Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
abusivamente, escreven<strong>do</strong> sempre com engenhosidade e arte, é a pedra de toque<br />
<strong>do</strong>s satiristas.<br />
Como veremos, O tetraneto del-rei é uma obra elaborada sob a influência<br />
<strong>do</strong> exagero ator<strong>do</strong>ante de formas e idéias. Contu<strong>do</strong>, também se observam algumas<br />
estratégias de simplificação. Primeiro, no mo<strong>do</strong> precipita<strong>do</strong> de agrupar os indivíduos,<br />
de atribuir-lhes traços negativos ou degradantes e de tomar idiossincrasias<br />
eventuais por verdades absolutas: “poetas não são da<strong>do</strong>s a asseos, amigos <strong>do</strong><br />
metro apara<strong>do</strong> e das rimas, porém indispostos aos benefícios da água” 52 ; “Ora,<br />
go<strong>do</strong>s eram bárbara gente e de escassa catolicidade.” 53 ; os homens da tribo<br />
tabajara “servem só para torar paus, pescar e flechar português; e as mulheres, não<br />
mais que parideiras” 54 .<br />
Segun<strong>do</strong>, no mo<strong>do</strong> extremamente impreciso de fazer referências ao mun<strong>do</strong><br />
empírico, inventan<strong>do</strong>, distorcen<strong>do</strong> ou adulteran<strong>do</strong> figuras históricas: “Casar-me!, eu,<br />
Senhora!, eu que horror tomei ao casamento a partir de quan<strong>do</strong> soube daquela<br />
rainha Joana que fez o mari<strong>do</strong> degolar.” 55 ; “alevanto-me num culto férvi<strong>do</strong> ao<br />
magnânimo deus Onan, de felice memória” 56 . E terceiro, na forma divertida de<br />
simplificar questões controversas de ambivalência referencial, tratan<strong>do</strong><br />
personalidades completamente distintas como se fossem todas farinha <strong>do</strong> mesmo<br />
saco:<br />
De um Albuquerque se diz, Affonço de Albuquerque?, que tantos são esses<br />
Albuquerques! Ou um outro Jerónimo d’Albuquerque, esse de memória<br />
felicíssima. Foi Affonço?, foi Jerónimo?, é i<strong>do</strong> ou por vir estará? Morreu<br />
esse Albuquerque ou virá por nascer?, que vasta é toda essa<br />
albuquerquada, dúcteis uns e uns dúbios. 57<br />
Em conjunto com as técnicas anteriores, o satirista também costuma<br />
demonstrar um gosto especial pela destruição de símbolos. A religião, a política e a<br />
cultura, com to<strong>do</strong>s os seus complexos ritos de solidariedade, são os alvos preferi<strong>do</strong>s<br />
dessa tentativa de aniquilamento. Crítico feroz da alienação urbana, o satírico<br />
parece se comprazer em reduzir certas representações simbólicas a um punha<strong>do</strong> de<br />
52 Ibid., p. 141.<br />
53 Ibid., p. 240.<br />
54 Ibid., p. 248.<br />
55 Ibid., p. 222. A que rainha, afinal, refere-se o Torto?<br />
56 Ibid., p. 31. Onan: personagem bíblico que praticava coitos interrompi<strong>do</strong>s; não foi um deus.<br />
57 Ibid., p. 90.<br />
45