riu, rir não devia, e mais até fechou o sembrante, à<br />

captura, célere, de uma resposta.<br />

— Bem...<br />

— Bê?<br />

— Não, não.<br />

— Nã-ô? Nã-ô?<br />

Ele os braços ambos levantou em sinal de rendição e alto pensou:<br />

49

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!